português / english
.
.
A Política dos alimentos na aula em O Mercador de Veneza de Shakespeare / The classroom politics of food in Shakespeare’s The Merchant of Venice, Susan S. Deborah
(ensaio / essay – no. VIII. 2016-17)
Comer ou Não Comer: Estudos Alimentares na Academia Indiana / To Eat or Not to Eat: Food Studies in the Indian Academia, S. Susan Deborah
(ensaio / essay – no. VII. 2016)
.
.
A Política dos alimentos na aula
em O Mercador de Veneza de Shakespeare
por Susan S. Deborah*
Ensinar Shakespeare 400 anos depois de suas peças terem sido escritas e representadas é sempre uma experiência única com muitas surpresas inesperadas. Sou responsável por 35 estudantes que estão no seu primeiro ano B. A. e a faculdade situa-se em Goa, Índia ocidental. O assunto de referência é o carácter de Shylock, em O Mercador de Veneza, de Shakespeare. O texto foi lido e analisado no contexto de diversas questões e temas subjacentes, incluindo alimentares e vou tentar uma abordagem a como estes hábitos alimentares poderiam conduzir a uma exibição de conflito na sala de aula. Na peça, são os hábitos alimentares que permitem ao leitor compreender a abominação dos judeus pelos hábitos alimentares dos cristãos. A entrada de Shylock em O Mercador de Veneza ocorre quando este e Bassânio, discutem o vínculo de António. Quando Bassânio interpela Shylock: “Se lhe der prazer e quiser jantar connosco.” Shylock responde arrogantemente: “Sim, para sentir o cheiro de porco, para comer da casa de onde vosso profeta, o Nazareno, conjurou o demónio. Poderei comprar e vender convosco, conversar convosco, passear convosco, e assim por diante; mas não comerei convosco, nem beberei convosco, nem rezarei convosco. Que novidades há no Rialto? Quem é que vem chegando aqui? (I, III, 28-33)
O que me impressionou na passagem acima mencionada é a referência ao “porco” que é usada por Shylock para uma comunidade de pessoas − no caso, os cristãos. As linhas indicam como uma comunidade é referenciada exclusivamente pelos seus hábitos alimentares. Muito embora a deixa, “para comer da casa de onde vosso profeta, o Nazareno, conjurou o demônio?” aluda a uma referência da Bíblia, o tom de Shylock é claramente um misto de repugnância e de escárnio sobre o consumo de um determinado tipo de alimento.
Compartilhar mesa com alguém de uma comunidade diferente cujos hábitos alimentares são considerados tabu não é algo novo. Na Índia, o sistema de castas predominante divide as pessoas com base nos seus hábitos alimentares, juntamente com outras diversidades de castas e crenças religiosas. Se a Itália, no século XVI de Shakespeare, mostra antagonismos entre cristãos e judeus, a Índia do século presente não é diferente quando se trata de evitar certos tipos de alimentos e respectivas comunidades que consumam alimentos tabu. No local onde ensino alunos de diversas religiões e hábitos alimentares, mesmo que as diferenças não sejam compartilhadas secretamente e, antes, sejam compreendidas e honradas, o consumo de alguns alimentos é tabu. O século XVI italiano não parece diferente da Índia actual onde existe política, entre os praticantes de hinduísmo e das religiões islâmicas, no que respeita aos alimentos.
As pessoas que praticam o Islão, tal como os judeus, não consomem carne de porco, que lhes é proibida, “São-vos proibidos o animal morto (que morreu naturalmente), o sangue, a carne de porco, os animais que foram degolados sob a invocação de outro nome senão o de Allah “[Al-Corão 5: 3] (“Porque se abstêm os muçulmanos de carne de porco?”). Semelhante ao Alcorão, também o Antigo Testamento, nos livros de Deuteronómio, Levítico e Isaías, evitam que os judeus comam carne de porco, principalmente porque o porco é considerado impuro e impróprio para consumo.
A política de consumo de alimentos é um ponto de demarcação entre judeus e cristãos/hindus e muçulmanos. Mas, enquanto estes textos acima são lidos no meu grupo de estudantes muçulmanos, hindus e cristãos, descubro que eles expressam pensamentos contraditórios sobre Shylock e os seus hábitos alimentares. A questão da divisão dos alimentos tem tensões subjacentes para as pessoas de diversas comunidades na Índia. Os hindus e os muçulmanos não consomem porco enquanto os cristãos o fazem; da mesma forma, os cristãos e os muçulmanos consomem carne de bovino, o que os hindus não fazem − a minha classe reúne todos esses grupos e quando o tema veio à discussão, os alunos foram cautelosos sobre o caráter de Shylock e sentiram a possibilidades do mesmo poder acontecer no cenário Goês. Uma observação simples tem potencial para causar tensão comunitária e, portanto, Shylock, embora empatizado, foi condenado pelas suas vis observações sobre a comida. Os estudantes também sentiram que a Índia do século 21, apesar dos progressos em muitas áreas principalmente estudadas para o desenvolvimento, ainda tem que chegar a acordo no que respeita aos hábitos alimentares dos diferentes sectores da sociedade. A política de comer-carne e relacionada violência é semelhante à política de comer-porco. Enquanto o consumo e a venda de carne de bovino é proibido em quase 24 dos 29 estados da Índia, a Índia passou a ser o maior exportador de carne do mundo. A vaca, considerada santa e muitas vezes vista como uma mãe de abundância por muitos hindus, aufere o estatuto de um semideus tornando-se ilegal ser morta e consumida em diferentes propósitos. India Today, uma revista de notícias líder, na sua capa de 27 de outubro de 2015 escreve:
“Em 28 de setembro, uma segunda-feira ordinária, uma série de eventos extraordinários levou uma turba de hindus irados, a maioria deles proprietários de terra Thakurs, a marchar para aquela pequena galli (rua pequena) num ataque de raiva. Tinham ouvido rumores de que uma vaca-sagrada e para eles materna − tinha sido abatida, comida, e as suas entranhas despejadas num transformador elétrico na aldeia. . . . Mais de 1.000 pessoas foram para o beco onde Mohammad Akhlaq, 50, o suposto assassino de vacas e um dos poucos muçulmanos que vivem nesta parte da aldeia, acabava de preparar para a noite no terraço do primeiro andar. À medida que os gritos de “maaro, maaro” (mata, mata) ecoavam pelo beco, a multidão atravessou a porta azul claro de Akhlaq, golpeou a sua cabeça com uma máquina de costura e golpeou o seu filho dinamarquês de 22 anos com um tijolo “. (“Carne, proibição e derramamento de sangue.”)
A narrativa acima mencionada é apenas uma história que captura o cenário volátil que actualmente existe em certas partes da Índia. Os meus alunos estão bem cientes destas histórias e encontram o mesmo contexto num texto do século 16 que coloca o alimento como agente de conflito. A discussão sobre a política dos alimentos que não poderia ser contida no horário da aula, foi feita fora da sala de aula através de um questionário que foi administrado a alguns dos alunos. As respostas que eram de tipo descritivo, aprofundavam a utilização do alimento para denigrir uma secção/comunidade de pessoas. Shriharsha sente, “Shylock era um judeu e de acordo com suas crenças religiosas, eles não podiam consumir carne de porco, por isso se recusou a comer com Bassânio e António. Mas situações como esta criam tensão e, se observarmos o contexto da Índia onde pessoas de várias religiões vivem juntas, torna-se bastante conflituoso. Não podemos pedir a alguém para mudar os seus hábitos alimentares. Além disso, esse tipo de situações ampliam as nossas diferenças culturais/religiosas e tornam difícil as pessoas sentarem-se em conjunto. Devemos aprender a ajustar-nos e ser respeitosos uns com os outros, a fim de viver em harmonia.”
Shreya Singh observa: “Ninguém deve ser julgado ou sofrer por causa dos seus hábitos alimentares e fazê-lo cria um problema em países como a Índia, onde as pessoas têm os seus próprios rituais, crenças e costumes. Sendo um ser humano, é nossa responsabilidade que nos asseguremos de que ninguém seja discriminado por causa dos seus hábitos alimentares diferentes” (sic).
Abhishek Thakur diz: “Se uma situação como a de António e Bassânio acontecesse na Índia, poderia causar um grande problema, pois vivemos numa sociedade onde coexistem muitas religiões. A convivência entre um muçulmano e um cristão que se sentam juntos como bons amigos desfrutando da companhia um do outro, estragar-se-à se os hábitos alimentares se interpuserem entre eles “(sic).
Ao discutir a observação de Shylock e ao colocá-la no contexto da Índia, os alunos declaram unanimemente que os hábitos alimentares e a discriminação baseada em alimentos podem causar tensão e violência comunais. O cenário na Índia do século XXI e na Itália do século XVI não parecem muito diferentes quando se trata de discriminar as comunidades com base nos seus hábitos alimentares. As respostas dos alunos também reflectem a sua consciência sobre as implicações actuais da comida e da religiosidade na sociedade em geral. Apesar dos diferentes hábitos alimentares entre hindus, muçulmanos e cristãos, pelo menos no contexto do Colégio, essas diferenças não são vistas nem sentidas abertamente. Mas os alunos também não parecem negar a possibilidade da tensão surgir por causa de uma observação cáustica casual como a de Shylock. Além disso, tendo em mente a política de comer carne que afectou muitas pessoas, uma observação como a de Shylock desencadearia uma série de violências no país.
Numa nota mais leve, um aluno observa: “Se alguém comer vaca e porco, a sua aparência será semelhante à de uma vaca ou de um porco (indirectamente focando os níveis de obesidade que a carne e a carne de porco poderiam causar). Não surpreende que os hábitos alimentares do estudante que fez a observação não incluam vaca ou porco e certamente reflectem o que a sua família e parentes sentem e conversam sobre a comunidade de pessoas que consomem esses alimentos.
É, pois, bastante surpreendente, que quase 400 anos depois, as peças de Shakespeare possam ser relevantes num contexto removido do cenário original, convocando tabus sociais e discussões alimentares que são contextuais e recentes. Nunca se poderá determinar se O Mercador de Veneza de Shakespeare foi escrito para denegrir os judeus ou apenas para ser representativa das crenças e hábitos do século 16; no entanto, a peça promoveu uma discussão tempestuosa sobre alimentação e política.
References:
Pradhan, Kunal, Deka, Kaushik et al. “Beef, ban and bloodshed.” India Today. 7 Oct. 2015, http://indiatoday.intoday.in/story/beef-ban-and-bloodshed/1/493111.html.
Saulat. “Why do Muslims abstain from pork?” 09 Aug. 2011, http://www.whyislam.org/faqs/restrictions-in-islam/why-do-muslims-abstain-from-pork/.
* S. Susan Deborah, Ph.D., é Professora Assistente no Departamento de Inglês, M. E. S. Faculdade de Artes e Comércio, Goa, West India. Co-editora de Culture and Media: Ecocritical Explorations (2014), o primeiro volume na área de ecocinema na Índia. O segundo volume co-editado (com Rayson K. Alex) intitulado, Ecodocumentaries: Critical Essays (2016) foi recentemente publicado por Palgrave Macmillan. É destinatária (juntamente com Rayson K. Alex) da ASLE-USA Media Subvention Grant para a criação de um espaço de vídeo interativo para uma bolsa em ecocinema. Os seus interesses residem nos estudos alimentares, na ecologia e no ecocriticismo.
.
.
The classroom politics of food
in Shakespeare’s The Merchant of Venice
by S. Susan Deborah
The Merchant of Venice, Theatre Royal of Drury Lane, 1741
Teaching Shakespeare 400 plus years after his plays were written and performed is always a unique experience with many unexpected surprises. I engage 35 students who are in their first year B. A. The college is situated in Goa, western India. The point of reference is the character of Shylock in Shakespeare’s The Merchant of Venice (Hereafter, TMOV). TMOV has been read and analysed for diverse underlying themes and issues including food, and in this article, I will attempt to see how food habits in TMOV could lead to a display of conflict in the classroom. In the play, it is the food habits that enable the reader to understand the abhorrence of Christians and their food habits by the Jews. Shylock’s entry in TMOV is when he and Bassanio are discussing Antonio’s bond. When Bassanio asks Shylock, “If it please you to dine with us.” Shylock haughtily responds: “Yes — to smell pork, to eat of the habitation which your prophet the Nazarite conjured the devil into? I will buy with you, sell with you, talk with you, walk with you, and so following. But I will not eat with you, drink with you, nor pray with you. What news on the Rialto? Who is he comes here?” (I. iii.28-33)
What struck me in the aforementioned passage is the reference to “pork” which is used by Shylock to refer to a community of people – in this case, the Christians. The lines indicate how a community is referred to exclusively by its food habits rather than any other point of reference. While the line, “to eat of the habitation which your prophet the Nazarite conjured the devil into?” refers to a reference from the Bible, the tone of Shylock is clearly that of disgust and mockery about the consumption of a certain kind of food.
Sharing table with a person from a different community whose food habits is considered taboo is not something new. In India the prevalent caste system divides people based on their food habits alongside other diversities of caste and religious beliefs. While in Shakespeare’s 16th century, Italy shows antagonism between Christians and Jews, the present century India is no different when it comes to shunning certain kinds of food and communities consuming taboo foods. In the place where I teach and engage students of diverse religious faiths and food habits, consumption of certain foods is considered taboo even though the differences are not shared covertly but is understood and honoured. 16th century Italy seemed no different from present day India where there exists politics in matters of food between the practitioners of Hindu and Islam faiths.
The people practising Islam, like the Jews do not consume pork as it is forbidden for them, “Forbidden to you (for food) are: dead meat, blood, the flesh of swine, and that on which hath been invoked the name of other than Allah” [Al-Qur’an 5:3] (“Why do Muslims abstain from pork?”). Similar to the Quran, the Old Testament of the Bible, namely in the books of Deutronomy, Leviticus and Isaiah, also refrains the Jews from eating pork, primarily because the pig is considered unclean and unfit for consumption.
The politics of consumption of food is a point of demarcation between Jews and Christians/Hindus and Muslims. Now, while the aforementioned lines are read in my class which has a mix of Muslim, Hindu and Christian students, I find that they express conflicting thoughts with Shylock and his food habits. The matter of division over food has underlying tensions for people of diverse communities in India. The Hindus and the Muslims do not consume pork while the Christians do so; similarly the Christians and the Muslims consume beef which the Hindus do not – my class has all these groups together and when the topic came up for discussion, I find that the students were wary of Shylock’s character and felt the possibilities of the same happening in the Goan scenario. A simple remark has the potential to charge the situation and cause communal tension and hence Shylock, though empathised is condemned for his vile food remarks. Students also felt that 21st century India though has made progress in many areas that are primarily studied to make development, has still to come to terms with respecting food habits of different sections of the society. The politics of beef-eating and related violence is similar to the politics of pork-eating. While consumption and selling of beef is banned in nearly 24 out of 29 states in India, India also happens to be the world’s largest exporter of beef. The cow which is considered holy and often seen as a mother of plenty by many Hindus, gives it the status of a demigod rendering it unlawful to be killed and consumed for various purposes. India Today, a leading news magazine, in its cover story dated 27 October, 2015 writes:
“On September 28, an ordinary Monday, a series of extraordinary events led a mob of angry Hindus, most of them land-owning Thakurs, to march into that tiny galli (small street) in a fit of anger. They had heard rumours that a cow-holy and maternal to them-had been slaughtered, eaten, and its entrails dumped at an electric transformer in the village. . . . More than 1,000 people proceeded to the alley where Mohammad Akhlaq, 50, the suspected cow killer and one of the few Muslims who live in this part of the village, had just turned in for the night on the first-floor terrace. As shouts of “maaro, maaro” (kill kill)echoed through the alley, the mob barged through Akhlaq’s light-blue front door, bludgeoned his head with a sewing machine and battered his 22-year-old son Danish with a brick” (“Beef, ban and bloodshed.”)
The aforementioned narrative is but one story that captures the volatile scenario that presently exists in certain parts of India. My students are well aware of these stories and finding the same context in a 16th century text place food as an agent of conflict. The discussion on the politics of food which could not be contained in the class time, was done outside of the classroom through a questionnaire which was administered to some of the students. The answers which were of a descriptive type, dig deeper into the usage of food to denigrate a section/community of people. Shriharsha feels, “Shylock was a Jew and according to their religious beliefs, they could not consume pork, therefore he refused to eat with Bassanio and Antonio. But situations like this creates tension and if we see in the context of India where people of various religions live together, it becomes rather conflicting. We cannot ask someone to change their food habits. Further, these kind of situations magnify our cultural/religious differences and make it hard for people to sit together. One should learn to adjust and be respectful towards one another in order to live in harmony.”
Shreya Singh remarks, “One can never be judged or made to suffer because of his/her food habits and doing so creates a problem in a country like India where people have their own rituals, beliefs and customs. Being a human being, it’s our responsibility that we make sure nobody is discriminated because of different food habits” (sic).
Abhishek Thakur says, “If a situation like that of Antonio and Bassanio were to happen in India, it can cause a great problem as we are living in a society where there are many religions. A Muslim and a Christian sitting together as good friends and enjoying each other’s company will be spoilt if food habits came in between them” (sic).
While discussing Shylock’s remark and placing the same within the context of India, the students unanimously state that food habits and discrimination based on food could cause communal tension and violence. The scenario in 21st century India and 16th century Italy does not seem much different when it came discriminating communities based on their food habits. The responses of the students also reflect their consciousness about the present-day implications of food and religiosity in the larger society. In spite of diverse food habits among the Hindus, Muslims and Christians, at least in the College setting, these differences are not overtly seen or felt. But the students also don’t seem to deny the fact about the possibility of a tension which could arise because of a casual caustic remark like that of Shylock’s. Further, keeping in mind the politics of eating beef that has affected many people, a remark like Shylock’s would trigger a series of violence in the country.
On a lighter note, a student remarks, “If one eats beef and pork, their appearance would be similar to that of a cow or pig (indirectly targeting the obesity levels that eating beef and pork could cause) (sic). It is no surprise that the student who made the above remark is a non-beef/pork eater and is reflecting what his family and kin feel and converse about the community of people who consume beef/pork.
Therefore, it is quite surprising that nearly after 400 plus years, Shakespeare’s plays could be relevant in a context removed from its place of setting, bringing out social taboos and food discussions that is contextual and recent. It can never be determined whether Shakespeare’s The Merchant of Venice was written to cast Jews in a poor light or just hold a mirror to the 16th century beliefs and habits nevertheless the play did open a stormy discussion on food and politics.
References:
Pradhan, Kunal, Deka, Kaushik et al. “Beef, ban and bloodshed.” India Today. 7 Oct. 2015, http://indiatoday.intoday.in/story/beef-ban-and-bloodshed/1/493111.html.
Saulat. “Why do Muslims abstain from pork?” 09 Aug. 2011, http://www.whyislam.org/faqs/restrictions-in-islam/why-do-muslims-abstain-from-pork/.
.
.* S. Susan Deborah, Ph.D., is Assistant Professor in the Department of English, M. E. S. College of Arts & Commerce, Goa, West India. She is one of the editors of Culture and Media: Ecocritical Explorations (2014), the first volume in the area of ecocinema in India. Her second co-edited volume (along with Rayson K. Alex) titled, Ecodocumentaries: Critical Essays (2016) has been recently published by Palgrave Macmillan. She is the recipient (along with Rayson K. Alex) of ASLE-USA Media Subvention Grant, for creating an interactive video space for ecocinema scholarship. Her interests lie in food studies, ecomedia and ecocriticism.
.
.
Comer ou Não Comer: Estudos Alimentares na Academia Indiana
por S. Susan Deborah*
Enquanto na Europa e Estados Unidos, os Estudos Alimentares são já uma disciplina integrada/estabelecida em programas de Ciências Sociais e Humanas, na Índia, ainda se procura o encaixe certo e seguro para o seu caminho. Os alimentos e as suas diversas extensões ontológicas, embora atraentes para os estudiosos, não são vistos como compromisso académico sério, apesar dos artigos que são apresentados em conferências e escritos para revistas e livros. Usualmente, trata-se apenas de um encontro esporádico sem quaisquer compromissos. “Comida” ou “Alimentação”, são termos abrangentes que incluem a matéria dos alimentos, a sua preparação e produção, a distribuição (importação/exportação), o consumo, os tabus, os rituais, os símbolos, a representação que auferem nas culturas populares e as políticas nela envolvidas. Os Departamentos de Ciência e Tecnologia dos Alimentos, das Florestas, da Horticultura, da Biotecnologia, da Engenharia dos Alimentos ou da Microbiologia, também discutem os alimentos e suas atividades afins, embora dirigindo as respectivas implicações culturais para as margens. Apesar de muitos dos mistérios relacionados com a alimentação e o seu cultivo, a sua produção e consumo terem vindo a ser desvendados pelas ciências, apenas recentemente as humanidades começam a arranhar a superfície deste vibrante campo de estudos. As conferências de pleno direito em Estudos Alimentares estão na sua infância no cenário indiano, mesmo sendo os alimentos um subtema de temas mais amplos como a cultura popular, a ecologia, a gestão de resíduos, a poluição e o meio ambiente.
A recente conferência em “Comida e Cultura: Literatura e Sociedade”, organizada pelos Departamentos de Inglês e de Viagens & Turismo, do MES Colégio das Artes e Comércio, em Goa, atraiu estudiosos de diversas disciplinas desejosos de saciar a sua experiência académica em culinária (http: // www.teff.in/single-conference/international-conference-on-the-culture-of-food-li/). A conferência proporcionou uma saudável experiência de cozinha ao vivo, acrescida de painéis de discussão e de animadas sessões de apresentação de comunicações.
Neste artigo, planeio categorizar genericamente os tópicos apresentados e discutir de que modo os estudos alimentares, sendo uma interessante vertente de engajamento crítico, apenas gradualmente começam a fazer sentir a sua presença na academia indiana.
As comunicações apresentadas discutiram questões prevalentes e pertinentes em termos da expressão local, teórica, política e pessoal sobre os alimentos. Temas como a comida literária ou a comida religiosa, a política dos alimentos ou os meios de comunicação e a comida cinematográfica, a comida indígena e cultural, os géneros nos alimentos, a comida turística e cosmopolita, a comida filosófica, espiritual e cultural, a comida local e colonial ou a comida sociocultural, foram discursados e questionados.
Os alimentos, que introduzidos pelos diferentes invasores da Índia se tornaram referências de base na cozinha indiana, conduziram ao questionamento “O que é a autenticidade e como é determinada?” Na mesma linha se questionou a indigeneidade dos alimentos e como se pode validar um ingrediente − traçando o tempo da sua existência na Índia ou analisando a sua média de uso na cozinha. A maior parte dos ingredientes amplamente utilizados na preparação diária de alimentos, pimentões, açúcar, café e chá, embora ocupem um lugar firme e vital na cozinha indiana, foram introduzidos por governantes coloniais quando aterraram na Índia. Assim, a questão da autenticidade torna-se fundamental na avaliação do palato alimentar de uma região e lugar específicos.
Sendo a produção dos alimentos uma área importante nos estudos alimentares, na discussão florescente sobre alimentos orgânicos e agricultura caseira e de origem local, o papel do produtor dos alimentos de base, o agricultor, é fundamental. Enquanto as crianças aprendem nas escolas primárias indianas que a agricultura é a espinha dorsal da Índia (da economia indiana, para ser mais específica), a realidade perturbadora dos suicídios em massa de agricultores, que ocorre em estados como Maharashtra, é apenas uma gigantesca inclinação na balança da sustentabilidade dos meios de subsistência e das economias. Embora existam inúmeras políticas dedicadas à alimentação, a inclusão nessas comissões da principal parte integrante interessada, o agricultor, é negligenciável ou inexistente. The Hindu, um jornal diário inglês popular, relata 3, 228 suicídios diários de agricultores no estado de Maharashtra, em 2015,
“O suicídio de agricultores alcançou um pico sombrio em 2015. O ano que havia registado 2.590 suicídios até Outubro − o maior número desde 2001 − registou mais de 610 mortes apenas nos dois últimos meses. O número de mortos em 31 de Dezembro de 2015, situou-se em 3228, indicando que a série de medidas que o governo empreendeu ao longo do ano, falhou em deter a tendência perturbadora.”
A falha, por parte do governo, em integrar os produtores de alimentos como sendo uma unidade integrante da economia, tem gerado uma lacuna entre os produtores e os consumidores de alimentos. Por isso, torna-se importante que os legítimos produtores − os agricultores, os pescadores, os padeiros ou os pastores de gado − se assumam importantes partes interessadas, num país multi-social como é a Índia.
© tiNai Ecofilm Festival
Semelhante à exclusão dos produtores de alimentos na hierarquia social e política, é a questão das divisões sociopolíticas de casta, com base no que é consumido e no que não é. Os alimentos tornam-se importantes indicadores-de-castas, levando a casos extremos de tabu. As castas superiores consideram qualquer forma de comer carne como uma prática indigna e relegam a carne para o “outro”, geralmente mantido à distância; os seguidores de religiões onde comer carne é a prática normal, são vistos como imundos e impuros, sendo assim criado um abismo entre sistemas sócio-religiosos. Sendo a Índia um país diverso e vibrante, tem hábitos alimentares que são peculiares a cada comunidade e muitas vezes estas comunidades estão divididas entre si, com base nas práticas e costumes alimentares.
Essa diversidade de práticas e costumes alimentares na Índia, tem visto representações múltiplas na literatura, na fotografia, nos recursos virtuais e em documentários. A recente conferência acima referida, identificou o alimento como um tropo que serpenteou através da diáspora, da história, do feminismo, da religião e dos filmes. Nos estudos das diásporas, a comida tende a ser um marcador cultural do lar que é deixado à margem; o alimento é muitas vezes visto como uma conexão com as tradições e as memórias familiares. O sabor dos alimentos, especialmente, como tesouro de memórias e saudade. Enquanto a literatura providencia diferentes exemplos de alimentos que podem ser ligados a uma infinidade de emoções e experiências, os documentários são um outro medium que usa a imagem da comida para expor ou restabelecer várias correntes políticas e socio-económicas.
Hábitos alimentares em desaparecimento carimbam a identidade de uma comunidade, culturas substituem um item alimentar por outro, o exótico torna-se tão indispensável como o nativo − estes, alguns pensamentos discutidos no contexto comida e cultura.
A urgência e a necessidade de ver o alimento como tema de discurso crítico está gradualmente a ganhar posição na academia indiana, especialmente nas ciências humanas, uma vez que o alimento é uma parte integrante de uma política maior que precisa ser discutida, criticada e questionada. A existência de leis que impedem as pessoas de comer um determinado tipo de alimento porque é considerado sagrado por uma determinada comunidade, sublinham a importância dos alimentos na Índia e como as suas funções são ampliadas nas vidas de pessoas. Cada vez mais, a comida é um tropo que é visto como um tópico para um compromisso sério. Nesta era, em que os gigantes globais estão tentando homogeneizar os alimentos através de McDonalds, KFCs, Subways e Starbucks, a necessidade de um envolvimento critico com a alimentação, torna-se vital para a academia. O perigo da comida indígena e étnica do outro, precisa de ser questionado e debatido apaixonadamente, e assim criando espaço para o componente mais básico e essencial de comida, comer e viver. Sendo ainda esta área uma estratégia de “guerra-relâmpago” (blitzkrieg) na academia indiana, não está muito longe o dia em que os Estudos Alimentares vão ocupar um lugar digno ao lado dos Estudos Culturais, dos Estudos Pós-coloniais, dos Estudos Linguísticos e dos Estudos de Género.
Referências
Deshpande, Alok. “Maharashtra viu 3228 suicídios de agricultores em 2015.” The Hindu 14 de janeiro de 2016. Web. 14 de março de 2016.
.
* S. Susan Deborah é Professora Assistente no Departamento de Inglês do M. E. S. College of Arts & Commerce, Zuarinagar-Goa, India. email: susan.deborah@gmail.com
tradução ilda teresa castro
.
.
To Eat or Not to Eat: Food Studies in the Indian Academia
by S. Susan Deborah*
While food studies is an established discipline in the Social Sciences and Humanities programmes in the European countries and Americas, it is yet to find a strong foothold in India. Food and its diverse ontological extensions, though appealing to scholars, is not seen as a serious academic engagement in spite of papers written for conferences, journals and books. It is mostly always a one-time affair without any strings attached. Food is an umbrella term which includes diverse connotations such as the material of food, its preparation, its production, its distribution (import/export), its consumption, taboos, rituals, symbols, representation in popular cultures, and the politics involved in it. Departments of Food Science and Technology, Forestry, Horticulture, Biotechnology, Food Engineering, Microbology also discuss food and related branches, albeit driving cultural implications to the margins. In spite of the Sciences, unravelling many mysteries connected to food and its cultivation, production and consumption, the humanities have just began scratching the surface of the vibrant field of study. Full-fledged conferences on Food Studies are at its infancy in the Indian scenario nevertheless food has been a sub-topic in broader topics such as popular culture, ecology, waste management, pollution and environment.
The recently concluded conference on “Food and Culture: Literature and Society” organised by the Departments of English and Travel & Tourism, MES College of Arts and Commerce, Goa, attracted scholars from diverse disciplines to satiate their academic culinary experience (http://www.teff.in/single-conference/international-conference-on-the-culture-of-food-li/). The conference provided a wholesome experience of live cooking, panel discussions and lively sessions of reading papers.
In this article, I plan to broadly categorize the various topics presented in the conference and also discuss how food studies, though an interesting part of critical engagement, is only gradually making its presence felt in the Indian academia.
The papers discussed prevalent and pertinent issues in terms of locale, theory, politics and personal expression of food. Topics such as The literary food, the religious food, the politics of food, the media and cinematic food, the indigenous and cultural food, the gendering of food, the touristic and cosmopolitic food, the philosophical, spiritual and cultural food, the colonial and local food and the socio-cultural food were discoursed and questioned. Foods which were introduced by the different invaders of India and have now become staples in the kitchen led to questions such as, “What is authenticity and how it is determined?” Along similar lines, indigeneity of food and how one can validate an ingredient – tracing the time of its existence in India or by analysing its usage meter in the kitchen. Most of the ingredients that are extensively used in the preparation of daily food, viz. chillies, sugar, coffee and tea, though occupy a firm and vital place in the Indian kitchen were introduced by the colonial rulers when they landed in India. Thus the question of authenticity becomes pivotal in assessing the food palate of a specific region and place.
Food production is an important area in food studies. In the burgeoning discussion of organic, home-grown and locally sourced food, the basic producer of food—the farmer’s role is indispensable. While every child in school learns in her primary classes that agriculture is the backbone of India (Indian economy, to be specific), the disturbing reality of farmers’ mass suicides in states such as Maharashtra is but a gargantuan tilt in the balance of sustaining livelihood and economies. While there are numerous policies devoted to food, the integral stakeholder, the farmer’s inclusion in these committees is negligible to nil. The Hindu, a popular English daily reports that there were 3, 228 farmer suicides in Maharashtra State in 2015,
“Suicides by farmers touched a grim high in 2015. The year that had recorded 2,590 suicides until October − the higher ever since 2001 − went on to register 610 more deaths in just the last two months. The death toll on December 31, 2015 stood at 3,228, indicating that the slew of measures the government undertook through the year failed to arrest the disturbing trend.”
The failure by the government to integrate food producers as an integral unit of the economy has caused a gap between the producers and consumers of food. It therefore becomes important that the rightful producers ― the farmers, the fishermen, bakers and cattle-herders − become important stakeholders in a multi-societal country like India.
© tiNai Ecofilm Festival
Similar to the exclusion of food producers in the social and political hierarchy is the issue of the socio-political divisions of caste based on what is consumed and what is not. Food becomes an important caste-indicator leading to extreme cases of taboos. The higher castes consider any form of meat eating as an unworthy practise and relegate meat to the ‘other’ who are usually kept at a distance; followers of religions where eating meat is the normal practise, are viewed as unclean and impure this forming a chasm in socio-religious systems. India being a diverse and vibrant country has food habits that are peculiar to each community and often these communities are divided from one another based on food practices and customs.
This diversity in food practices and customs in India have seen manifold representations in literature, photographs, virtual resources and documentaries. The recently concluded conference in Goa identified food as a trope that meandered through diaspora, history, feminism, religion and films. In diasporic studies, food comes to be one of the cultural markers of the home that is left behind; food is often seen as a connection to the traditions and memories of home. The taste of food, especially is a treasure trove of memories and longing. While literature provides many instances of food which can be connected to a plethora of emotions and experience, documentaries are another medium which use the image of food to state or reinstate several socio-economic and political undercurrents. Dying food habits which stamp a community’s identity, cultures replacing one food item with another, the exotic becoming as indispensable as the native – were some thoughts that were discussed in the context of food and culture.
The urgency and need to view food as a topic of critical discourse is gradually gaining a foothold in Indian academia, especially the humanities, as food is an integral part of a larger politics that needs to be discussed, critiqued and disagreed. With laws that bar people from eating a particular kind of food just because it is considered sacred for one community bears light on the role of food and its extended roles in the lives of people in India. Food is increasingly becoming a trope which is seen as a topic for serious engagement. In this era where the global giants are trying to homogenise food through McDonalds, KFCs, Subways and Starbucks, the need to critically engage with food becomes vital for the academia. The danger of othering indigenous and ethnic food needs to be questioned and debated passionately thus creating spaces for the most basic and essential component of food, eating and living. While the area is still to blitzkrieg the Indian academia, the day is not far off when Food Studies will occupy a place of dignity, alongside Cultural studies, Postcolonial Studies, Linguistics and Gender Studies.
References:
Deshpande, Alok. “Maharashtra saw 3228 farmer suicides in 2015.” The Hindu 14 Jan 2016. Web. 14 Mar. 2016.
*S. Susan Deborah . Assistant Professor, Dept. of English, M. E. S. College of Arts & Commerce, Zuarinagar-Goa, India.
email: susan.deborah@gmail.com