ecomusicologia / ecomusicology

english / português

.

.

Qual a Moral do Humano Perante a Música dos Animais Não Humanos

ou

A Música das Esferas e a Expressão Musical dos Animais Não Humanos:

Uma Abordagem Zoomusicológica, Vítor Rua

(ensaio – no. XIII 2023-2024)

Jardines del Pedregal de San Ángel, Catherine Clover

(soundwork / trabalho sonoro – no. X . 2018-2019)

O som no limite da consciência: biomusicologia e biologia quântica / Sound at the edge of consciousness: biomusicology and quantum biology, Jonas Runa

(ensaio / essay – no. VII . 2016)

Zoomusicologia (VI) O som como vibração da vida / Zoomusicology (VI) Sound as a vibration of Life, Jonas Runa

(ensaio / essay – no. VI . 2015)

Zoomusicologia (V) A sabedoria do som vivo / Zoomusicology (V) The wisdom of living sound, Jonas Runa

(ensaio / essay – no. V . 2015)

Zoomusicologia (IV) A sabedoria do som vivo / Zoomusicology (IV) The wisdom of living sound, Jonas Runa

(ensaio / essay – no. IV . 2015)

Zoomusicologia (III) A sabedoria do som vivo / Zoomusicology (III) The wisdom of living sound, Jonas Runa

(ensaio / essay – no. III . 2014)

Zoomusicologia (II) A sabedoria do som vivo / Zoomusicology (II) The wisdom of living sound, Jonas Runa

(ensaio / essay – no. II. 2014)

Zoomusicologia (I) A sabedoria do som vivo / Zoomusicology (I) The wisdom of living sound, Jonas Runa

(ensaio / essay – no. I. 2014)

.

.

Qual a Moral do Humano Perante a Música dos Animais-Não-Humanos

ou

A Música das Esferas e a Expressão Musical dos Animais-Não-Humanos:

Uma Abordagem Zoomusicológica

por Vítor Rua*

.

“O ser humano é antropocêntrico: até os aliens falam sempre em inglês!” 

.

O que sabemos nós sobre o que é Música? Alguma coisa. Mas será o suficiente para a definirmos com precisão? Alguns responderão que sim. Outros informarão que a única coisa que sabem é que não se sabe o que é isso que damos o nome “música”; que em muitos povos nem o termo – música – existe; outros povos subsistem sem que tenham sequer o conceito de música. Será a música algo de universal? Será que todo o ser humano é possuidor de uma musicalidade ? 

A música é uma manifestação artística profundamente enraizada na experiência humana, mas a expressão musical não é uma exclusividade da nossa espécie. Animais não humanos também emitem sons complexos e rítmicos que podem ser interpretados como formas de comunicação e expressão. A zoomusicologia, um campo interdisciplinar que investiga a música produzida por animais não humanos, revela que a musicalidade transcende os limites das fronteiras humanas.

Durante muito tempo, e em todo o planeta, os seres humanos reconheciam, constatavam e atribuíam uma grande musicalidade a certos animais, as infindáveis e belas “melodias” de certos pássaros ou o “canto” das baleias eram exemplo disso.

Depois vieram a musicologia e a etnomusicologia e tudo terminou. Um pouco como Descartes e a mecanização do mundo natural. Num instante, essa “musicalidade” foi-se e ficámos reduzidos a uma frase “científica” qualquer do género: “A nós – seres humanos – aqueles “sons” soam-nos a música… Mas não é!” O ser humano, encabeçando o topo da hierarquia animal (esse acto determinado – claro ! – pelo próprio ser humano) seria assim o único ser com o dom da música e o único possuidor ou guardião dessa tal “musicalidade“.

A ciência consegue ser muito conveniente por vezes… e que atrevimento supor-se que a Música – essa arte das Musas, esse dom de Deus, essa poesia matemática própria para seres com alma, pudesse pertencer também a outros que não nós! Que o diga o Descartes.

Quer a razão seja Deus ou a ciência, o que é um facto é que os animais não-humanos “perderam” a sua musicalidade. Da mesma forma que a mulher passou a possuir alma após o Concílio de Trento, depois de Descartes os animais perdem toda a sua musicalidade. Quanto muito mimetizam-na. Dessa forma, a pretensa musicalidade dos animais ou existe apenas nas nossas mentes (que somos os “racionais”, “cultos”, possuidores de “emoções” e para alguns também com “aspas”) ou é pura e simplesmente um mimetismo, uma imitação pavloviana e sem qualquer consciência daquilo que é a Nossa Música. 

Mas afinal que raio de coisa é esta a que chamamos “música”? É que antes de podermos afirmar se outros animais possuem “musicalidade”, precisamos entender, classificar e caracterizar o “nosso” conceito de música.

.

This slideshow requires JavaScript.

.

Para Jaques Atalli “vida é ruído”. Logo, “vida é som”. Viver é assim um estado audível. Um acontecimento sonoro. Ora, eu irei demonstrar que, música é (entre outras coisas) som. O som é a matéria prima da Música. Se – como iremos ver de seguida – todo e qualquer tipo de som pode ser música e se a vida (viver) é um estado sónico podia pressupor-se que toda e qualquer forma de vida seria potencialmente não só uma fonte sonora, como um forte candidato à capacidade de produzir/possuir uma “musicalidade”.

É lógico que nem todo o som é música, pois se assim fosse não precisaríamos de duas palavras mas apenas de uma: som. Carl Dalhaus (ou será eggbrecht?) chama a este instante em que um som deixa de o ser som para passar a ser música, de “mathesis”. Música, seria assim, qualquer tipo de som imbuído de mathesis, pertencente a determinada cultura e, segundo a grande maioria dos musicólogos, exclusivo do ser humano. É como lidar com a situação de certos povos não possuírem o termo “música” no seu vocabulário ou nem sequer possuírem o conceito de música? De referir que um desses povos que não possui o conceito de música, também não possuem o conceito de “porta traseira” e no entanto, as suas habitações têm uma porta à frente e outra atrás. Quer isto dizer apenas, que não é pelo facto de um povo não possuir o termo ou o conceito de música, que este não concebe aquilo que nós – que possuímos o termo e o conceito – entendemos como música. A ser verdade esta conclusão, nada nos impede de ir um pouco mais longe no nosso raciocínio e avançarmos com a hipótese de que outros animais não humanos, igualmente desprovidos do termo e do conceito de música, a possam realizar e usufruir. 

Tento neste meu texto explorar a intrigante relação entre a música humana e a expressão sonora de animais não humanos. Através da perspectiva da zoomusicologia, examinamos como diferentes espécies criam sons distintos que podem ser considerados como formas de expressão musical, mesmo que não compartilhem a mesma compreensão do conceito ou termo “música”. Além disso, investigamos a ideia de que a música não é exclusiva dos seres vivos, estendendo-se até o próprio cosmos, refletindo a crença em uma “Música das Esferas” que ressoa em toda a existência.

A música é uma manifestação artística profundamente enraizada na experiência humana, mas a expressão musical não é uma exclusividade da nossa espécie. Animais não humanos também emitem sons complexos e rítmicos que podem ser interpretados como formas de comunicação e expressão. A zoomusicologia, um campo interdisciplinar que investiga a música produzida por animais não humanos, revela que a musicalidade transcende os limites das fronteiras humanas.

Baleias, aves, insetos e uma variedade de outras criaturas demonstram padrões sonoros distintos em seus comportamentos naturais. As baleias, por exemplo, comunicam-se por meio de cantos complexos que variam entre indivíduos e populações. Esses padrões podem ser considerados uma forma de expressão musical, uma vez que incorporam elementos como melodia, ritmo e repetição.

.

a tree, a bird and an elephant 2

.

Da mesma forma, aves como o rouxinol do Japão apresentam canções elaboradas que evoluíram para atrair parceiros e marcar territórios. O canto dos insetos, como os grilos, também segue padrões que se assemelham a composições musicais, com estruturas repetitivas que lembram ritmos e harmonias.

A diversidade de expressões musicais entre animais não humanos é comparável à variedade cultural observada nas sociedades humanas. Tribos amazónicas, por exemplo, possuem formas de expressão sonora que diferem das convenções ocidentais de música. Embora possam não empregar o termo “música” ou ter a mesma compreensão abstrata do conceito, suas expressões sonoras têm função cultural e social, assim como as vocalizações dos animais.

Além da expressão musical terrestre, a crença na “Música das Esferas” é um conceito que remonta à antiguidade. Os antigos gregos propuseram que os movimentos celestes produziam sons harmoniosos e divinos, formando uma sinfonia cósmica. A ideia de que o universo em si é permeado por uma espécie de música intriga tanto cientistas quanto filósofos, ecoando a noção de que a música é uma parte inerente da existência.

Recentemente com o advento da tecnologia (computadores) certas ciências como a bio-acústica, a bio-música, a nano-tecnologia ou a zoomusicologia, têm tido uma evolução dromológica e têm realizado grandes e revolucionarias descobertas no que diz respeito à musicalidade animal. Uma renomada bio-acústica, diz-nos categoricamente após estudos ao longo de décadas de gravações e espectogramas do canto das baleias, que estas produzem aquilo que nós humanos entendemos como música: melodias (e não “chamamentos”) que chegam a durar mais de trinta minutos; e durante esse período de tempo outras baleias escutam essa música sem interferirem; que tal como nos povos de tradição oral, essas “canções” ou “melodias” vão com o tempo sofrendo pequenas alterações. No ano seguinte a mesma baleia ou as baleias que assistiram ao concerto do ano anterior, repetem a mesma canção com subtis diferenças e alterações. Para a cientista não há qualquer dúvida que estes animais estão a produzir e a usufruir daquilo que nós intitulamos de música. Mesmo que – e tal como acontece noutros povos – estas não possuam o “conceito” de música. 

De referir que até recentemente se classificavam os seres humanos de animais de “racionais” e de “irracionais” todos os outros animais. Ora, hoje sabemos perfeitamente da falácia desta afirmação. Os outros animais têm sentimentos, emoções, sentem (os animais são sencientes) e são capazes dos mais complexos raciocínios. Mas isso não impediu que durante séculos os tratássemos por bestas (muitas das vezes com sentido pejorativo) ou os tratássemos como máquinas (como relógios, por exemplo). Quando na realidade é o ser humano o único (ou dos únicos, uma vez que parece que certos símios também o fazem) animal que mata por prazer ou sem ser por uma questão de sobrevivência. E que passamos grande parte da nossa vida com pensamentos negativos em relação ao nosso próximo, enquanto os outros animais quando não estão a caçar para sobreviver, se recriam com brincadeiras, jogos e carícias. Puro deleite. Pureza. Os povos que praticam hoje um tipo de vida que intitulamos de “primitiva”, vêem nos animais não-humanos seres possuidores de uma grande moral. E possuidores de uma grande musicalidade. Além disso não só acreditam que os animais comunicam, como entendem perfeitamente a sua linguagem. Para estes povos isso é claro como a água. Nós – habitantes urbanos – não queremos acreditar que eles tenham linguagem, simplesmente porque não os entendemos e porque nos foi incutido desde tenra idade a nossa indiscutível “superioridade”; que a linguagem seria precisamente uma prova da nossa superioridade intelectual.

.

vr

.

Como foi possível passarmos (como existe ainda em algumas tribos totémicas) de um respeito e harmonia para com os outros animais, para uma total barbárie/holocausto que provocamos a milhões de espécies animais? E chamamos a isto “evolução”? Dizemo-nos civilizados em contraponto com os ditos povos “bárbaros” ou “primitivos”? É – toda esta tortura, crueldade e matança – sinónimo de “evolução civilizacional”? De que forma passamos como no século XV de existirem processos em tribunal entre humanos e animais(onde estes últimos tinham até direito a um advogado de defesa), para a era actual onde parece não existir qualquer direito aos animais e que a maior parte das vezes e em certos países estes não têm mais direito do que uma mesa ou outro qualquer objecto? Mas que raio de moral é esta a nossa? Como nos tornamos nós nestes seres horrendos? Que civilização “evoluída” é esta que pratica o mal aos animais, enquanto os “primitivos” os respeitam?

O afastamento do ser humano da Natureza foi tão gigantesco que hoje crianças (e até adultos) pensam que, por exemplo, um atum é um animal pequeno castanho, sem corpo, membros ou cabeça e que vive em latas pequenas de conserva. O filósofo Peter Singer diz que se actualmente o ser humano tivesse de matar para sua alimentação quase a totalidade da humanidade se tornaria vegetariana. Uma coisa é vermos num talho os animais desmembrados e cortados em fatias; outra bem diferente é termos de ser nós com as nossas próprias mãos a matá-los, cortá-los e desmembrá-los.

Esta atitude perante os animais só parece ser possível por ignorância, incompreensão, receio (infundado), e pelo tal afastamento da Natureza e dos animais. Então em que devemos nós acreditar? Nos que agora – em civilizações “evoluídas” – trucidam, torturam e assassinam diariamente milhões de animais e que afirmam que estes são irracionais e que portanto, estão na Terra para nos servirem e nós nos servirmos deles como bem nos apetecer ou devemos antes acreditar nos tais povos ditos de primitivos que respeitam, admiram e veneram os outros animais, e acham-nos até capazes de uma grande moral e musicalidade? Eu opto pela segunda proposição. Neste aspecto prefiro ser chamado de “primitivo” a “civilizacionalmente evoluído”.

Mas não é necessário viver na Natureza numa qualquer região profunda da Amazónia, para percebermos que os animais comunicam, sentem, têm emoções ou sonham como nós. Quem tem animais domésticos pode facilmente observar isso mesmo. Eles pedem-nos comida, demonstram a sua dor quando algo está mal, brincam connosco, sabemos quando estão tristes ou alegres, enfim, comunicam! Nós – humanos – para comunicarmos usamos a linguagem verbal e gestual (além da escrita claro). O mesmo se passa com os outros animais: comunicam verbal e gestualmente. Só não têm a escrita. Vemos então que os animais comunicam entre si tal como nós humanos. Então porque não podem possuir também a tal “musicalidade” atribuída exclusivamente aos humanos? Na teoria evolucionista existe a visão de que o ser humano está geneticamente programado para a tal musicalidade desde o início da humanidade e que o propósito dessa musicalidade seria – pelo menos inicialmente – a reprodução.

Tal como certos animais usam sons, gestos, movimentos, cores, para atraírem sexualmente parceiros, nós humanos também estaríamos programados para essa função através da música. A diferença está em que quando esse factor é nos animais nos dizemos serem “chamamentos”, quando se trata do ser humano, chamamos à mesmíssima coisa: música. Mesmo na actualidade vemos vestígios dessa função primordial reprodutiva nas estrelas pop, rock, do jazz, da clássica e especialmente na chamada música “gastronómica” onde a dita estrela atrai fãs que se deleitam com a sua música mas também com a própria pessoa em si. Uma atracção sexual. Do Elvis Presley à Madonna, do Miles Davis ao Julio Iglesias, todos estes artistas reúnem à sua volta e em várias partes do mundo, um número elevado de pessoas apreciadoras da sua música mas simultaneamente também atraídos sexualmente pelos artistas em questão. Um pavão – por exemplo – tem mais hipóteses de arranjar facilmente uma parceira quanto maior e luxuriante for a plumagem da sua cauda e os sons que este emite. Qual é então a diferença entre o pavão e o Júlio Iglesias? A diferença está unicamente no mercado cultural que o ser humano criou à volta do conceito de “arte”. Metam um pavão no Royal Albert Hall a mostrar a sua penugem opípara e teremos stand ovations. Isto já para não falar da reacção dos pavões fêmeas que estejam – porventura – a assistir via net a este evento.

O caso ciber-mediático da gata pianista Nora é paradigmático. Uma gata de uma professora de piano. Esta – a professora – nunca ensinou a gata a tocar piano. A gata deve ter começado a tocar por imitação. Tal como as crianças humanas. E os adultos também: aprende-se muito imitando. Quanto mais tocava – a gata – mais ia desenvolvendo técnicas próprias; idiossincrasias: a repetição obsessiva de uma nota; o encostar a orelha ao teclado do piano; o uso de meios tons. Nora criou um “estilo”. Uma forma peculiar e original no uso deste instrumento, guarda-lhe um lugar no grupo reduzido de pianistas que conseguem ser reconhecidos pela sua linguagem. Não se trata de andar a correr pelas teclas do piano atrás de um qualquer peixe preso a um fio e que alguém desliza de um lado para o outro nas teclas de um piano. Não! Trata-se de um ser que para tocar aquele instrumento tem de se colocar numa posição que não lhe é natural – apoiada somente em duas patas – e vemos claramente que ela sabe o que está a fazer. E que tira prazer no que faz. Quanto à qualidade com que classifiquei a originalidade da técnica e linguagem musical de Nora, é compararmos as suas intervenções com as da sua dona – a professora de piano – e que se limita a fazer um meddley com melodias conhecidas, ou trechos de peças clássicas. E, por contraponto a originalidade e o mood avantgard com que Nora desenvolve o seu mundo musical. É como estarmos a ouvir Monk e de vez em quando entrar um pianista de hotel.

.

a tree, a bird and an elephant 3

.

Outro exemplo, é o do Tucker, um cão pianista e uivador. Também uma estrela do youtube este cão – tal como Nora – sustem-se apenas com duas patas, usando as restantes para pressionar as teclas do piano. Por vezes fica períodos só no piano, mas outras vezes começa a uivar em simultâneo com o piano. A sua técnica pianista é invulgar: clusters  e notas alternadas entre a pata esquerda e a direita; e uma tessitura reduzida (inferior a uma oitava) circunscrita à distancia entre as suas duas patas. O seu uivar é muito bluesy, legato, com breves interjeições staccato, fazendo lembrar o bluesman Wolling Wollf. A combinação das duas coisas – piano e uivo – é extremamente original e contemporâneo. Pagaria um bilhete para ir ver um tal concerto na Gulbenkian. 

Existem cada vez mais exemplos de animais não-humanos a tocarem instrumentos musicais como uma gatinha que toca metalofone e outros exemplos, como o de uma caturra que marca o ritmo da música com as patas e quando o ritmo da música acelera e ela não consegue acompanhar, começa então a marcar o ritmo, desmultiplicando-o, revelando uma capacidade invulgar rítmica. Mas estes da Nora e do Tucker são excepcionais e merecem a nossa atenção e estudo.

Mas então o que estão a fazer a gata Nora e o cão Tucker? Eu não tenho qualquer dúvida: eles estão a fazer música. Sons organizados com mathesis. Eles não estão a pedir comida, a querer ir à rua, não querem festinhas. Eles deslocam-se até um instrumento musical e começam a tocar. Várias horas. Vários meses, anos. Praticando, evoluindo, experimentando tal como os músicos humanos. Então porquê esta recente aversão ou mesmo negação da ideia de outros animais possuirem uma musicalidade e serem capazes de produzir e usufruir Música?

A etnomusicologia é uma ciência recente e que teve e está a ter uma grande evolução, e que se tem expandido e desenvolvido numa enorme interdisciplinaridade com outras ciências. Tem lutado por uma visão musical global, contra um etnocentrismo; contra qualquer tipo de racismo; pela igualdade sexual e outras conquistas humanitárias. Recentemente , certa etnomusicologia pós-moderna sentiu a necessidade de proceder correcções em certos dogmas e conceitos relativos a ideias pré-concebidas sobre música. Logo um dos principais conceitos que puseram em causa a nível da sua definição, foi o próprio conceito de música. “O que é isso a que chamamos de música?”. Preferiram optar pelo termo “músicas” em substituição de “música”, e foram os primeiros a alertar-nos que em certos povos não existe o termo música e mais ainda, alguns nem o conceito possuem. E dentro deste raciocínio, se mesmo entre os humanos certos etnomusicólogos refutam a ideia de que a música seja universal, muito facilmente chegaram então à conclusão de que os outros animais não possuem música e que sons musicais que eles possam produzir somos nós humanos que neles – os sons – vemos ou entendemos essas propriedades, pois eles animais produzem esses sons sem qualquer consciência musical.

A zoomusicologia revela que a música transcende as barreiras da espécie humana, abrangendo uma variedade de expressões sonoras nos reinos animal e cósmico. Através da análise das vocalizações e padrões sonoros de animais não humanos, podemos enriquecer nossa compreensão da diversidade musical e da interconexão entre todas as formas de vida e até o cosmos. Reconhecer que a música é uma linguagem universal nos convida a explorar as múltiplas maneiras pelas quais a música permeia o mundo ao nosso redor.

*Vítor Rua – compositor / improvisador / artista plástico / videasta / produtor / etnomusicólogo

(n. 1961) iniciou-se no fim da década de 1970 com algumas invenções melódicas que marcaram profundamente o “art rock” português. Em 1980, funda o grupo Rock G.N.RNo ano de1982 funda, com Jorge Lima Barreto, TELECTU, grupo de música improvisada e electroacústica live. Neste seu trabalho com Telectu encontrou-se com grandes figuras internacionais da improvisação, afirmando-se como experimentalista e poliartista. Em 1987 num voluntarioso acto de autodidaxia considerou decisivamente o estudo da notação da música contemporânea e neste contexto evoluiu de forma meteórica. A sua obra reflecte um trabalho de recorte pós-moderno, preliminar, variegado, da recusa empirista da confinação cultural, laivo nas fronteiras estilísticas e ideoletais.

.

.

Jardines del Pedregal de San Ángel

por Catherine Clover*

Duração 9’ 47”, 2018

.

.

Uma componente da minha prática sonora é a leitura em voz alta em locais exteriores. Sincronizo os meus interesses sónicos com a gravação de campo, num processo que tem origem na gravação dos animais selvagens no seu local específico. Os lugares que visito são geralmente urbanos e a minha voz e movimentos são audíveis, duas características que não são típicas das práticas de gravação de campo. Escolho um texto que tenha alguma relação com o lugar; que aí tenha sido escrito ou num local próximo ou que a ele se refira directamente. A leitura do texto em voz alta no local, faz com que a minha voz se torne parte do ambiente sonoro através das palavras lidas. Enquanto a minha voz é ouvida fisicamente, é a linguagem do autor que é dita. Os ouvintes são multi-espécies, locais e visitantes, selvagens e domésticos, frequentes ou infrequentes usuários do lugar, e podem estar ouvindo atentamente, casualmente ou apenas de passagem. A minha voz transporta as palavras da página e restaura o acto vocal da leitura silenciosa. Ler em voz alta é social: é um coro de vozes, um chamamento-resposta entre mim, o autor, e as múltiplas vozes presentes no lugar, tanto audíveis quanto não audíveis. A crueza da gravação em bruto convida o ouvinte remoto a experimentar uma dinâmica distinta na qual o lugar se pode revelar.

This slideshow requires JavaScript.

© Catherine Clover

Esta leitura ocorre nos Jardines del Pedregal de San Ángel, na Ciudad de México, um parque urbano acidentado dominado por uma grande colina, com vista para a cidade, a partir do sul. O texto da gravação é um capítulo de A Bird Watcher’s Guide to Mexico, de Margaret L Wheeler, publicado pela primeira vez em 1967, um livro que é um produto da sua época. Em termos de nosso conhecimento actual sobre as aves e do nosso cenário pós-colonial contemporâneo, o conteúdo é certamente desactualizado e possivelmente impreciso, e o estilo de escrita pode ser provocatório para alguns ouvintes. É, no entanto, atraente, apesar ou talvez por causa desses elementos. Está escrito em inglês por uma observadora de pássaros americana mas publicado no México. Embora o seu entusiasmo pelos pássaros seja inegável, ela é uma pessoa que vem de fora e com pouca experiência vivida no país, tal como eu, que, através dos meus erros de leitura, particularmente das minhas pronúncias erróneas, ilustro o meu próprio papel de visitante.

Hoje, a maioria dos guias de aves funciona como ferramenta de referência no campo e este pequeno livro pode ser mais proveitosamente classificado como um ensaio no género da não-ficção criativa. A voz de Wheeler é audível através da escolha de palavras e, deste modo, o trabalho é pessoal e pode ser considerado um ensaio lírico, um formato híbrido que funciona através da prosa e da poesia e transmite factos e informações através de uma forma imaginativa. A leitura de um guia desactualizado e com possíveis imprecisões, dilui o empirismo científico do género guia-de-aves e ilustra o fluxo e a mutabilidade do conhecimento humano. O que é que as aves podem pensar? Se escutarem, podem rir das nossas contínuas tentativas de construir taxonomias nas quais tentamos identificá-las, tanto a elas quanto aos seus ancestrais, em quantidades, arranjos, agrupamentos e classificações estáticas e ordenadas.

Texto: Wheeler, M, 1967, A Bird Watcher’s Guide to México, Minutiae Mexicana, México
Local: Jardines del Pedregal de San Ángel, Cidade do México

*Catherine Clover, a prática multidisciplinar de Catherine aborda a comunicação por meio da voz, da linguagem e da interação entre ouvir/escutar, ver/ler. Usando um processo de gravação de campo não editado, imagens digitais e a palavra falada/escrita, ela explora uma abordagem expandida da linguagem com e através das espécies mediante uma estrutura de experiência quotidiana. Escutar permite que a complexidade do urbano seja entendida como um espaço sonoro compartilhado. As obras de arte promovem a transmissão e a recepção através da fluidez, instabilidade e mobilidade da voz e da linguagem. As suas obras são de natureza social e frequentemente envolvem colaboração e participação de outros artistas, bem como do público. Assumem várias formas, incluindo textos / partituras, soundworks, instalações, obras públicas externas, rádio, performances ao vivo, leituras e livros de artista. Criada em Londres, no Reino Unido, ela chegou a Melbourne, Austrália, através de uma residência com Gertrude Contemporary nos anos 90. Lecciona na Swinburne University (MA Writing), em Melbourne, e possui uma prática de PhD (Fine Art) através da RMIT University.

tradução ilda teresa de castro

.

.

Jardines del Pedregal de San Ángel

by Catherine Clover*

Duration 9’ 47”, 2018

.

.

A component of my sound practice is that of reading aloud in external locations. I align my sonic interests with field recording, a process that originates from the site-specific recording of wild animals in place. The sites that I visit are generally urban and my voice and movements are audible, two characteristics that are not typical of field recording practices. I select a text that has a relationship with a site, for example it was written in or around or near that place or refers directly to it. Reading the text aloud at the site means that my voice becomes a part of the sonic environment via the words on the page. While my voice is physically heard it is the author’s language that is audible. Listeners are multispecies, locals and visitors, wild and domestic, frequent or infrequent users of the site, who may be listening attentively, casually or just in passing. My voice carries the words on the page and restores the vocal act to silent reading. Reading aloud is social: it is a chorus of voices, a call and response between myself and the author and the multiple voices present at the site, both heard and unheard. The rawness of the unpolished recording invites the remote listener to experience a distinct dynamic in which the site can reveal itself.

This slideshow requires JavaScript.

© Catherine Clover

This reading takes place at the Jardines del Pedregal de San Ángel, Ciudad de México, a rugged urban park dominated by a large hill that overlooks the city from the south. The text in the recording is a chapter from A Bird Watcher’s Guide to Mexico by Margaret L Wheeler, first published in 1967, a book that is a product of its time.  In terms of our knowledge of birds today and our contemporary postcolonial setting, the content is certainly out of date and possibly inaccurate and the style of writing may be provocative for some listeners. It is nevertheless compelling despite or perhaps because of these elements. It is written in English by an American bird watcher but published in Mexico. While her enthusiasm for the birds is undeniable, she is an outsider and has little lived experience of the country, just like myself where, through my readerly mistakes, particularly the mispronunciations, I illustrate my own role as a visitor.

Today most bird guides function as easy reference tools in the field, but this small book could be more fruitfully classified as an essay in the genre of creative nonfiction. Wheeler’s voice is audible through word choice and in this way the work is personal and could be considered a lyric essay, a hybrid form that works across prose and poetry and conveys facts and information through an imaginative form.  Reading an out-of-date guide with possible inaccuracies dilutes the scientific empiricism of the bird guide genre and illustrates the flux and mutability of human knowledge. What might the birds think? If they listen they might laugh at our ongoing attempts to build taxonomies in which we try to pin down both them and their ancestors to static and ordered quantities, arrangements, groupings and classifications.

Text:  Wheeler, M, 1967, A Bird Watcher’s Guide to Mexico Minutiae Mexicana, Mexico

Site: Jardines del Pedregal de San Ángel, Ciudad de México

*Catherine Clover: Catherine’s multidisciplinary practice addresses communication through voice, language and the interplay between hearing/listening, seeing/reading. Using an unedited field recording process, digital imaging and the spoken/written word she explores an expanded approach to language within and across species through a framework of everyday experience. Listening enables the complexity of the urban to be understood as a shared sonic space. The artworks prompt transmission and reception through the fluidity, instability and mobility of voicing and languaging. The artworks are social in nature and frequently involve collaboration and participation with other artists well as with audiences. They take several forms including texts/scores, soundworks, installations, external public artworks, radio, live performance, readings and artist books. Brought up in London UK she arrived in Melbourne Australia through a residency with Gertrude Contemporary in the 1990s. She teaches at Swinburne University (MA Writing), Melbourne, and hold a practice led PhD (Fine Art) through RMIT University.

.

.

O som no limite da consciência:

biomusicologia e biologia quântica

por Jonas Runa*

Materialismo e Objectividade

A visão científica hoje dominante considera a consciência como um “estado da matéria”. Tal como sólidos, líquidos ou gases são apenas formas diferentes de organizar os átomos, a consciência é tomada como uma propriedade emergente, resultante de combinações particularmente complexas entre moléculas. Da mesma forma que a solidez de uma pedra não está em nenhum dos seus constituintes elementares (pois apenas emerge do conjunto), também a consciência seria somente um dos frutos da verdade final de todas as coisas: nada mais que átomos viajando no vazio, ou vácuo quântico.

Apesar de aceite como dogma central no paradigma atual, este reducionismo materialista é apenas uma hipótese. Nenhum preponente deste pressuposto é capaz de quantificar objectiva e matematicamente a partir de que grau de complexidade da matéria emerge a vida, ou a partir de que grau de complexidade da vida emerge a consciência. Uma hipótese alternativa, perfeitamente plausível cientificamente, é que algum tipo de “proto-consciência” constitua um dos elementos fundamentais do universo, tal como a geometria do espaço-tempo, a massa – através do campo de Higgs – ou a energia. (exemplo: a teoria Orch-OR, proposta por Roger Penrose e Stuart Hameroff).

Como afirmou Bertrand Russell, devemos estar preparados para considerar como “matéria” aquilo que a física definir enquanto tal, e estar mesmo dispostos a abandonar esse conceito se ele se revelar inadequado. De facto, a física do séc. XX forneceu-nos duas visões incompatíveis do problema: 1) No mundo “clássico”, regido pela relatividade de Einstein, tudo são campos, e a massa corresponde à concentração de um campo. 2) Na mecânica quântica, que se contradiz a si mesma no chamado “paradoxo da medição”, a matéria e suas partículas elementares possuem uma dualidade intrínseca: são simultaneamente ondas e partículas.

Se os processos físicos e químicos que ocorrem no interior dos organismos vivos são os mesmos que se observam no ambiente exterior, então a consciência pode implicar uma nova física, para além da fronteira do conhecimento atual – nos enigmáticos limites entre a relatividade e a mecânica quântica – uma vez que permanece inexplicada através das duas teorias conhecidas. Um dos argumentos mais comuns dos defensores do dogmatismo materialista é que é ilógico relacionar a mecânica quântica e a consciência simplesmente porque são ambas misteriosas e paradoxais. Mas é precisamente enquanto materialistas que deveriam ser os primeiros a reconhecer que deve existir algum princípio físico (potencialmente desconhecido) em ação, apelando à possibilidade da descoberta de uma nova área da física.

Outro dos grandes pilares da revolução científica foi a distinção inequívoca entre o observador e o observado. O exemplo clássico encontra-se na filosofia de Descartes, onde a distinção entre sujeito e objecto se manifesta no dualismo entre pensamento (a essência da mente) e extensão espacial (a essência da matéria). Assim se eliminou, aparentemente, toda e qualquer subjetividade, e se autonomizou definitivamente a ciência moderna como o estudo do mundo exterior, material e “absolutamente objectivo”. Mas foi ironicamente naquela que é descrita como a teoria mais precisa jamais formulada pela humanidade, ou seja na mecânica quântica, que o problema entre observador e observado emergiu de forma mais paradoxal: o famoso gato de Schrödinger (em “entrelaçamento quântico” com uma partícula subatómica da qual depende a sua vida), não pode estar simultaneamente vivo e morto, tal como previsto matematicamente. Foi para demonstrar a incoerência da sua teoria com a realidade dos factos que Schrödinger popularizou a experiência (puramente mental) do seu gato quântico.

É precisamente neste ponto que a física quântica se contradiz a si mesma. A realidade comporta-se de forma diferente consoante é ou não observada: quando não é observada, a matéria manifesta-se como ondas (que enquanto tal não podem ser confinadas a um único ponto do espaço-tempo, pois requerem extensão espacial e duração); quando é observada, a matéria passa a comportar-se como partículas. O já mencionado “paradoxo da medição” significa simplesmente: O que acontece quando se procede a uma medição ou experiência no mundo quântico? Ou, em terminologia da física, como é que ocorre o “colapso da função de onda”? A resposta a esta pergunta proporcionou algumas das mais extraordinárias especulações de toda a ciência contemporânea.

Uma das mais famosas interpretações deste problema, apelidada a “interpretação de Copenhaga” e popularizada na década de 1920 por Niels Bohr e W. Heisenberg, afirma que antes duma observação a realidade existe ipso facto numa “sobreposição quântica” de estados possíveis (determinados por probabilidades) sendo o “observador” a causa do “colapso da função de onda”. Em suma, antes de ser observado, o gato de Schrödinger existe realmente numa “sobreposição quântica”, vivo e morto simultaneamente. Einstein, pelo contrário, recusava acreditar que a Lua deixasse de existir quando não era observada, afirmando sempre que o mais incompreensível é que o universo seja na verdade compreensível.

Uma interpretação mais recente, e mais do agrado do materialismo, é a denominada “interpretação dos muitos mundos”, (formulada por Hugh Everett) fundamento da concepção de multiverso. Nesta perspectiva, o “colapso da função de onda” não existe, e a “sobreposição quântica” corresponde à existência de múltiplos gatos de Schrödinger em universos “paralelos”, vivo em alguns e morto noutros, de acordo com as probabilidades inerentes à teoria. Estes universos paralelos seriam mutuamente indetectáveis, a não ser pelo estreito portal da mecânica quântica, e implicam naturalmente a existência de infinitas cópias não só de gatos mas de nós mesmos, numa caleidoscópica e inesgotável variedade de experiências, contextos e formas de existência.

De acordo com esta perspectiva, o multiverso seria o passo seguinte numa sequência de revoluções: i) abdicar do planeta Terra como o centro do universo e o único dos mundos; ii) abdicar do sistema solar como o centro da galáxia e o único dos sistemas planetários; iii) abdicar da galáxia como centro do universo e a única das galáxias; iv) abdicar do universo conhecido em prol da incomensurabilidade de universos que constituem o multiverso. Assim apresentado, o argumento implica de uma armadilha lógica, pois ao contrário dos outros planetas do sistema solar, de outras estrelas ou até galáxias, não existe a mínima prova que existam outros universos, e esta hipótese permanece no domínio puramente especulativo, melhor classificado naquilo que se denomina como “hard science fiction”.

A “interpretação dos muitos mundos” explicaria assim os valores experimentais das “constantes físicas fundamentais” (e.g. velocidade da luz no vácuo, constante gravitacional, constante de Planck) e consequentemente o porquê do universo ser “bem afinado” (fine-tuning). Se existem múltiplos universos, cada um pode ter os seus próprios valores para as “constantes físicas fundamentais”, e a vida só pode existir num universo que permita a sua existência. Esta versão cosmológica do denominado “princípio antrópico” pouco mais é que uma tautologia, e as suas bases científicas permanecem largamente indeterminadas. Nada se acrescenta ao velho dualismo cartesiano, e o ser humano é colocado à margem da natureza, da qual claramente faz parte.

A verdade é que o “observador” – esse sim, plenamente real – constitui um verdadeiro tabu para a larga maioria dos físicos, apesar de se ter revelado como elemento essencial no “paradoxo da medição”, na mais “dura” de todas as ciências. A possibilidade da intervenção de qualquer subjetividade nas supostamente imutáveis “leis objectivas” da natureza é um pesadelo tanto para o racionalismo ocidental como para o reducionismo materialista. Por isso mesmo, na “interpretação dos muitos mundos”, o “observador” não tem qualquer função, e o “paradoxo da medição” é resolvido postulando uma infinidade de realidades materiais paralelas. Adicionalmente, ao postular cópias intermináveis de nós mesmos, do planeta, do sol e de tudo o que existe, a teoria elimina sub-repticiamente tudo o que há de único, particular, irrepetível ou subjetivo.

O espectro electromagnético é por vezes referido como exemplo paradigmático da irrelevância da percepção e da experiência direta de um “observador”. Afinal, a luz detectável por um ser humano (ou qualquer outro ser vivo) é infinitesimal, quando comparada com a vastidão da radiação electromagnética à qual acede a ciência, desde as ondas rádio até aos raios gama. Como pode a consciência desempenhar um papel fundamental se é restrita perceptualmente a uma parte da realidade extremamente diminuta? No polo oposto desta questão, Merleau-Ponty argumentou que a percepção não pode ser desvalorizada, uma vez que é o fundamento de toda a nossa compreensão e envolvimento com o mundo. Para o seu pensamento fenomenológico, que apelava precisamente a um novo diálogo entre o corpo e a mente, coube à arte e ao pensamento moderno o mérito de nos fazer redescobrir o mundo da percepção, no qual vivemos mas que a visão científica dominante nos convida a esquecer.

Ainda mais inegável que o imenso sucesso da física, é a evidência de que existimos. Este é o facto mais extraordinário de todos os instantes da nossa vida. A consciência e os órgãos sensoriais constituem um pré-requisito para a física, e não o inverso. Todas as leis conhecidas não são mais que “aproximações” (caso contrário a ciência não poderia avançar), o que demonstra que são fruto do pensamento e da percepção, e não o seu fundamento, explicação ou causa final. Para o filósofo David Chalmers, o “problema difícil da consciência” consiste em elucidar cientificamente a experiência direta e fenomenologicamente qualitativa – a percepção dos qualia. A contemplação do azul do céu ou do mar não se define pelo “teatro cartesiano” de Daniel Dennett (para quem a consciência é mera ilusão), com homúnculos dentro de homúnculos numa regressão infinita. Assistir ao nascer do sol não é só uma experiência visual, mas um intrincado campo estético de significados e interpretações muito além da imagem mental e correspondentes padrões neuronais que o cérebro eventualmente utilize como representação dessa imagem.

Computabilidade

Em 1949, num texto intitulado Será que os electrões pensam?, Erwin Schrödinger atualizou, à luz da física contemporânea, um antiquíssimo dilema da filosofia ocidental: “Será que os nossos corpos e os corpos dos animais são máquinas que agem por necessidade, de acordo com a sua constituição material e sobre a influencia material do ambiente, incluindo as impressões nos órgãos sensoriais?”. Resumindo, será que somos autómatos? Na Grécia antiga, este problema opôs Leucipo a Lucrécio, entre outros. Para Leucipo, o primeiro físico atómico, nada acontece sem uma causa: tudo decorre da necessidade de alguma razão anterior. O mundo deve pois ser concebido como uma cadeia infinita e estritamente determinista de causas e efeitos. Inversamente, ao introduzir o conceito de clinamen, Epicuro e Lucrécio argumentaram que os átomos estão irredutivelmente sujeitos a um princípio de incerteza: numa pequena janela do espaço e do tempo, os seus movimentos são imprevisíveis, ou seja, essencialmente não-mecanicistas, o que em última análise justifica o livre-arbítrio de todos os seres vivos.

Atualmente, considerar o universo e tudo o que ele contém como um computador universal é o dogma essencial da visão científica do mundo. Este paradigma advém do facto de que todas as leis científicas atuais são computáveis, com notável precisão no domínio da física. Isto significa que o comportamento de buracos negros, galáxias, planetas e todos os objetos do mundo macroscópico (incluindo os do quotidiano) obedecem, aparentemente, ao mais estrito determinismo. E o mesmo sucede no mundo subatómico, apesar das constantes confusões quanto à natureza da mecânica quântica: o facto de tornar a realidade probabilística não a torna menos determinista, como se pode constatar na famosa equação de Schrödinger. Como bem alertou David Hume a verdadeira indeterminação nada tem a ver com probabilidades, que são em si mesmas exatas: ao atirar uma moeda dez mil vezes ao ar, está determinado pela lei dos grandes números que aproximadamente metade sairá cara e metade sairá coroa. Inversamente, a verdadeira indeterminação depende de um conhecimento que é intrinsecamente impreciso.

Se tudo funciona como uma máquina e depende dum algoritmo, desde gigantescos clusters de galáxias até às partículas mais elementares, inimaginavelmente pequenas, como pode a vida ou a consciência ter a pretensão ao livre-arbítrio? O facto é que a consciência permanece inexplicada cientificamente, apesar de confinada ao seu último reduto – o cérebro – que é frequentemente apresentado como o “objecto mais complexo jamais encontrado no universo”, contendo tantos neurónios como o número de estrelas na via láctea. A mente humana inventou o computador, mais ainda não inventou um computador capaz de inventar a mente humana.

Assim surge a neurociência computacional, que reconhece desde logo que todo o mundo exterior, tal como se apresenta à nossa consciência, nada mais é que um produto do cérebro, e não uma realidade “objectiva” (pois a essa só a ciência teria acesso). O cérebro nada vê e nada ouve, permanecendo em escuridão total e silêncio absoluto dentro do crânio. Os sinais captados pelos órgãos sensoriais são convertidos em sinais electroquímicos a ser interpretados pelo cérebro, e é com base nestes sinais que é construída, no interior do cérebro, uma representação mental, ou modelo, do mundo. Na realidade material e objectiva não existem sons, cores ou cheiros. Todas essas percepções são construções mentais e ilusórias, pois não há nada na definição física de uma onda de pressão acústica que a torne audível, nem nada numa onda electromagnética que a torne visível.

Tal como argumenta Rupert Sheldrake, aceitar a concepção científica atual significa aceitar que o nosso verdadeiro crânio se encontra para lá do horizonte, além do céu e das estrelas, tal como se apresentam aos nossos olhos. Se toda a nossa percepção é nada mais que um modelo do mundo construído pelo cérebro e que se encontra no seu interior, então as imagens de montanhas ou estrelas distantes que observamos estão dentro da nossa cabeça, o que significa que o nosso verdadeiro crânio está espacialmente mais distante do que todas as imagens que possamos observar. Esta conclusão está em profunda contradição com as percepções provenientes dos órgãos sensoriais, mas o paradoxo é rapidamente ignorado denunciando a ilusão da percepção e da consciência face à “verdade” científica e objectiva.

Residualmente, encontramos dissidentes de peso no interior da própria ciência no que se refere à computabilidade da mente. Para George Cantor, por exemplo, que abriu à humanidade as portas científicas do infinito, a essência da matemática reside na sua liberdade. De forma análoga, o argumento de Lucas-Penrose sobre o teorema de Gödel pretende demonstrar que a mente humana não é uma máquina de Turing, ou seja, não é um computador, pelo menos no que se refere à compreensão da matemática. Não se trata de negar que existam de facto aspectos computáveis na mente, mas de os situar sobretudo no lado inconsciente da psique. São os processos que permitem a compreensão das coisas, a percepção ou em última análise a consciência, que aparecem como não-computáveis ou não-algorítmicos.

Parafraseando William James podemos afirmar que quem acredita no determinismo absoluto não tem razões para defender os seus argumentos, pois tudo aquilo que faz ou diz está completamente pré-determinado. Para quê exercer uma escolha quando não existe, na verdade, liberdade de escolha? Porquê defender uma ideia se a liberdade de pensamento não é autêntica?

Desde Galileu e Newton, as aspirações da ciência retrocederam da tentativa de inteligibilidade do mundo para a inteligibilidade das explicações teóricas do mundo. Quando Newton se apercebeu que ao mover a sua mão deveria estar a mover a Lua, invocando que uma força misteriosa (a gravidade) produzia uma “ação à distância” instantânea – e portanto totalmente contraintuitiva, deve ter sentido a mesma incompreensão que Einstein, ao considerar o “entrelaçamento quântico” e as suas propriedade não-locais, que o levaram a apelidar o fenómeno de “spooky action at a distance”.

O culminar deste retrocesso expressa-se num fundamentalismo que inclui Feynmann ou Richard Dawkins, entre muitos outros, quando nos querem fazer querer que o essencial são os números, ou seja, a confirmação com a maior precisão possível entre as fórmulas matemáticas e as experiências científicas. Toda a interpretação subsecutiva é supérflua, fora do domínio da física e portanto da realidade, devendo ser relegada para a filosofia ou qualquer outra das ciências humanas “não exatas”. Não se trata de forma alguma de uma visão neo-pitagórica, pois para Pitágoras a natureza matemática da realidade implicava a congregação de perspectivas tanto científicas como místicas, incluindo o sentido estético na ordem de todas as coisas – a harmonia das esferas.

O ser humano não é apenas homo sapiens (racionalidade), mas também homo demens (loucura) e homo ludens (jogo), homo faber (criação/produção), homo economicus (interessado unicamente no lucro) e assim por diante. Se, por um lado, a superespecialização/fragmentação do conhecimento constitui uma das grandes tragédias da era atual, por outro, a redução absoluta de todas as ciências à física é um credo que não possui qualquer base científica sólida, sobretudo devido ao problema do tempo. Além de serem completamente computáveis e deterministas, as leis da física desde Newton a Einstein ignoram que o tempo é direcional, com notável exceção da segunda lei da termodinâmica: todas as leis são reversíveis no tempo. No entanto, tanto a cosmologia como a biologia ou até a sociologia e a antropologia são ciências evolutivas. Negar a veracidade do fluir temporal é negar um dos factos mais incontestáveis da vida de um ser humano e da sua observação direta do funcionamento do mundo. O aparecimento e desenvolvimento da vida na terra e de todas civilizações, a experiência individual e até a organização dos sons em música, são processos irreversíveis, cuja reversibilidade temporal levanta imediatamente os mais absurdos paradoxos.

Apesar de ninguém ainda ter descoberto como passar da química à bioquímica, ou seja, como replicar a origem da vida, acredita-se que a biologia seja redutível à física. Apesar do fenómeno da consciência permanecer um absoluto mistério, acredita-se que a psicologia seja redutível à biologia, e consequentemente à física. No entanto, aplicando o princípio denominado como a Navalha de Occam, parece muito mais lógico e provável que a física se veja obrigada no futuro a incorporar a direção temporal no âmago das suas equações, do que a biologia ser obrigada a fazer da teoria da evolução de Darwin um processo reversível, ou que a psicologia, a história, a sociologia, a antropologia, ou a filosofia concluam que o tempo é circular e reversível, e que não há qualquer diferença entre o passado e o futuro. Um dos cientistas mais relevantes nesta mudança de paradigma, tanto na física como na química, foi Ilya Prigogine, para quem a ilusão da reversibilidade do tempo advém de um foco quase exclusivo nos fenómenos em equilíbrio, como o movimento de um pêndulo ou as órbitas dos planetas em torno do sol. Longe do equilíbrio, através de “estruturas dissipativas”, uma nova ordem emerge do caos. Trata-se de uma autêntica “segunda revolução copernicana” da qual, infelizmente, apenas uma minoria da comunidade científica se apercebeu.

Ao refletir sobre a habitual metáfora espacial entre mundo interior (ou mental) e exterior (físico), o filósofo Alfred North Whitehead concluiu tratar-se de um erro. Numa perspectiva não distante de Bergson, Whitehead defendia que a metáfora não deveria ser espacial, mas temporal. Fundamentalmente, os eventos do espaço-tempo envolvem durações, e não instantes. Situada no limite-“futuro” da duração de um evento, a mente apresenta-se como um conjunto de possibilidades irrealizadas (e não irrealizáveis), atuando na realidade através de processo retro-causal, ou seja, onde o futuro influencia o passado. Situada no limite-“passado” da duração de um evento, a matéria está sujeita às habituais leis causais e deterministas, onde o passado determina o futuro.

O determinismo, em física, apoia-se pois na negação do tempo. Já em biologia, como esta perspectiva é indefensável face à teoria da evolução darwiniana, a hipótese mecanicista da natureza e da vida manifesta-se na presente hegemonia da genética e da biologia molecular. Parafraseando o biólogo evolutivo Richard Dawkins, os seres vivos são nada mais que algoritmos que se copiam a si próprios, existindo acima de tudo em função da imortalidade dos seus genes. Um elefante é no essencial uma máquina de auto-replicação, que apenas incidentalmente produz as características que o distinguem de todos os outros organismos vivos, conhecidas como “elefante”. A descoberta do código genético, ou seja, das bases materiais da hereditariedade, foi extraordinária por provar a estreita relação entre todos os seres vivos no planeta terra, mas deixa-nos na completa escuridão quanto à unicidade de cada experiência e de cada forma de existência. Diferenças quase infinitesimais no ADN correspondem claramente a mundos psíquicos absolutamente díspares.

Já no séc XXI, certos resultados da neurofisiologia foram apresentados como provas irrefutáveis do determinismo absoluto. Segundo as experiências realizadas, os centros motores do cérebro humano são ativados antes da vontade de pegar num objeto. Por exemplo: antes de um ser humano decidir pegar num copo de água, foi detectada atividade no córtex motor. Apesar de todo o alarido, esta experiência nada prova, pois durante todo o dia caminhamos e movemo-nos pelo mundo sem que o pensamento consciente determine a ação de cada um dos músculos. E mesmo que todas as nossas decisões já tenham sido realmente tomadas no inconsciente antes de aflorar à consciência, isso não prova que sejam intrinsecamente computáveis, ou algorítmicas.

A ilusão da computabilidade nasceu num mundo onde vivemos rodeados de máquinas, algoritmos e automatismos, frequentemente classificados como “inteligência artificial”. O futuro será sem dúvida biotecnológico, mas não será com o conhecimento ou a visão científica atual que construiremos máquinas capazes de pensar, sentir ou agir como um ser vivo.

É indubitavelmente extraordinário que se tenha construído o CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) – o instrumento científico mais caro jamais inventado pela humanidade, onde se testam os limites da matéria e da energia – ou que se tenham investido muitos milhões no PGH (Projeto Genoma Humano), que procura sequenciar, um a um, todos os genes que codificam as proteínas do corpo humano. Mas pense-se nos potenciais efeitos que um orçamento desta envergadura teria se utilizado nos denominados “estudos da consciência”, incluindo os seus diversos ramos, hipóteses e previsões. (exemplo: a teoria Orch-OR de Roger Penrose e Stuart Hameroff).

Um dos exemplos clássicos do obscurantismo vigente foi a proibição, durante mais de cinquenta anos, de estudar cientificamente uma droga como o LSD, que nos anos 50 e início de 60 provocou uma revolução na psicologia e psiquiatria comparável à “divisão do átomo” em física, como atesta a literatura científica da altura. Por exemplo, um tratamento com LSD demonstrou ser igual ou melhor que todos os métodos da medicina atual na cura do alcoolismo grave, conseguindo resultados imediatos após uma única utilização. É inconcebível a passividade e conivência dos cientistas de todas as áreas quanto a este obscurantismo, pois significa que aceitam que determinados “estados da matéria” – alguns dos quais emergem naturalmente, sem intervenção humana, e outros são até produzidos pelo próprio corpo humano – estão fora do âmbito da ciência porque o direito e a jurisprudência dos estados assim o determina.

JonasImage7

Figura 1: Comparação das conexões entre as áreas do cérebro, no caso de um placebo e sob o efeito da psilocibina

( Petri et al. J.R. Soc. Interface 11: 20140873 http://dx.doi.org/10.1098/rsif.2014.0873 )

A anestesia, os “estados alterados” de consciência (provocados tanto por substâncias químicas como pela música) são, potencialmente, territórios privilegiados no estudo da psique e das suas dimensões não-algorítmicas. A imagem acima representa os resultados de um estudo publicado em 2014 por Petri, Expert, Turkheimer, Carhart-Haris, Nutt, Helllyer e Vaccarino onde se demonstra que a psilocibina – o princípio ativo contido nos cogumelos mágicos – provoca nos padrões cerebrais funcionais um enorme aumento quanto à conectividade de diferentes áreas, através da emergência de muitas estruturas transientes de baixa estabilidade, e algumas mais persistentes: todas elas completamente novas relativamente ao funcionamento normal do cérebro. Foi a primeira vez na história da neurociência que se estudou as reações cerebrais a um alucinogénio.

Biologia quântica

Numa visão conservadora da biologia, a vida deve resumir-se às leis da física clássica, uma vez que: 1) a relatividade de Einstein só se aplica nos casos em que a massa é muito grande ou a velocidade muito elevada. 2) os seres vivos são demasiados “quentes, confusos e ruidosos” para que qualquer processo de “coerência quântica” possa emergir a nível macroscópico.

No entanto, já em 1944 Erwin Schrödinger havia sugerido no seu livro O que é a Vida?, que certos processos da física quântica poderiam desempenhar um papel fundamental nos organismos biológicos, particularmente nos que se referia às bases materiais da hereditariedade. Um dos seus argumentos era que a precisão astronómica da hereditariedade não seria fácil de explicar usando apenas a física clássica. Profetizava assim, corajosamente, o nascimento da biologia quântica. Mais de setenta anos depois de Schrödinger, o cientista Johnjoe McFadden resumiu desta forma alguns dos aspectos da biologia quântica atual:

  • Magnetorecepção em pássaros (candidato principal)
  • Ação de enzimas (confirmado no fim da década de 1980)
  • Fotossíntese (confirmado e solidamente estabelecido)
  • A percepção olfativa (especulativo)
  • Mutações no ADN (questão em aberto)
  • Conexões com o cancro
  • Conexões com a origem da vida (muito especulativas)
  • Conexões com a natureza da consciência

Em primeiro lugar convém recordar que, ao contrário do que acreditam alguns biólogos quânticos, o mundo não se reduz à mecânica quântica, pois ela é auto-contraditória e incompatível com a relatividade geral de Einstein. Só poderemos afirmar que toda a matéria é realmente composta de ondas e partículas quânticas quando essa visão for coerente com as observações do mundo “clássico” e macroscópico.

Em segundo lugar convém lembrar, para além do já mencionado “paradoxo da medição”, alguns dos aspectos mais estranhos ou contraintuitivos da teoria quântica (quando comparados com o “senso comum”) mas que provaram cientificamente ter influência em organismos biológicos:

  • Dualidade onda/partícula (e Princípio da Incerteza)
  • Efeito túnel (ou tunelamento quântico)
  • Não-localidade e Entrelaçamento: conexão imediata ou instantânea entre partículas a grandes distâncias.

Concretamente, desde 2006 começou a estudar-se a fotossíntese em plantas, concluindo-se que depois de absorver um fotão de luz, este é convertido numa onda, o que permite alcançar o centro reacional fotossintético mais eficientemente. Se não fosse uma onda, mas uma partícula, o fotão perderia a energia antes de atingir o centro reacional, e nunca poderia dar origem a hidratos de carbono.

Também o tunelamento quântico parece estar demonstrado para o caso da ação de enzimas, particularmente no que se refere a electrões. Sem enzimas, o metabolismo dos seres vivos seria impossível, o que significa que se o tunelamento quântico é importante para as enzimas então ele é absolutamente essencial para a vida. Tunelamento quântico significa que, devido à incerteza inerente à posição e momento de uma partícula, ela possa atravessar barreiras aparentemente inultrapassáveis, como se um ser humano fosse capaz de atravessar paredes ou portas. Apesar de contraintuitivo, é este fenómeno que permite que o Sol brilhe, caso contrário os fotões estariam aprisionados no seu interior, e não poderiam escapar para o espaço sideral. O facto que o sol brilha é um dos poucos fenómenos macroscópicos conhecidos (para além da vida), onde propriedades da mundo quântico são diretamente responsáveis por aquilo que se observa no mundo “clássico”.

Quanto aos efeitos de não-localidade e entrelaçamento, é plausível que existam, por exemplo, nos olhos dos pássaros, auxiliando a constituição de bússolas magnéticas que permitem a detecção do campo magnético do planeta. Esse “órgão sensorial” parece ser fundamental para compreender as fabulosas migrações de muitas aves, e seria inexplicável sem algum tipo de entrelaçamento quântico.

Em qualquer dos casos, o argumento que defende que nos organismos biológicos não pode existir nenhuma coerência quântica, por seres demasiado “quentes, confusos e ruidosos” está definitivamente afastado. Apesar dos seres humanos apenas terem conseguido construir computadores quânticos a temperaturas perto do zero, a evolução darwiniana teve muitos milhões de anos para explorar estes processos. Nomeadamente, encontram-se na fotossíntese que ocorre no interior de árvores e plantas de todo o planeta, a temperaturas perfeitamente vulgares para a superfície terrestre.

O que imediatamente se destaca é que, ao contrário da quase totalidade dos fenómenos macroscópicos da matéria “inerte” e “inanimada” que nos rodeia, a vida possui raízes que se estendem até ao nível quântico. As consequências desta observação extraordinária estão ainda na sua infância, mas o que é indubitável é que a biologia necessita efetivamente da física quântica.

As conexões entre a consciência e a mecânica quântica permanecem altamente especulativas, sendo um dos melhores candidatos a já mencionada teoria Orch-OR de Roger Penrose e Stuart Hameroff. (Orch-OR: Orchestrated Objective-Reduction). Nesta teoria, o “colapso da função de onda”, ou a “redução de estado” (que deu origem à “interpretação de Copenhaga” e “dos muitos mundos”, entre outras), é compreendida como a causa de elementos de “proto-consciência”. Uma sobreposição de estados – por exemplo, a sobreposição espacial de uma partícula – não significa a abertura de uma caixa de pandora de onde saltam universos, pois essa sobreposição possui teoricamente um tempo finito de decaimento, que é espontâneo. Para uma molécula comum, esse tempo é tão longo, que não é observável, enquanto que numa pedra é quase instantâneo. Trata-se mais de uma tentativa de integrar a relatividade de Einstein na mecânica quântica do que o inverso: alterar por completo a relatividade para que obedeça às leis da física quântica, como nas teorias de gravidade quântica. A “redução do estado” é objectiva (OR: objective reduction), no sentido em que é espontânea, e portanto não existe, como pensam muitos físicos, apenas na “mente subjetiva” dum observador. Quando estes elementos de “proto-consciência” são organizados ou “orquestrados” no cérebro (Orch-OR: Orchestrated OR), a consciência emerge. A convicção fundamental é que os elementos “proto-conscientes” são processos não-algorítmicos, não-computáveis ou não-mecanicistas, escapando portanto a todas as leis conhecidas da física.

Os fundamentos físicos da teoria provêm de Penrose, enquanto que as estruturas biológicas onde o processo de “orquestração” poderia ocorrer foram propostas por Hameroff. Para este cientista, é um erro tentar descrever a consciência ao nível de neurónios e sinapses, precisamente porque as transmissões sinápticas são demasiado grandes para o mundo quântico. Assim, Hameroff propôs que seriam os microtúbulos existentes no interior dos neurónios os “computadores quânticos” necessários ao processo de “redução objectiva” (OR). Uma das frequências ressonantes dos microtúbulos situa-se na zona dos ultrassons (mega hertz), que já demonstraram já ter efeitos no cérebro dos animais, electrofisiologicamente e em termos de comportamento. Hameroff acredita que os ultrassons fazem vibrar os microtúbulos, tornando-os mais ativos, com consequências para neurónios individuais enquanto desenvolvem axões e dendrites. Ao testar os possíveis efeitos de ultrassons transcranianos na consciência, Hameroff concluiu que uma exposição a um som de 8 MHz durante 15 s produz uma melhoria da disposição ou estado de espírito durante 40 minutos, quando comparado com um placebo.

Enquanto anestesista, Hameroff argumenta ainda que uma das pistas da consciência são ondas cerebrais de 40 hz, uma vez que essa frequência é removida perante todo e qualquer anestésico. Numa proposta recente, Penrose argumenta que estes 40 hz podem ser batimentos de frequências mais elevadas, o que sugere uma intrigante coerência entre a consciência, o som e a música.

Biomúsica e Biomusicologia

Para o cientista Anirban Bandyopadhyay, a consciência é nada mais que uma manifestação da “música da natureza”, resultando duma rede de vibrações que governam o interior de todos organismos vivos. Numa conferencia intitulada “Onde existe a música?”, Bandyopadhyay argumenta que “o universo é um fractal autossimilar não na forma, mas na informação (temporal), sendo a consciência a sua música”.

Para que possamos ouvir um som entre os 20 e os 20000 hertz, os neurónios do nosso cérebro necessitam de operar a velocidades superiores (na ordem dos kilohertz , ou milissegundos). Mas para que isso aconteça são disparadas proteínas no interior de cada neurónio em frequências ainda maiores (na ordem dos megahertz, ou microssegundos). E cada proteína depende internamente de centenas de interruptores e outros processos ainda mais velozes (na ordem dos gigahertz, ou nanossegundos). Teoricamente, esta linha de pensamento poderia ser estendida até ao limite entre o mundo “clássico” e o mundo quântico. Para que a percepção ocorra, o fundamental é que estes relógios recursivamente interiores a outros relógios (e.g. o relógio dos neurónios, o “relógio das proteínas; etc”) estejam todos sincronizados. Existe um ritmo dentro de um ritmo dentro de um ritmo…

Bandyopadhyay, que comprovou a existência de frequências de ressonância nos microtúbulos (o que coerente alácticos: cerca de 20 anos gal percorrer uma orbita em torno do centro da gal se encontram sincronizados com o ritmoé coerente com a teoria de Penrose e Hameroff), recorda ainda inúmeros outros ciclos do corpo humano: (e.g. 14 dias: as células da pele são substituídas; 17 meses: um novo rim; 2 anos: ossos novos; 50 anos: 50% das células do coração são substituídas). Todos estas durações são orquestradas com a maior precisão, tal como numa peça musical. A nível externo encontramos o ritmo circadiano (~ 24 horas), que é a base do ciclo biológico de quase todos os seres vivos, comprovando inequivocamente que os ritmos internos da vida se encontram sincronizados com os ritmos do planeta e do sistema solar, que por sua vez dependem dos ritmos da galáxia, etc. (um ano galáctico é o tempo que o sistema solar leva a percorrer uma orbita em torno do centro da galáxia; o sistema solar tem cerca de 20 anos galácticos, e a via láctea perto de 54). É neste sentido que Bandyopadhyay apresenta uma teoria fractal do tempo, (eleito o elemento mais estrutural da consciência e da percepção), e elimina o determinismo mecanicista – uma vez se estende às fronteiras desconhecidas entre o mundo clássico e o mundo quântico.

No tradicional dualismo cartesiano, matéria e pensamento são absolutamente distintos (res extensa / res cogitans), o que corresponde, na música, à distinção entre “som científico” (que obedece às leis da acústica mecanicista e é completamente inaudível, pois não supõe um observador ou um tipo de escuta), e “som enquanto percepção” (abordado pela psicoacústica). Quando um som é produzido sem que exista por perto um sistema auditivo capaz de o percepcionar, tudo se resumiria ao “som científico”, permitindo concluir que a natureza seria, em si mesma, silenciosa.

No entanto, existe pelo menos um elemento (o tempo), que pertence tanto ao mundo da ciência como ao da percepção, unificando “som enquanto onda de pressão acústica” e “som enquanto qualia”. Como defende K. Stockhausen, toda a música consiste em relações temporais, e as áreas da percepção sonora (timbre, altura, ritmo ou forma) correspondem simplesmente a escalas temporais diferentes. Concorrentemente, não são os sons que existem no tempo, mas é o tempo que nasce e existe em cada som. Fazendo um paralelo com a biologia, verificamos que todos os ritmos internos não são mais que relações temporais. Se os átomos que nos constituem se vão renovando, então não devemos pensar a vida como a matéria de que somos feitos, mas como uma onda que percorre o nosso corpo, fazendo vibrar todas as estruturas, dos ossos às proteínas, e assim organizando um intrincado e recursivo sistema de ritmos dentro de outros ritmos.

O som existe em todas as escalas, desde o murmúrio quase inaudível dos átomos, até ao grito longínquo de clusters de galáxias. Recentemente, foi descoberto que até o espaço sideral em si não é silencioso. Por exemplo, quando dois buracos negros colidem e se juntam, a quantidade de energia é tal que o próprio espaço-tempo “ressoa como um tambor”, como afirma a astrofísica Janna Levin. Não podemos ver um buraco negro, mas podemos ouvi-lo. As denominadas “ondas gravitacionais”, previstas pela teoria da relatividade geral de Einstein em 1916 e confirmadas em 2016 pelas equipas LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) e VIRGO, representam um novo “órgão sensorial” – à escuta de sons nunca antes navegados.

Subordinada à visão computacional, a neurociência cognitiva da música estuda, sobretudo ao nível dos neurónios e sinapses, os mecanismos cerebrais subjacentes à audição, performance ou composição musical. A audição envolve redes neuronais em grande escala: córtex pré-frontal, córtex motor, córtex auditivo, córtex visual, cerebelo, hipocampo, amígdala, núcleo accumbens, corpo caloso, sistema nervoso autónomo, sistema vestibular e sistema nervoso entérico, etc. Em suma, ativa a totalidade do cérebro. Mas o que se passa no interior de cada um dos 86 mil milhões de neurónios?

Para David Bohm, a “ordem implícita” seria uma ponte comum entre pensamento e matéria, dependente dum universo visto como um todo indivisível, ou seja, que não pode ser analisado em componentes que interagem e existem separadamente. Bohm alerta para aquilo que une as duas teorias físicas principais (relatividade e mecânica quântica), nomeadamente, os aspectos reveladores do holismo ou totalidade do universo: Em Einstein: 1) a relatividade dos conceitos de espaço e tempo; 2) a existência de um “campo universal”, dinâmico, num constante fluir – o campo gravitacional. Na mecânica quântica, para além da não-localidade e do entrelaçamento, o fundamental é que um processo quântico é indivisível enquanto tal: não pode ser dividido sem deixar de ser aquilo que é.

No extremo oposto, Steven Pinker classificou a música como “cheesecake” auditivo, o que significa que não lhe atribui nenhum papel na evolução biológica da humanidade, (e muito menos de outras espécies), sendo apenas um subproduto da evolução. Pinker argumenta que a música apenas surgiu depois da linguagem, o que parece profundamente contraditório com todas expressões sonoras do mundo animal, muitas das quais permanecem inexplicadas sob os pontos de vista da comunicação (estudos etológicos), ou da natureza acústica (estudos anatómicos e psicológicos).

Será que todos os sons que ouvimos existem apenas na nossa mente, no interior do cérebro? Ou será que o “som como percepção” se encontra no limite entre a consciência e a imaginação? Entre uma consciência que sonha com o mundo inteiro e um mundo que sonha uma consciência?

Bibliografia e Webliografia

* Bandyopadhyay, A. Where does music exist? 2014 <https://www.youtube.com/watch?v=N5_fhlEmJI8>

* Bohm, D. Wholeness and the Implicate Order. Routledge 2002

* Hameroff, S., Penrose, R.; Consciousness in the universe: a review of the “Orch OR” theory. Physics of Life Reviews, 2014

* McFadden, J. Does Biology Need Quantum Mechanics? 2014 < https://www.youtube.com/watch?v=6jWNohihsMk>

* Levin, J. Black Hole Blues and Other songs from Outer Space. Knopf 2016

* Penrose, R. The Emperor’s New Mind: Concerning Computers, Minds, and the Laws of Physics. Oxford University Press, 2002

* Petri et al. Homological scaffolds of brain function networks. Journal of the Royal Society Interface, 2014

* Russell, B. A History of Western Philosophy. Simon & Schuster/Touchstone. 1967

* Schrödinger, E. What is life? Cambridge University Press. 2012

* Schrödinger, E. Do Electrons Think? 1949 <https://fedora.phaidra.univie.ac.at/fedora/get/o:168238/bdef:Asset/view>

.

*João Manuel Marques Carrilho (Jonas Runa), é compositor/improvisador, investigador e musicólogo. Doutorado em Ciência e Tecnologia das Artes, na Universidade Católica Portuguesa, com a tese “Estéticas da Música Informática: Energia Musical Irrealizada”.

jonasruna@gmail.com

.

.

Sound at the edge of consciousness:

biomusicology and quantum biology

by Jonas Runa*

Materialism and Objectivity

The dominant scientific view considers consciousness as a “state of matter”. Just like solids, liquids or gases are just different ways of organizing the atoms, consciousness is taken as an emergent property resulting from particularly complex combinations of molecules. The solidity of a rock is not in any of its elementary constituents, it only emerges from the whole. Similarly, consciousness would only be a fruit of the final truth of all things: nothing more atoms in a void, or quantum vacuum.

Although accepted as a central tenet in the current paradigm, this materialistic reductionism is only a hypothesis. No proponent of this assumption is able to quantify objectively and mathematically from which degree of complexity of matter does life emerge, or from which degree of complexity of life does consciousness emerge. An alternative hypothesis, perfectly plausible scientifically, is that some kind of “proto-consciousness” constitutes one of the fundamental elements of the universe, as the geometry of space-time, mass – through the Higgs field – or energy. (Example: Orch-OR theory, proposed by Roger Penrose and Stuart Hameroff).

As Bertrand Russell said, we must be prepared to consider as “matter” what physics defines as such, and be even willing to abandon this concept if it proves inadequate. In fact, the physics of the 20th century provided us two incompatible visions of the problem: 1) In the “classical” world, governed by Einstein’s relativity, everything is a field, and mass is simply a region of great concentration of a field. 2) In quantum mechanics, which contradicts itself in the so-called “measurement paradox,” matter and its elementary particles have an intrinsic duality: they are both waves and particles.

If the physical and chemical processes that occur within living organisms are the same as those that occur in the external environment, then the phenomenon of consciousness could lead to a new physics, beyond the border of current knowledge – in the enigmatic boundaries between relativity and quantum mechanics – as it remains unexplained by the two known theories. One of the most common arguments of dogmatic materialists is that it is illogical to relate quantum mechanics and consciousness simply because they are both mysterious and paradoxical. But it is precisely as materialists that they should be the first to recognize that there must be some kind of physical principle (potentially unknown) in action, appealing to the possibility of opening a new area of physics.

Another of the great pillars of the scientific revolution was a clear distinction between the observer and the observed. The classic example can be found in the philosophy of Descartes, where the distinction between subject and object is manifested in the dualism between thought (the essence of the mind) and spatial extent (the essence of matter). Thus was eliminated, apparently, any subjectivity, and finally spun modern science as the study of the external material and “absolutely objective” world. But it was ironically in what is described as the most precise theory ever made by mankind, i.e. quantum mechanics, that the problem between observer and observed emerged in a more paradoxical way: the famous Schrödinger’s cat (in “quantum entanglement” with a subatomic particle upon which depends his life), can not be simultaneously alive and dead, as mathematically predicted. It was to demonstrate the inconsistency of his theory with the reality of facts that Schrödinger popularized his (purely mental) experience of a quantum cat.

It is precisely at this point that quantum physics contradicts itself. Reality behaves differently depending on whether or not it is observed: when it is not observed, matter manifests as waves (which as such can not be confined to a single point in space-time, as they require spatial extent and duration) ; when it is observed, matter behaves like particles. The aforementioned “measurement paradox” simply means: What happens in a measurement in the quantum world? Or, in physics terminology, how does the “wave function collapse”? The answer to this question provided some of the most extraordinary speculation in all of contemporary science.

One of the most famous interpretations of this problem, dubbed the “Copenhagen interpretation”, and popularized in the 1920s by Niels Bohr and W. Heisenberg, states that before a watching reality there is ipso facto a “quantum superposition” of possible states (determined by probabilities) and the observer is the cause of the “collapse of the wave function”. In short, before being observed, Schrödinger’s cat really exist in a “quantum superposition”, alive and dead simultaneously. Einstein, however, refused to believe that the moon ceased to exist when it was not observed, always saying the most incomprehensible is that the universe is in fact understandable.

A more recent interpretation, and more pleasing to materialism, is called the “many-worlds interpretation” (formulated by Hugh Everett) – the foundation of the concept of multiverse. In this perspective, the “wave function collapse” does not exist, and “quantum superposition” is the existence of multiple cats Schrödinger in “parallel” universes – alive in some, and dead in others, according to the probabilities inherent in theory. These parallel universes would be mutually undetectable except through the narrow portal of quantum mechanics, and would of course imply the existence of infinite copies not only of cats but of ourselves, in a kaleidoscopic and inexhaustible variety of experiences, contexts and forms of existence.

According to this perspective, the multiverse would be the next step in a sequence of revolutions: i) To give up the Earth as the center of the universe and the only world; ii) To waive the solar system as the center of the galaxy and the only planetary system; iii) To forego the galaxy at the center of the universe and the only galaxy; iv) To give up the known universe for the sake of the incommensurable universes that make up the multiverse. Thus presented, the argument implies a logical trap, because unlike the other planets of the solar system, other stars or even galaxies, there is not the slightest evidence that there are other universes, and this case remains in the purely the speculative domain, close to what what is known as “hard science fiction”.

If true, the “many-worlds interpretation” would explain the experimental values of “fundamental physical constants” (e.g. the speed of light in vacuum, the gravitational constant, Planck’s constant) and consequently why the universe is “fine tuned”. If there are multiple universes, each can have its own values for the “fundamental physical constants,” and life can only exist in a universe that allows their existence. This cosmological version of the so-called “anthropic principle” is little more than a tautology, and its scientific bases remain largely undetermined. Nothing is added to the old Cartesian dualism, and human beings are placed at the edge of nature, despite clearly being part of it.

The truth is that the “observer” is a real taboo for the vast majority of physicists, although it was revealed as an essential element of the “measurement paradox”, in the “hardest” of all the sciences. The possibility of intervention of any subjectivity in the supposedly immutable “objective laws” of nature is a nightmare for both Western rationalism and to the materialistic reductionism. Therefore, in the “many-worlds interpretation”, the “observer” has no real function, and the “measurement paradox” is solved by postulating a multitude of parallel material realities. Additionally, by postulating endless copies of ourselves, the planet, the sun and all that there is, the theory eliminates surreptitiously all that is unique, special, unrepeatable or subjective.

The electromagnetic spectrum is sometimes referred to as a paradigmatic example of the irrelevance of perception and direct experience of the “observer”. After all, the light detectable by a human being (or any other living thing) is infinitesimal when compared with the vastness of electromagnetic radiation to which science has access, from radio waves to gamma rays. How can awareness play a key role if it is perceptually restricted to a very tiny part of reality? At the opposite pole in this issue, Merleau-Ponty argued that perception can not be undervalued, since it is the foundation of all our understanding and engagement with the world. In his phenomenological thought – which called precisely to a new dialogue between the body and the mind – it fell to art and modern thought the merit of making us rediscover the world of perception, in which we live everyday of our lives but which the dominant scientific view invites us to forget.

Even more undeniable that the huge success of physics, is the evidence that we exist. This is the most extraordinary fact in every moment of our lives. Consciousness and sensory organs are a prerequisite for physics, not the reverse. All known laws are no more than “approximations” (otherwise science could not advance), which shows that they are the result of thought and perception, and not its foundation, explanation or final cause. For the philosopher David Chalmers, the “hard problem of consciousness” is to scientifically elucidate the direct and qualitative phenomenological experience – the perception of qualia. The contemplation of the blue sky or the blue sea is not explained by the “Cartesian theater” of Daniel Dennett (for whom consciousness is mere illusion), with homunculi within homunculi in an infinite regress. Watching the sunrise is not only a visual experience but an intricate aesthetic field of meanings and interpretations, beyond the mental image and corresponding neuronal patterns that the brain possibly uses as representation of that image.

Computability

In 1949, in a text entitled “Do the electrons think ?”, Erwin Schrödinger reviewed, in the light of contemporary physics, an age-old dilemma of Western philosophy: “Are our bodies, and the bodies of animals, machines that act of necessity, according with their material constitution and the material influence of the environment, including the impressions on sensory organs? “. In short, are we automata? In ancient Greece, this issue opposed Leucippus to Lucretius, among others. For Leucippus, the first atomic physicist, nothing happens without a cause: everything has the need for a previous reason. The world should therefore be conceived as an infinite and strictly deterministic chain of causes and effects. Inversely, by introducing the concept of clinamen, Epicurus and Lucretius argued that atoms are irreducibly subject to an uncertainty principle: in a small window of space and time, their movements are unpredictable and essentially non-mechanistic, which ultimately justifies the free will in all living beings.

Currently, to consider the universe and all it contains as a universal computer is the essential dogma of the scientific worldview. This paradigm comes from the fact that all current scientific laws are computable, with remarkable precision in the field of physics. This means that the behavior of black holes, galaxies, planets and all the macroscopic things (including everyday objects) obey, apparently, to a strict determinism. And the same happens in the subatomic world, despite the constant confusion as to the nature of quantum mechanics: To make reality probabilistic does not make it less deterministic, as can be seen in the famous Schrödinger equation. As David Hume wrote, true uncertainty has nothing to do with probabilities, which are themselves exact: the tossing of a coin ten thousand times is determined by the law of large numbers: approximately half face and half crown. Contrariwise, real uncertainty depends on knowledge that is inherently inaccurate.

If everything works like a machine and depends on an algorithm, from massive galaxy clusters to the most elementary, unimaginably small, particles, how can life or consciousness pretend to have free will? The fact is that consciousness remains scientifically unexplained, though confined to its last stronghold – the brain – which is often presented as the “most complex object ever found in the universe,” containing almost as many neurons as the number of stars in the Milky Way. The human mind invented the computer, but has not yet invented a computer capable of inventing the human mind.

Thus arises computational neuroscience, recognizing from the outset that all the outside world, as presented to our consciousness, is nothing more than a product of the brain, and not an “objective” reality (because to this only science would have access) . The brain sees nothing and hears nothing, remaining in complete darkness and absolute silence inside the skull. The signals received by the sensory organs are converted into electrochemical signals to be interpreted by the brain. Based on these signals, a mental representation or model of the world is built inside the brain. In material and objective reality there are no sounds, colors or smells. All these perceptions are mental and illusory constructions, for there is nothing in the physical definition of an acoustic pressure wave that makes it audible, nor anything in an electromagnetic wave that makes it visible.

As Rupert Sheldrake argues, to accept the current scientific view means to accept that our real skull is beyond the horizon, beyond the sky and stars, as they appear to our eyes. If our whole perception is nothing more than a model of the world constructed by the brain, inside the skull, then the images of distant mountains or stars we see are inside our heads, which means that our real skull is spatially farther than all the images that we can observe. This conclusion is in deep contradiction with the perceptions from the sense organs, but the paradox is quickly ignored by denouncing the illusion of perception and consciousness in the face of scientific and objective “truth”.

Residually, dissents can be found within science itself, in relation to the computability of the mind. For George Cantor, who opened the scientific doors of infinity to humanity, the essence of mathematics lies in its freedom. Similarly, the Lucas-Penrose’s argument about Gödel’s theorem is intended to demonstrate that the human mind is not a Turing machine, i.e. it is not a computer, at least in regard to the understanding of mathematics. This is not to deny that there are indeed computable aspects of the mind, but to place those in the unconscious side of the psyche. The processes that allow the understanding of things, perception or ultimately consciousness, appear to be non-computable and non-algorithmic.

Paraphrasing William James, we can argue that those who believe in the absolute determinism have no reason to defend their arguments, because everything they do or say is completely predetermined. Why bother to exercise a choice when there is, in fact, no freedom of choice? Why defend an idea if freedom of thought is not authentic?

Since Galileo and Newton, the aspirations of science receded from an attempt at the world’s intelligibility to the intelligibility of theoretical explanations of the world. When Newton realized that by moving his hand he should be to move the moon, since a mysterious force (gravity) produced an instantaneous “action at a distance”, he must have felt the same misunderstanding that Einstein, when faced with “quantum entanglement” and its nonlocal properties, leding him to dub the phenomenon “spooky action at a distance”.

The culmination of this tendency is expressed in a fundamentalism that includes Feynmann and Richard Dawkins, among many others: they want us to believe that the essential are the numbers, that is, confirmation as accurately as possible between mathematical formulas and scientific experiments. All subsecutive interpretation is superfluous, outside the domain of physics and therefore out of reality, and should be relegated to philosophy or any other of the human sciences. This is not in any way a neo-Pythagorean view, because to Pythagoras the mathematical nature of reality meant the congregation of both scientific as well as mystical interpretations, including the aesthetic sense for the natural order of all things – the harmony of the spheres.

A human being is not only homo sapiens (rationality), but also homo demens (madness), homo ludens (game), homo faber (creation / production), homo economicus (only interested in profit) and so on. If, on the one hand, the super-specialization / fragmentation of knowledge is one of the great tragedies of the current era, on the other, the absolute reduction of all the sciences to physics is a belief that has no solid scientific basis, mainly due to the problem of time . Besides being completely computable and deterministic, the laws of physics from Newton to Einstein ignore that time is directional, with the notable exception of the second law of thermodynamics: all laws are reversible in time. However, cosmology, biology, and even sociology or anthropology are all evolutionary sciences. To deny the veracity of temporal flow is to deny one of the most incontestable facts in the life of a human being and his/hers direct observation of how the world works. The appearance and development of life on earth and of all civilizations, individual experience and even the organization of sounds in music, are irreversible processes whose temporal reversibility immediately raises the most absurd paradoxes.

Although no one has yet discovered how to move from chemistry to biochemistry, thus replicating the origin of life, it is believed that biology is reducible to physics. Despite the fact that consciousness (or awareness) remains an absolute mystery, it is believed that psychology is reducible to biology, and consequently reducible to physics. However, applying the principle referred to as Occam’s Razor, it seems much more logical and probable that physics will be forced to incorporate the temporal direction at the core of it’s equations, than biology be required to make Darwin’s theory of evolution a reversible process, or psychology, history, sociology, anthropology, or philosophy conclude that time is circular and reversible, and that there is no difference between the past and the future. One of the most important scientists in this paradigm shift, both in physics and in chemistry, was Ilya Prigogine, for whom the illusion of time reversibility comes from an almost exclusive focus on phenomena in equilibrium, such as the movement of a pendulum or the orbits of planets around the sun. Far from equilibrium – through “dissipative structures”, a new order emerges from chaos. It is an authentic “second Copernican revolution” which has been, unfortunately, only recognized by a minority of the scientific community.

Reflecting on the usual spatial metaphor between inner (or mental) world and outer (or physical) world, the philosopher Alfred North Whitehead concluded that this is a mistake. Similarly to Bergson, Whitehead argued that the metaphor should not be spatial, but temporal. Fundamentally, the events of spacetime involve durations, not moments. Situated in “end-limit” (future) of the duration of an event, the mind is presented as a set of unrealized possibilities, acting through retro-causal process, where the future influences the past. Situated in “beginning-limit” (past) of the duration of an event, matter is subject to the customary causal and deterministic laws where the past determines the future.

Determinism in physics rests upon the denial of time. But in biology, as this approach is untenable in view of the Darwinian theory of evolution, the mechanistic hypothesis of nature and life is manifested in the present hegemony of genetics and molecular biology. Paraphrasing the evolutionary biologist Richard Dawkins, living beings are nothing but algorithms that copy themselves, existing above all due to the immortality of their genes. An elephant is essentially a self-replicating machine, which only incidentally yields the features that distinguish it from all other living organisms, known as “elephant”. The discovery of the genetic code, i.e., the material basis of heredity, was extraordinary to prove the close relationship between all living beings on the planet earth, but leaves us in complete darkness as to the uniqueness of each experience and each form of existence. Infinitesimal differences in DNA clearly correspond to absolutely disparate psychic worlds.

In the twenty-first century, certain results of neurophysiology were presented as irrefutable proof of absolute determinism. According to the experiments conducted, the motor centers in the human brain are activated before the desire to lift an object. For example, before a human being decides to pick up a glass of water, activity was already detected in the motor cortex. Despite all the fuss, this experience proves nothing, because all day we walk and move in the world without the need for conscious thought to determine the action of each of our muscles. And even if all of our decisions were really unconscious, that would not prove them be intrinsically computable, or algorithmic.

The illusion of computability was born in a world where we live surrounded by machines, algorithms and automated systems, often classified as “artificial intelligence”. The future will undoubtedly be biotechnological, but it will require new knowledge and a new scientific view for us to be able to build machines capable of thought, feeling or acttion, as the living beings we know of today.

It is certainly remarkable that human have built CERN (European Organization for Nuclear Research) – the most expensive scientific instrument ever invented by mankind, where the limits of matter and energy are tested – or that have invested many millions in HGP (Human Genome Project), that seeks to sequence one by one, all genes encoding the proteins of the human body. But think about the potential effects that a budget of this size could archieve if used in so-called “consciousness studies”, including its various branches. (Example: Orch-OR theory of Roger Penrose and Stuart Hameroff).

One of the classic examples of the current obscurantism was the ban, lasting more than fifty years, to study scientifically a drug like LSD, which in the 50’s and early 60’s sparked a revolution in psychology and psychiatry comparable to “splitting of the atom” in physics , as evidenced by the scientific literature of the time. For example, a treatment with LSD proved equal to or better than all methods of current medicine to cure severe alcoholism, obtaining immediate results after a single use. The passivity and connivance of scientists from all areas on this obscurantism is inconceivable, since it means accepting that certain “states of matter” – some of which emerge naturally, without human intervention, and others are even produced by the human body itself – are outside the scope of science because the law and the jurisprudence of the states so determines.

JonasImage7

Figure 1: Comparison of connections between brain areas, in the case of a placebo and under the effect of psilocybin

( Petri et al. J.R. Soc. Interface 11: 20140873 http://dx.doi.org/10.1098/rsif.2014.0873 )

Anesthesia and other “altered states” of consciousness (caused by both chemicals as well as music) are potentially privileged areas in the study of the psyche and its non-algorithmic dimensions. The image above represents the results of a study published in 2014 by Petri, Expert, Turkheimer, Carhart-Haris, Nutt, Helllyer and Vaccarino where it is shown that psilocybin – the active ingredient contained in magic mushrooms – causes in functional brain patterns a huge increase as to the connectivity of different areas, through the emergence of many transient structures of low stability, and some more persistent: all of them completely new to the normal functioning of the brain. It was the first time in the history of neuroscience that brain responses to a hallucinogen were studied.

Quantum Biology

To a conservative view of biology, life should be restricted to the laws of classical physics, since: 1) Einstein’s relativity only applies when mass is very large or speed is very high. 2) living beings are too “warm, wet and noisy” for any “quantum coherence”to emerge at the macroscopic level.

However, already in 1944, Erwin Schrödinger had suggested in his book What is Life ?, that certain quantum physical processes could play a key role in biological organisms, particularly in the material basis of heredity. One of his arguments was that the astronomical precision of heredity would not be easy to explain using nothing but classical physics. He was a courageous prophet of quantum biology. More than seventy years after Schrödinger, the scientist Johnjoe McFadden summarized some of the aspects of the current quantum biology:

1) Magnetoreception in birds                    (leading candidate)

2) enzyme action                                            (confirmed at the end of the 1980s)

3) Photosynthesis                                           (confirmed and firmly established)

4) The olfactory perception                         (speculative)

5) Mutations in DNA                                      (open question)

6) Connections with cancer

7) connections to the origin of life             (very speculative)

8) connections to the nature of consciousness

First it should be recalled that, contrary to what some quantum biologists believe, the world is not reducible to quantum mechanics, because that theory is self-contradictory and incompatible with Einstein’s general relativity. We can only say that all matter is actually made up of quantum waves and quantum particles when this view is consistent with the observations of the “classic” and macroscopic world.

Secondly it should be noted, in addition to the already mentioned “measurement paradox,” some of the strangest or counterintuitive aspects of quantum theory (when compared to “common sense”), but that proved scientifically to have influence on biological organisms:

1) wave / particle duality (and Uncertainty Principle)

2) tunnel effect (or quantum tunneling)

3) Non-locality and Entanglement: immediate or instant connection between particles at arbitrary distances.

Specifically, since 2006, deeper studies of photosynthesis in plants concluded that after a photon of light is absorbed, it is converted into a wave, thus achieving the photosynthetic reaction center more efficiently. If it was not a wave, but a particle, a photon would lose energy before reaching the reaction center, and could never give rise to carbohydrates.

Quantum tunneling appears to be present in the case of the action of enzymes, particularly with respect to electron exchange. Without enzymes, metabolism of living beings would be impossible, which means that if quantum tunneling is important for enzymes, then it is absolutely essential for life. Quantum tunneling means that due to the inherent uncertainty in position and momentum of a particle, it can cross apparently insuperable barriers, as if a human being was able to pass through walls or doors. Although counterintuitive, it is this phenomenon that allows the sun to shine (otherwise the photons were trapped inside, and could not escape into outer space). The fact that the sun shines is one of the few known macroscopic phenomena (apart from life), where properties of the quantum world are directly responsible for what is observed in the classical world.

As to the effects of non-locality and entanglement, it is plausible that there are active, for example, in the eyes of birds, assisting the formation of magnetic compasses – which allow detection of the magnetic field of the earth. These sensory organs seem to be one of the keys to understand the fabulous migrations of many birds, which would be inexplicable without some sort of quantum entanglement.

In any case, the argument that says that in biological organisms there can be no quantum coherence because they are too “hot, wet and noisy” is definitely wrong. Although humans have only been able to build quantum computers at temperatures close to zero, Darwinian evolution had many millions of years to explore these processes. In particular, they exist in photosynthesis, which occurs within trees and plants from all over the planet, at perfectly ordinary temperatures considering the earth’s surface.

What immediately stands out is that, unlike almost all the macroscopic phenomena of inert and inanimate matter around us, life has roots that extend to the quantum level. The consequences of this extraordinary observation are still in its infancy, but what is certain is that biology does need quantum physics.

Connections between consciousness and quantum mechanics remain highly speculative. One of the best candidates is the aforementioned Orch-OR theory by Roger Penrose and Stuart Hameroff. (Orch-OR: Orchestrated Objective Reduction). In this theory, the “collapse of the wave function” or the “state reduction” (which gave rise to the “Copenhagen interpretation” and “many-worlds interpretation”, among others), is understood as the cause of elements of “proto -consciousness”. A state superposition – for example, the spatial overlap of a particle – does not mean opening a pandora’s box from which universes can jump out, because this superposition has a theoretically finite decay time, which is spontaneous. For a common molecule, this time is so long that is not observable, whereas in a stone it is almost instantaneous. This is more an attempt to integrate quantum mechanics in Einstein’s relativity than the reverse: to change relativity to obey the laws of quantum physics, as in the theories of quantum gravity. The “state reduction” is objective (OR: objective reduction), in that it is spontaneous, and thus does not exist only in the “subjective mind” of an observer. When these elements of “proto-consciousness” are organized, or “orchestrated” in the brain (Orch-OR: Orchestrated OR), consciousness emerges. The fundamental belief is that the “proto-conscious” elements are non-algorithmic processes, non-computable or non-mechanistic, escaping therefore to all known laws of physics.

The physics fundamentals of the theory come from Penrose. The biological structures where the process could occur were proposed by Hameroff, for whom it is a mistake to try to describe consciousness at the level of neurons and synapses, precisely because the synaptic transmissions are too large for the quantum world. Thus, Hameroff suggested that the microtubules inside the neurons were the “quantum computers” required for the process “objective reduction” (OR). One of the resonant frequencies of microtubules is located in the area of ultrasound (mega hertz), which has been shown to have effects on animal brain, electrophysiologically, and in terms of behavior. Hameroff believes that ultrasounds make the microtubules vibrate, making them more active, with consequences for individual neurons as they develop axons and dendrites. By testing the possible effect of transcranial ultrasound in consciousness, Hameroff concluded that exposure to an 8 MHz sound for 15 seconds produces an improvement in mood for 40 minutes, when compared to a placebo.

As an anesthesiologist, Hameroff also argues that one of the clues to consciousness is the 40 hz brainwaves, since this frequency is removed with any anesthetic. In a recent proposal, Penrose argues that these 40 hz can be beatings from higher frequencies, which suggests an intriguing coherence between consciousness, sound and music.

Biomusic and Biomusicology

For the scientist Anirban Bandyopadhyay, consciousness is nothing more than a manifestation of the “music of nature”, resulting from a network of vibrations that govern the inside of all living organisms. In a conference entitled “Where does music exist ?” Bandyopadhyay argues that “the universe is a fractal without in shape self-similarity but in information, consciousness is it’s music.”

Before we hear a sound between 20 and 20,000 hertz, the neurons of our brains need to operate at higher speeds (on the order of kilohertz, or milliseconds). But for this to happen, proteins are triggered within each neuron at even higher frequencies (on the order of megahertz, or microseconds). And each protein depends internally on hundreds of switches and other even faster processes (in the order of gigahertz, or nanoseconds). Theoretically, this line of thought could be extended to the limit between the “classic” and the quantum world. For perception to occur, the key is that these inner recursively clocks inside clocks (e.g. the neuron clock, the protein clock, etc.) must all be synchronized. There is a rhythm within a rhythm within a rhythm …

Bandyopadhyay, who proved the existence of resonance frequencies in microtubules (which is consistent with the theory of Penrose and Hameroff), also recalls numerous cycles of the human body: (e.g. 14 days: skin cells are replaced, 17 months: a new kidney; 2 years: new bones; 50 years: 50% of heart cells are replaced). All these durations are orchestrated as accurately as a piece of music. Externally, we find the circadian rhythm (~ 24 hours), which is the basis of the biological cycle of almost all living beings, proving unequivocally that the internal rhythms of life are synchronized with the rhythms of the planet and the solar system, which in turn depend on the galaxy rhythms, and so on. (A galactic year is the time the solar system takes to make one orbit around the center of the galaxy, the solar system has about 20 years galactic, and the Milky Way near 54). Ii is in this sense that Bandyopadhyay presents a fractal theory of time, (elected as structural element of consciousness and perception), and eliminates the mechanistic determinism – because processes extend to the unknown boundaries between the classical and the quantum world.

In the traditional Cartesian dualism, matter and mind are absolutely different ( res extensa / res cogitans), which corresponds, in music, to the distinction between “scientific sound” (which obeys the laws of mechanistic acoustics and is completely inaudible, since it does not suppose an observer or a type of listening), and “sound as perception” (covered by psychoacoustics). When a sound is produced without an auditory system capable of perceiving it, everything would reduce to the “scientific sound”, leading to the conclusion that nature would, in itself, be silent.

However, there is at least one element (time), which belongs both to the world of science and the world of perception, unifying “sound as acoustic pressure waves” and “sound as qualia.” To K. Stockhausen, all music consists of temporal relations, and the areas of sound perception (timbre, pitch, rhythm or form) simply correspond to different time scales. Sounds do not exist in time, it is time that is born and exists in every sound. Drawing a parallel with biology, we find that all our internal rhythms are nothing but temporal relations. If the atoms that constitute us are going to renew, then we should not think of life as the matter we are made of, but as a wave that travels through our body, vibrating all structures, from bones to proteins, and thus organizing an intricate and recursive system of rhythms within other rhythms.

Sound exists at all scales, from the barely audible murmur of atoms, to the distant cry of galaxy clusters. Recently, it was discovered that even the outer space itself is not quiet. For example, when two black holes collide and join, the amount of energy is such that the space-time itself rings, and “resonates like a drum,” as astrophysics Janna Levin says. We can not see a black hole, but we can hear it. These so-called “gravitational waves”, predicted by Einstein’s general theory of relativity in 1916 and confirmed in 2016 by the LIGO team (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) and VIRGO, represent a new “sensory organ” – listening to sounds never before navigated.

Subject to the computational model, the cognitive neuroscience of music is particularly focused at the level of neurons and synapses as the brain mechanisms underlying hearing, performance or musical composition. But hearing alone involves neural networks on a large scale: the prefrontal cortex, motor cortex, auditory cortex, visual cortex, cerebellum, hippocampus, amygdala, nucleus accumbens, corpus callosum, autonomic nervous system, vestibular system and the enteric nervous system, etc. In short, it activates the whole brain. But what goes on inside of each of the 86 billion neurons?

For David Bohm, the “implicate order” is the bridge between mind and matter, depending on a universe which is an indivisible whole – it can not be analyzed in components that interact and exist separately. Bohm discovers what unites the two main physical theories (relativity and quantum mechanics): they are both revealing aspects of holism of the entire universe. In Einstein’s theory: 1) the relativity of the concepts of space and time; 2) the existence of a “universal” dynamic field, in a constant flow – the gravitational field. In quantum mechanics, in addition to non-locality and entanglement, the key is that a quantum process is indivisible as such: it can not be divided without ceasing to be what it is.

At the other end, Steven Pinker described music as auditory “cheesecake”, which means it did not play any major role in the biological evolution of humanity (and even less in other species), and is just a by-product of evolution. Pinker argues that music only came after language, which seems deeply contradictory with all sound expressions of the animal world, many of which remain unexplained only by communication (ethological studies), or their acoustic nature (anatomical and psychological studies).

Do all the sounds we hear exist only in our mind, inside the brain? Or can the “sound as perception” be the boundary between consciousness and imagination? Between a consciousness that dreams of a world, and a world that dreams of a conscience?

Bibliography and Webliography

* Bandyopadhyay, A. Where does music exist? 2014 <https://www.youtube.com/watch?v=N5_fhlEmJI8>

* Bohm, D. Wholeness and the Implicate Order. Routledge 2002

* Hameroff, S., Penrose, R.; Consciousness in the universe: a review of the “Orch OR” theory. Physics of Life Reviews, 2014

* McFadden, J. Does Biology Need Quantum Mechanics? 2014 < https://www.youtube.com/watch?v=6jWNohihsMk>

* Levin, J. Black Hole Blues and Other songs from Outer Space. Knopf 2016

* Penrose, R. The Emperor’s New Mind: Concerning Computers, Minds, and the Laws of Physics. Oxford University Press, 2002

* Petri et al. Homological scaffolds of brain function networks. Journal of the Royal Society Interface, 2014

* Russell, B. A History of Western Philosophy. Simon & Schuster/Touchstone. 1967

* Schrödinger, E. What is life? Cambridge University Press. 2012

* Schrödinger, E. Do Electrons Think? 1949 <https://fedora.phaidra.univie.ac.at/fedora/get/o:168238/bdef:Asset/view>

 *

*João Manuel Marques Carrilho (Jonas Runa). Composer / improviser, researcher and musicologist. PhD in Science and Technology of the Arts at the Portuguese Catholic University, with the thesis “Aesthetics of Music Informatics: Unrealized Musical Energy”.

.

.

Zoomusicologia (VI)

O som como vibração da vida

por Jonas Runa*

.

Instintivamente, tomamos o som como algo adquirido, conhecido, compreendido ou dominado. No entanto, há um mistério no som, um mistério que se interliga aos maiores enigmas que possamos conceber.

É que, paradoxalmente, o som é ao mesmo tempo das coisas mais naturais do mundo e das mais longínquas ou desconhecidas.

Em primeira análise, o som é simples, evidente, intuitivo, e oferece-se ao imediatismo da percepção. Na experiência diária, nada poderia haver de mais natural. O som acompanha-nos toda a vida, ininterrupto desde o nascimento (e mesmo antes) até à morte, enquanto parte integrante e muitas vezes ativa de todas as nossas atividades.

Após uma primeira reflexão, somos imediatamente confrontados com o potencial quase ilimitado do som. É através dele que se decidem as leis de todos os parlamentos e se proclamam as sentenças de todos os tribunais do mundo. É através dele que cada um de nós define a sua identidade, experiencia o prazer e a dor, descobre amizades, ou se envolve no amor. Sucintamente, é por intermédio do som que nos construímos e transformamos todos os dias, e é também através dele que construímos e transformamos continuamente o nosso mundo.

Assim descobrimos, por detrás da clareza e vivacidade do seu imediatismo, a aventura da Vida que, de acordo com Darwin, criou e aperfeiçoou ao longo de quatro biliões de anos o que podemos designar como “estruturas de contacto com a realidade”, ou seja, os órgãos sensoriais. A “percepção do som” foi arrancada ao sonho – a muito custo – pela Vida, e tornada real ao fim de eras infindáveis.

Trata-se duma zona de choque entre a realidade (da qual fazemos parte) e nós mesmos, ou seja, constitui uma fronteira tanto do conhecimento como da imaginação; O som é ao mesmo tempo experiência e expressão da própria Vida.

Mas afinal em que difere o som do resto das percepções que constituem o nosso mundo? O que o distingue é a sua dimensão verdadeiramente cósmica. O som habita em toda a parte: das vibrações dos átomos ao canto longínquo de aglomerados de galáxias. É tão antigo como o universo, e não há local que não conheça os seus ecos.

Ao contrário de tudo o que nos rodeia, o som não é material, mas sim qualquer coisa capaz de se transmitir através da matéria. O som está em todas as coisas. É energia pura, que se movimenta no espaço-tempo, fazendo vibrar sólidos, líquidos, gases ou plasmas.

E como reagiu a Vida? Através da invenção de estruturas capazes de se conectar com esta energia de proporções cósmicas. A Vida espelhou o som como percepção, necessariamente relativa e limitada, mas onde cada ouvido é um microcosmos do macrocosmos exterior.

Mas seremos nós materiais? Uma vez que os átomos que nos constituíram em criança já não estão presentes quando somos adultos, não podemos dizer que somos a matéria do nosso corpo, mas sim um princípio ativo que organiza a matéria, tal como a Música organiza o som.

À velha questão “se uma árvore cair na floresta e não estiver ninguém para ouvir, será que produz som?”, a resposta é : É provável que a árvore ao cair produza uma onda de pressão acústica, mas esse conceito da física é uma representação meramente formal e completamente inaudível.

Se admitirmos outros seres (não humanos) nessa floresta, a Natureza responde-nos que uma fabulosa variedade de escutas detecta de facto a árvore que cai. Todas as percepções serão diferentes entre si, pois cada ser desenvolveu, de acordo com a seleção natural darwiniana, os seus próprios mecanismos de escuta.

O que estará ausente em toda esta multiplicidade sonora será, de facto, o som “humano”, aquele que pensamos conhecer tão bem. Se uma árvore cai na floresta sem que nenhum humano a possa ouvir, a percepção sonora que emerge nas consciências que a escutam é para nós inimaginável, ou do domínio da pura fantasia.

Aparentemente, parecem emergir vários conceitos de som. Por um lado, a onda de pressão acústica de que nos fala o físico, por outro as múltiplas escutas resultantes de longos processos evolutivos. Mas as diversas escutas não são na verdade “conceitos”, são percepções diretas sob as quais qualquer conceptualização é totalmente especulativa. Inversamente, a onda de pressão do físico não pode ser percepcionada, ou seja, é inaudível, e não explica ou pressupõe a existência de um observador, nem de um tipo de escuta.

Sem dúvida que existe uma correlação entre a física do som e as diversas formas de percepção desenvolvidas pela Vida. Mas esta correspondência é muito mais subtil do que se possa supor. Por exemplo, não existe nenhuma necessidade absoluta de fazer corresponder o que percepcionamos como som “grave” com uma onda de baixa frequência, ou o que percepcionamos como som “agudo” com uma onda de alta frequência. Se aquilo que hoje nos parece verde se tornasse azul amanhã, e aquilo que é hoje azul se tornasse verde, as leis da ciência permaneceriam inalteradas, assim como a capacidade da Vida de se reinventar.

Na verdade, a questão é ainda mais vasta do que se possa supor. Não se trata só da possibilidade de inverter as percepções de um único sentido – como percepcionar ondas de baixa frequência como “agudas” e de alta como “graves” – mas até do potencial de interferência ou diálogo entre percepções de diferentes tipos. Falamos pois de sinestesia, o contrário de anestesia. Se a anestesia é a ausência de sensação, a sinestesia será uma percepção aumentada e multifacetada, onde um som nos pode aparecer acompanhado de uma cor, por exemplo.

Em última análise, o “som científico” e o “som como percepção” são diferentes perspectivas do mesmo fenómeno, pois mesmo o conceito científico apenas é aceite porque confirmado constantemente pela experiência, ou seja, através de órgãos sensoriais. A visão ou a audição são pontes diretas com a realidade, mas uma realidade em que apenas existe luz e som. O ser humano não vê nada a não ser luz. Quando afirmamos ver um objecto apenas vemos a luz que é reflectida desse objecto, e nunca o objecto em si. Da mesma forma, não escutamos nada que não seja som. Não ouvimos comboios, pessoas ou ondas do mar. Nunca ouvimos as causas de um som. Em suma, não existe qualquer relação discernível e unívoca entre uma quantidade física e o tipo de percepção que emerge numa consciência capaz de sentir essa quantidade física.

Há um mistério no som, pois está ainda longe de ser completamente racionalizado pela ciência. Há um longo caminho a percorrer para tomar consciência do som, uma consciência sempre limitada pela suas formas próprias de percepcionar o mundo. O “som como percepção” partilha a grande aventura da improbabilidade ilimitada da Vida, da consciência, e até da música (que estando fora do mundo da ciência uma vez que não atua segundo o método científico, é improvável mesmo num mundo com vida inteligente e perfeitamente “racional”).

Sabemos que existem pelo menos 100 biliões de estrelas no universo, mas conhecemos apenas uma – o nosso Sol – que se interliga à Vida. Conhecemos cerca de 10 milhões de espécies no planeta Terra, e é fácil imaginar que a seleção natural darwiniana prosseguisse indefinidamente sem produzir seres humanos. Assim, de acordo com o conhecimento científico atual, a probabilidade da existência de Vida com o nosso tipo de consciência e percepção é efetivamente zero: nós mesmos não deveríamos existir!

De facto, se apenas uma em 100 biliões de maçãs caísse para a Terra, Newton nunca teria formulado a sua lei da gravitação universal, pois a ciência apenas investiga aquilo que pode ser repetido tantas vezes quanto o desejado, e não eventos raros, improváveis, únicos, imprevisíveis ou irrepetíveis, tais como a origem do universo, a origem da Vida, a origem da consciência, da linguagem ou da arte.

A teoria do Big Bang é extraordinária uma vez que nos permite conceber a evolução do universo conhecido desde há 14 biliões de anos, mas deixa-nos na completa ignorância acerca do que aconteceu antes do Big Bang. Analogamente, a teoria de Darwin descreve o desenvolvimento da Vida durante quatro biliões de anos, desde seres extremamente simples até à riqueza, complexidade e biodiversidade que nos rodeia. Mas o neodarwinismo contemporâneo permanece impotente quanto à questão da origem da Vida, ou seja, como passar da química orgânica para as estruturas biológicas.

Como conseguiu Newton formular uma lei “universal”? Através da reversibilidade do tempo, o que significa na verdade a negação da percepção. Se é verdade que há fenómenos cósmicos de uma regularidade impressionante, como a alternância interminável entre a luz do dia e a escuridão da noite, também não é menos verdade que cada nascer do Sol é único, irrepetível nas suas tonalidades de luz e cor. Mas quanto a esta infinita variabilidade, que qualquer um pode experienciar todos os dias, as leis da gravitação universal permanecem silenciosas…

As duas provas científicas do Big Bang são:

1) o facto de que as galáxias parecem estar a afastar-se umas das outras, o que aponta para uma concentração inicial.

2) a Radiação Cósmica de Fundo (Imagem abaixo), que é detectável em todas as direções do espaço interestrelar.

A imagem abaixo, que revela a Radiação Cósmica de Fundo, é uma fotografia do universo com cerca de 380.000 anos.

Variações de cor correspondem a variações de temperatura, que por sua vez correspondem a variações de densidade e pressão. Mas variações de pressão é o que a Física Acústica denomina “som”.

Planck

Figura 1: A Radiação Cósmica de Fundo

Assim, foi o som que organizou a matéria em galáxias e zonas vazias. O Universo rege-se pela música cósmica, tanto à macroescala, como no micromundo, como nos diz a teoria das Supercordas.

*João Manuel Marques Carrilho (Jonas Runa), PhD – jonasruna@gmail.com

.

.

Zoomusicology (VI)

Sound as a vibration of Life

by Jonas Runa*

.

Instinctively, we take sound as something acquired, known, understood or mastered. However, there is a mystery in sound, a mystery that connects to the greatest enigmas that we can conceive.

It so happens that, paradoxically, sound is simultaneously one of the most natural things in the world and one of the most distant or unknown.

At first sight, sound seems simple, clear, intuitive, and it offers itself to the immediacy of perception. In daily experience, nothing could be more natural. Sound accompanies us throughout life, uninterrupted from birth (and even before) until death, as an active part in all our activities.

After an initial reflection, we are immediately confronted with the almost unlimited potential of sound. It is through sound that people decide the laws of all parliaments and proclaim the sentences of all courts in the world. It is through it that each of us defines its identity, experience pleasure and pain, finds friends, or engages in love. In short, it is through sound we build on and transform every day, and it is also through it that we build and continuously transform our world.

So we find, behind the clarity and vividness of its immediacy, the adventure of life that, according to Darwin, created and perfected over four billion years what can be called “contact structures with reality”, i.e. the sensory organs. The “perception of sound” was torn to dream – at great cost – for Life, and made real after endless ages.

Sound lives in the frontier between external reality (to which we belong) and ourselves, that is, it represents a boundary both knowledge and imagination; Sound is both the experience and the expression of life itself.

But then how does it differ from the rest of the perceptions that constitute our world? What distinguishes it is its truly cosmic dimension. Sound dwells everywhere, from the vibrations of atoms to the far corner of galaxy clusters. It is as old as the universe, and there is no place that does not know its echoes.

Unlike everything around us, sound is not material, but something which can be transmitted through matter. Sound is in all things. It is pure energy, moving in spacetime, vibrating solids, liquids, gases, or plasmas.

And how did Life react? By inventing structures able to connect with this energy of cosmic proportions. Life mirrored sound-as-perceived necessarily relative and limited, but where each ear is a microcosm of the macrocosm outside.

But will are we ourselves material? Since the atoms that constituted us as children are no longer present when we are adults, we can not say that we are the matter of our body, but an active principle which organizes matter, such as Music – which organizes sound.

To the old question “if a tree falls in the forest and there is no one to listen, will it produce sound?”, The answer is: It is likely that the tree when falling produces a wave of acoustic pressure, but this concept of physics is a representation purely formal and completely inaudible.

If we accept other beings (not humans) in this forest, nature responds to us that a fabulous array of tapping detects that a falling tree. All perceptions are different, because each be developed, according to Darwinian natural selection, their own listening mechanisms, including the tree itself.

What is missing in all this sound multiplicity is in fact the “human” sound: that which we think we know so well. If a tree falls in the forest without any human to listen, the sound perception emerging in a consciousness that listens is to us unimaginable, or pure fantasy.

Apparently there seem to emerge various concepts of sound. On the one hand, the pressure wave as defined by acoustics, and on the other, multiple kinds of hearing: the result of a long evolutionary processes. But the various kinds of hearing are not actually “concepts”, they are direct perceptions under which any conceptualization is entirely speculative. Conversely, the pressure wave of acoustics pressure cannot be perceived, or is inaudible, and does not explain or presupposes the existence of an observer, nor of certain kind of listening.

There is no doubt that there is a correlation between the physics of sound and the various forms of perception developed for Life by Evolution. But this match is much more subtle than might be supposed. For example, there is no absolute need to match what we perceive as a “low” sound to a wave of low frequency, or what we perceive as “high” sound ” with a high-frequency wave. If what today seems green becomes blue tomorrow, and if what is now blue becomes green, the laws of science would remain unchanged, as would the ability of Life to reinvent itself.

In fact, the issue is even more extensive than might be supposed. It is not only the possibility of reversing the perceptions of a single direction – to perceive low frequency waves as “high” sounds and high frequencies as “low” – but even the potential for interference or dialogue between perceptions of different types. We speak thus of synaesthesia, the opposite of anaesthesia. If the block is the lack of sensation, kinaesthesia is increased and multi-layered perception, in which a sound may appear together with a color, for instance.

Ultimately, the “science of sound” and the ” perception of sound” are different views of the same phenomenon, as even the scientific concept is only accepted if constantly confirmed by experience, i.e. through sensory organs. Vision or hearing are direct bridges with reality, but a reality in which there is only light and sound. Human beings do not see anything but light. When we say we see an object, what we see if actually only the light that is reflected from the object, and not the object itself. Similarly, we do not listen to anything other than sound. We did not hear trains, people or ocean waves. We never heard the causes of a sound. In short, there is no discernible and unambiguous relationship between a physical quantity and the type of perception which emerges in a consciousness able to feel that physical quantity.

There is a mystery in sound because it is still far from being completely rationalized by science. There is a long way to go to be aware what sound really is, a consciousness always limited by our own ways of perceiving the world. “Sound as perception” shares the great adventure of unlimited improbability of Life, consciousness, and even music (which is outside the world of science since it does not act according to the scientific method).

We know there are at least 100 billion stars in the universe, but we know only one – our sun – which arbours Life. We know about 10 million species on Earth, and it is easy to imagine that Darwinian natural selection would continue indefinitely without producing humans. Thus, according to current scientific knowledge, the likelihood of life with our kind of awareness and perception is effectively zero: we ourselves should not exist!

In fact, if only one in 100 billion apples falls to Earth, Newton would never have formulated his law of universal gravitation, for science only investigates that what can be repeated as often as desired, and not rare, unlikely, unique or unpredictable events, such as the origin of the universe, the origin of life, the origin of consciousness, language or art.

The Big Bang theory is extraordinary since it allows us to comprehend the evolution of the universe for 14 billion years, but it leaves us in complete ignorance of what happened before the Big Bang. Similarly, Darwin’s theory describes the development of Life for four billion years from extremely simple beings to the complexity and biodiversity around us today. But the contemporary neo-Darwinism remains helpless on the question of the origin of life, namely on how to move from organic chemistry to biological structures.

How did Newton formulate a “universal” law? By assuming that time is reversible, which means in fact the negation of perception. If it is true that there are cosmic phenomena of an impressive regularity, as the endless alternation of daylight and the darkness at night, it is no less true that every sunrise is unique, unrepeatable in its light and color shades. But as to this infinite variability, that anyone can experience daily, the laws of universal gravitation remain silent.

The major scientific evidence for the Big Bang is:

1) The fact that galaxies seem to be all moving away from each other, which indicates an initial concentration.

2) The Cosmic Microwave Background Radiation (image below), which is detectable in all directions of interstellar space.

The image below, which shows the Cosmic Microwave Background Radiation, is a picture of the universe about 380,000 years.

Color variations corresponding to temperature variations, which in turn correspond to density and pressure variations. But pressure variations is what Acoustics defines as “sound”.

.Planck

Figure 1: Cosmic Microwave Background Radiation

Thus, it was sound that organized matter into galaxies and empty areas. The Universe is governed by cosmic music, both at the macro scale, as well as in the microworld, such as detailed by Superstring Theory.

* João Manuel Marques Carrilho (Jonas Runa), PhD – jonasruna@gmail.com

.

.

.

Zoomusicologia (V)

A sabedoria do som vivo

por Jonas Runa*

.

VIII . Visualizando os Sons dos Animais

Nesta secção, apresentamos representações gráficas dos sons de vários animais. O resultado denomina-se Sonograma e o método de cálculo utiliza algoritmos baseados na transformada rápida de Fourier .

O objectivo é familiarizar o leitor com a aparência (visual) dos sons de animais. As imagens também ilustram muitas das ideias apresentadas nas secções anteriores (e.g. arquétipos sonoros, como o motivo que acelera na Figura 8 : Gibão Siamang )

Imagens de Jonas Runa, a partir de sons descarregados gratuitamente da internet, usando para a análise espectral o software Audacity.

.

Zoomusicology (V)

The wisdom of living sound

by Jonas Runa*

.

VIII. Visualizing Animal Sounds

In this section, we present the sounds of several animals represented graphically. The result is called a Sonogram, and the method of computation uses Fast Fourier Transform algorithms.

The purpose is to familiarize the reader with a visual shape of animal sounds. The images will also illustrate many of the ideas presented in earlier sections (e.g. sound-archetypes such as an accelerating motive in Figure 8: Siamang Ape).

Images by Jonas Runa, generated using the software Audacity and free sounds downloaded from the internet.

.

01

Figure 1 . Macacos, Cebíneo – Apes, Capuchin

02

Figure 2. Macacos, Chimpanzé – Apes, Chimp

03

Figure 3. Macacos, Chimpanzé – Apes, Chimp

04

Fig 4. Macacos, Chimpanzé – Apes, Chimp

05

Fig 5. Macacos, Chimpanzé – Apes, Chimp

06

Fig 6. Macacos – Apes

07

Fig 7. Macacos – Apes

08

Fig 8. Macacos, Siamang – Apes, Siamang

09

Fig 9. Macacos, Macaco Esquilo – Apes, Squirrel Monkey

10

Fig 10. Texugo – Badger

11

Fig 11. Morcegos – Bats

12

Fig 12. Morcegos, gritos – Bats, shrieks

13

Fig 13. Morcegos, bando – Bats, bat flock

14

Fig 14. Morcegos, debandada – Bats, stampede

15

Fig 15. Urso – Bear

16

Fig 16. Búfalo – Buffalo

17

Fig 17. Camelo – Camel

18

Fig 18. Lince – Bobcat

19

Fig 19. Puma – Cougar

20

Fig 20. Gato – Cat

21

Fig 21. Gato doméstico – Cat, Domestic

22

Fig 21. Gato doméstico – Cat, Domestic

23

Fig 23. Jaguar

24

Fig 24. Leopardo – Leopard

25

Fig 25. Leão – Lion

26

Fig 26. Leão – Lion

27

Fig 27. Leão – Lion

28

Fig 28. Leão – Lion

29

Fig 29. Lince – Lynx

30

Fig 30. Tigre – Tiger

31

Fig 31. Tigre – Tiger

32

Fig 32. Tigre – Tiger

33

Fig 33. Galinha – Chicken

34

Fig 34. Galinha – Chicken

35

Fig 35. Galinha – Chicken

36

Fig 36. Vaca – Cow

37

Fig 37. Cão – Dog

38

Fig 38. Cão – Dog

39

Fig 39. Cão – Dog

40

Fig 40. Cão – Dog

.

* João Manuel Marques Carrilho (Jonas Runa) – Universidade Católica Portuguesa – CITAR: Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes

jonasruna (@)gmail.com

.

.

Zoomusicologia (IV)

A sabedoria do som vivo

por Jonas Runa*

machepeq© François-Bernard Mâche

Organismos de Informação Musical

É fácil confundir Zoomusicologia com “zoologia musical”. No entanto, a Zoomusicologia é essencialmente uma “musicologia zoológica”. Da mesma forma, a Ecomusicologia não deveria ser a aplicação da Ecologia à Musicologia, mas sim a descoberta, a partir do interior da própria Musicologia, de novas perspectivas ecológico-musicais.

Na prática, esta perspectiva é clara no caso de F.B. Mâche que, ao mesmo tempo que introduzia teoricamente o conceito de “zoomusicologia”, fazia também avançar a própria estética musical, compondo obras que justificavam artisticamente a teoria desenvolvida. Não se trata assim duma investigação académica e estéril, separada do acto da criação artística. A sua arte está tanto na criação de novos conceitos como na sua integração na criatividade. (e.g. busca e aplicação de “arquétipos sonoros”, comuns a todas as formas de vida; transcrição dos sons da chuva, do fogo, etc… como uma texturas orquestrais compostas com enorme detalhe).

A “abertura” da Musicologia à transdisciplinaridade e a todos os campos da criatividade e do conhecimento deve ser então realizada a partir do interior, ou seja, fazendo avançar a própria Música. Neste breve opúsculo, refletimos sobre um “sistema composicional” específico, que nasceu da interdisciplinaridade entre a música, a psicologia cognitiva, biologia, sociologia, et al. : Estruturas musicais de alto-nível são consideradas como sociedades evolutivas em espaços morfológicos.

Um “sistema composicional” (informático) é o desenvolvimento electrónico de um método que nasceu com a notação simbólica do som numa partitura: “Que os compositores possam utilizar um suporte visual – a partitura – para transformar o seu pensamento em notação constitui certamente uma das conquistas fundamentais da nossa cultura musical”. [1]

Um Organismo de Informação Musical (OIM) [2], metáfora biológica de comportamento complexo, é o conceito chave para o sistema composicional desenvolvido por Marco Stroppa[1]. A biologia inspira o compositor a considerar o som um “organismo”, ao mesmo tempo que a psicologia cognitiva fornece hipóteses concretas para os processos de representação e categorização do conhecimento (ou seja, da “informação musical”).

Se o processo composicional fôr sistematizado informaticamente, dentro de um sistema conceptual generalizado, podemos falar de um Sistema Composicional : uma compilação de técnicas operacionais prontas a atuar sobre o material sonoro, no contexto de uma obra musical. No caso tradicional, estas técnicas operacionais são expressas como técnicas de escrita (e.g. as técnicas específicas às escrita de uma fuga ou de um coral). Na era informática, as técnicas são algoritmos formalizados num computador.

Uma técnica operacional é simplesmente uma ferramenta direcional, útil no processo compositivo. Pode variar desde o mais estrito determinismo a princípios indeterminados, estatísticos ou estocásticos. Em geral, para cada nova obra de música contemporânea, tornou-se necessário inventar um novo modelo, específico à obra. No entanto, esses modelos estão geralmente mais próximos dos métodos de análise do que dos de síntese da obra, ou seja, do processo criativo do compositor.

Um OIM, enquanto conceito e funcionalidade, pretende inverter esta perspectiva comum, fazendo do modelo o enquadramento composicional ele mesmo. O nível mais básico da composição musical é uma identidade de um OIM. Ao invés de partir de material pré-composicional, tal como tabelas de notas ou de ritmos, um OIM define-se inicialmente por uma particularidade singular.

As “identidades” do Organismo de Informação Musical nascem, entre outros exemplos, de:

1) Um comportamento particular;

2) Um atributo proeminente;

3) Uma relação emergente;

4) Uma figura musical especial;

5) Um gesto instrumental

A hipótese é a de que este tipo de identidades está mais perto da imaginação musical que um grupo de notas organizadas numa série, ou um conjunto de valores rítmicos abstractos. O OIM constitui-se já, internamente, como uma sociedade microscópica. Possui componentes, propriedades, um tempo de vida, uma evolução e morfologia própria , ou seja, tudo o que define a sua identidade particular.

Um OIM é composto de várias instâncias (elementos estáticos) , que definem uma classe (elemento dinâmico ou direcional). As condições locais do desenvolvimento de um OIM são menos refinadas que as técnicas de largo alcance.

Uma peça de música é considerada uma macro-sociedade de tais organismos, e o compositor como aquele que estuda a sua sociologia. Em determinada secção musical, podem aparecer vários OIMs simultâneos, o que requer certas metodologias: Um OIM pode tornar-se parasita de outro; Pode levar à sua extinção, ou coexistir em simbiose.

A forma global nasce tanto do interior de cada organismo, particularmente da sua morfologia, como do seu aspecto dinâmico (considerado enquanto classe) e ainda da macro-interação entre micro-sociedades sonoras, isto é, entre OIMs particulares.

Presentation2

.

Notas

[1] Além de Marco Stroppa, também Pierre Boulez ou P. Manoury revelaram interesse neste conceito.

.

Bibliografia

[1] Stroppa, Marco. Un Orchestre synthétique: Remarques sur une notation personelle. In Le Timbre, métaphore pour la composition. Bourgois/Ircam. 1991, pg. 485

[2] Stroppa, Marco. Musical Information Organisms: An approach to composition. Contemporary Music Review Vol. 4. in Music and the Cognitive Sciences. Harwood Academic Publishers 1989. Pg. 131-163

.

.

Zoomusicology (IV)

The wisdom of living sound (IV)

by Jonas Runa*

.

Musical Information Organisms

It is easy to confuse Zoomusicology with a kind of “musical zoology.” However, Zoomusicology is essentially the opposite: a “zoological musicology”. Likewise, Ecomusicology should not be the application of concepts taken from ecology into musicology, but the discovery, from the inside of musicology itself, of new eco-musicological perspectives.

In practice, this approach is clear in the case of F.B. Mâche who, while theoretically introducing the concept of “zoomusicology”, was simultaneously advancing musical aesthetics, by composing works that artistically justified the theory developed. This is not so in the case of a sterile and academic research, completely separate from the act of artistic creation. The craft of Mâche is both in the creation of new concepts as well as their suitable integration into the creative process. (e.g. search and application of “sound archetypes”, common to all life forms; transcribing the sounds of rain, fire, etc … as composed orchestral textures notated with great detail).

The “openness” of Musicology to transdisciplinarity and to all fields of creativity and knowledge must then be carried out from the inside. Despite all the merits that any new epistemology might have, the logic of music is always the logic of sound itself, and thus can never be reduced to a pure linguistic form. In this brief exposition, we reflect on a specific “compositional system,” born of the interdisciplinarity between music, cognitive psychology, biology, sociology, et al. : High-level musical structures are considered as evolutionary societies in morphological spaces.

A “compositional system” is the electronic development of a method that began with the symbolic notation of sound into paper: “The fact that composers use visual support – the score – to transform their thoughts into notation is certainly one of fundamental achievements of our musical culture. “[1]

A Music Information Organism (MIO) [2] is a biological metaphor of complex behavior. It is the key concept of the compositional system developed by Marco Stroppa. Biology inspired the composer to consider sound as an “organism”, while cognitive psychology provides concrete hypotheses for the processes of representation and categorization of knowledge (ie, the “Music Information”).

If the compositional process is systematized in a computer, within a general conceptual system, we can speak of a “Compositional System”: a compilation of function and operations ready to act on the sound material in the context of a musical work. In the traditional case, these techniques are expressed as operational writing strategies (e.g. the rules of a fugue or a sonata). In the digital age, these techniques are formalized inside a computer as algorithms.

An operational technique is simply a directional and useful tool in the compositional process. It can vary from the most strict determinism to indeterminate, statistical or stochastic principles. In general, for each new piece of contemporary music, it became necessary to invent a new model, specific to the work at hand. However, these models are generally closer to the methods of analysis than the synthesis of the work, which is the same as saying that they are generally far from the creative process of the composer.

A MIO, as a concept and functionality, seeks to invert this common perspective, making the model the compositional framework itself. The most basic level of musical composition is an identity of a MIO. Rather than starting from pre-compositional materials, such as note and rhythm tables, one MIO is defined initially by a “natural peculiarity”.

The “identity” of a Musical Information Organism can be born, among many examples, of:

1) A particular behavior;

2) A prominent attribute;

3) An emerging relationship;

4) A special musical figure;

5) A specific instrumental gesture

The hypothesis is that this kind of identity is closer to the imagination than a group of musical notes arranged in a series, or that a set of abstract rhythmic values.

The MIO is already constituted, internally, as a microscopic society. It has components, properties, a temporal life span, an evolution and morphology, (ie, everything that defines its particular identity).

A MIO is composed of multiple instances (static elements), which define a class (or directional dynamic element). Local conditions for developing a MIO are usually less refined the techniques required for creating a large-scale structure, which must encompass the interaction between different MIO’s.

A piece of music is considered a society of such macro-organisms, and the composer as one who studies it’s sociology. In a particular musical section, multiple simultaneous MIOs can coexist, which requires certain methodologies: A MIO can become a parasite of another; It can lead to its extinction or they can coexist symbiotically.

The overall shape of the work of Art is thus born both from within each Organism, particularly in their morphology and dynamic aspect (considered as a class) as well as macro-micro-sound interaction between families of intrinsically distinct individual MIOs.

Presentation1.pptx

                          .                                                                                                                                           Bibliography

[1] Stroppa, Marco. Un Orchestre synthétique: Remarques sur une notation personelle. In Le Timbre, métaphore pour la composition. Bourgois/Ircam. 1991, pg. 485

[2] Stroppa, Marco. Musical Information Organisms: An approach to composition. Contemporary Music Review Vol. 4. in Music and the Cognitive Sciences. Harwood Academic Publishers 1989. Pg. 131-163

.

* João Manuel Marques Carrilho (Jonas Runa) – Universidade Católica Portuguesa – CITAR: Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes

jonasruna (@)gmail.com

 .

.

Zoomusicologia (III)

A sabedoria do som vivo

por Jonas Runa*

.

jonas1image© François-Bernard Mâche

.

VI. Ferramentas Zoomusicológicas

Continuando com uma análise inspirada na linguística estrutural (e particularmente na análise distribucional de Z. Harris), podemos traçar novos paralelos entre o pensamento estrutural de Stravinsky e o canto de certos pássaros.

Ao comparar a obra Les Noces com os sons emitidos por um felosa-icterina (Hippolais icterina), F.B.Mâche observa que em ambos os casos se trata de um jogo de alternâncias entre apenas dois temas melódicos (A,B), no qual aparecem reiterações frequentes de um só tema (e.g. A A A).

.

jonasIII1

Figure 2 : Stravinsky . Les Noces

jonasIII2

Figure 3 : O canto de uma felosa – icterina

Mais uma vez, o que este exemplo procura demonstrar é que as “leis” duma imaginação criativa são parcialmente extensivas a todos os seres vivos, o que explica assim a convergência no tratamento e organização dos sons. Para defender este argumento, Mâche apoia-se no pensamento de R. Callois, e no seu conceito de “ciências diagonais”.

Para atingir um elevado grau de virtuosismo, certas aves preferem sem dúvida uma “lei de variabilidade máxima” em vez de uma “lei do menor esforço”. Este processo é análogo à imaginação musical dum compositor. A afirmação de uma qualquer ideia musical, enquanto identidade própria e idiossincrática, é geralmente desenvolvida através de variações e contrastes que explorem todas as subtilezas da ideia central.

Para um musicólogo ou etnomusicólogo, os exemplos apresentados até agora poderiam parecer insuficientes, uma vez que apenas se aplicam ao nível estrutural da música. Assim, é importante apresentar um exemplo onde não apenas um indivíduo, mas toda uma espécie de aves restringe o seu canto a uma escala musical específica.

jonasIII3

Figure 4 : Dois cantos de uma Trichastoma fluvences

Este exemplo é extraordinário, pois demonstra que dois pássaros diferentes, mas da mesma espécie, que foram gravados no Gabão e no Gana utilizam exatamente a mesma escala! No início de muitas das suas composições, Luigi Nono afirmou que apresentava apenas um conjunto fixo de notas, sobre o qual os músicos deveriam exercer a sua imaginação…

Relativamente ao timbre, o pássaro-lira um dos maiores mestres da mimeses:

1) Ao estudar o canto de certo pássaro, verificou-se que parecia música para flauta. Depois de muita investigação, descobriu-se que um flautista tinha vivido perto do jardim onde o pássaro vivia…

2) O pássaro-lira (lyrebird) possui capacidades miméticas excepcionais. É capaz de imitar não só o canto de dezenas de outras aves, mas ainda ruídos de outros animais, sons humanos, máquinas, e mesmo música. Enquanto máquinas humanas destroem o seu habitat natural, derrubando árvores sem fim, o pássaro-lira imita o som dessas mesmas máquinas, anunciando em toda a parte a sinfonia do extermínio.

.

VII. Bibliografia Extensiva

Apesar desta investigação ser centrada no trabalho de F.B. Mâche, (Music, Myth and Nature. Harwood Academic Publishers), referimos agora um conjunto alargado de fontes e trabalhos que ajudam a contextualizar o campo da Zoomusicologia:

  1. Darwin: The Descent of Man and Selection in Relation to Sex (London, 1871)
  2. Darwin: The Expression of the Emotions in Man and Animals (London, 1872)
  3. A. Scholes: ‘Bird Music’, Oxford Companion to Music (London, 1938, 10/1970)
  4. Marler: ‘Characteristics of some Animal Calls’, Nature, clxxvi (1955), 6–8
  5. H. Thorpe: Bird Song (Cambridge, 1961)
  6. S. Payne and S. McVay: ‘Songs of Humpback Whales’, Science, clxxiii (1971), 585–97
  7. K. Catchpole: ‘The Functions of Advertising Song in the Sedge Warbler (Acrocephalus schoenobaenus) and Reed Warbler (A. scirpaceus)’, Behaviour, xlvi (1973), 300–20
  8. K. Catchpole: ‘Temporal and Sequential Organisation of Song in the Sedge Warbler (Acrocephalus schoenobaenus)’, Behaviour, lix (1976), 226–46
  9. E. Kroodsma: ‘Reproductive Development in a Female Songbird: Differential Stimulation by Quality of Male Song’, Science, cxcii (1976), 574–5
  10. R. Krebs: ‘Song and Territory in the Great Tit Parus major’, Evolutionary Ecology, ed. B. Stonehouse and C. Perrins (London, 1977), 47–62
  11. S. Morton: ‘On the Occurrence and Significance of Motivation-Structural Rules in Some Bird and Mammal Sounds’, American Naturalist, cxi (1977), 855–69
  12. Dowsett-Lemaire: ‘The Imitative Range of the Song of the Marsh Warbler Acrocephalus palustris, with Special Reference to Imitations of African Birds’, Ibis, cxxi (1979), 453–68
  13. G. Smith: ‘Male Singing Ability and Territory Integrity in Redwinged Blackbirds (Agelaius phoeniceus)’, Behaviour, lxviii (1979), 193–206
  14. K. Catchpole: ‘Sexual Selection and the Evolution of Complex Songs among Warblers of the Genus Acrocephalus’, Behaviour, lxxiv (1980), 149–66
  15. M. Seyfarth, D.L. Cheney and P. Marler: ‘Vervet Monkey Alarm Calls: Evidence of Predator Classification and Semantic Communication’, Science, ccx (1980), 801–3
  16. R. Krebs, M. Avery and R.J. Cowie: ‘Effect of Removal of Mate on the Singing Behaviour of Great Tits’, Animal Behaviour, xxix (1981), 635–7
  17. J.B. Slater: ‘Chaffinch Song Repertoires: Observations, Experiments and a Discussion of their Significance’, Zeitschrift für Tierpsychologie, lvi (1981), 1–24
  18. Boswall: ‘The Language of Birds’, Proceedings of the Royal Institution of Great Britain, lv (1983), 249–303
  19. Cohen: ‘Birdcalls and the Rules of Palestrina Counterpoint: Towards the Discovery of Universal Qualities in Vocal Expression’, Israel Studies in Musicology, iii (1983), 96–123
  20. -B. Mâche: Musique, mythe, nature, ou, les dauphins d’Arion (Paris, 1983; Eng. trans., 1992)
  21. J.B. Slater: ‘Sequences of Song in Chaffinches’, Animal Behaviour, xxxi (1983), 272–81
  22. K. Catchpole, J. Dittami and B. Leisler: ‘Differential Responses to Male Song Repertoires in Female Songbirds implanted with Oestradiol’, Nature, cccxii (1984), 563–4
  23. Hall-Craggs and R.E. Jellis: ‘Birds in Music’, A Dictionary of Birds, ed. B. Campbell and E. Lack (Calton, Staffs., 1985), 369–72
  24. and R.S. Payne: ‘Large Scale Changes over 19 Years in Songs of Humpback Whales in Bermuda’, Zeitschrift für Tierpsychologie, lxviii (1985), 89–114
  25. Eriksson and L. Wallin: ‘Male Bird Song attracts Females: a Field Experiment’, Behavioural Ecology and Sociobiology, xix (1986), 297–9
  26. D. Brown, S.M. Farabaugh and C.J. Veltman: ‘Song Sharing in a Group-Living Songbird, the Australian Magpie, Gymnorhina tibicen: Part I, Vocal Sharing within and among Social Groups’, Behaviour, civ (1988), 1–28
  27. N. Guinee and K.B. Payne: ‘Rhyme-Like Repetitions in Songs of Humpback Whales’, Ethology, lxxix (1988), 295–306
  28. Eens, R. Pinxten and R.F. Verheyen: ‘Male Song as a Cue for Mate Choice in the European Starling’, Behaviour, cxvi (1991), 210–38
  29. Eens, R. Pinxten and R.F. Verheyen: ‘Organisation of Song in the European Starling: Species Specificity and Individual Differences’, Belgian Journal of Zoology, cxxi (1991), 257–78
  30. K. Catchpole and P.J.B. Slater: Bird Song: Biological Themes and Variations (Cambridge, 1995)
  31. N. Levin: ‘Song Behaviour and Reproductive Strategies in a Duetting Wren, Thryothorus nigricapillus’, Animal Behaviour, lii (1996), 1093–1117
  32. Todt and H. Hultsch: ‘Acquisition and Performance of Song Repertoires: Ways of Coping with Diversity and Versatility’, Ecology and Evolution of Acoustic Communication in Birds, ed. D.E. Kroodsma and E.H. Miller (Ithaca, NY, and London, 1996), 79–96
  33. Head: ‘Birdsong and the Origins of Music’ JRMA, cxxii (1997), 1–23

.

* Ensaio de João Manuel Marques Carrilho (Jonas Runa) – Universidade Católica Portuguesa – CITAR: Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes

jonasruna (@)gmail.com

Imagens de François-Bernard Mâche do livro Music, Myth & Nature, publicado pela Harwood Academic Publishers, 1992.

.

.

Zoomusicology (III)

The wisdom of living sound

by Jonas Runa*

jonas1image© François-Bernard Mâche

.

VI. Zoomusicological Analysis tools

Continuing with an analysis inspired by structural linguistics (and particularly by the distributional analysis of Z. Harris), we can draw new parallels between the structural thinking of Stravinsky and the singing of certain birds.

By comparing the work Les Noces with the sounds emitted by a warbler-icterina (icterina Hippolais), F.B. Mâche notes that both cases consist of a game of alternations between only two melodic themes (A, B). Sometimes, sudden reiterations of a single theme appear (e.g. AAA).

jonasIII1

Figure 2 : Stravinsky . Les Noces

jonasIII2

Figure 3 : A felosa – icterina song

Again, what this example seeks to demonstrate is that the “laws” of a creative imagination are partially extended to all living beings, which would explain the convergence in the treatment and organization of sounds. To defend this argument, F.B. Mâche is refers to the thought of R. Callois, particularly to his concept of “diagonal sciences.”

To achieve a high degree of virtuosity, certain birds prefer undoubtedly a “law of maximum variability” rather than a “law of least effort.” This process is analogous to the imagination of a composer. The assertion of any musical idea, as an idiosyncratic identity, is usually developed through variations and contrasts to explore all the subtleties of that central idea.

For a musicologist or ethnomusicologist, the examples presented so far might seem insufficient, since they only apply to the structural level of music. Thus, it is important to present an example where not only an individual but an entire species of birds restricts it’s singing to a specific musical scale.

jonasIII3

Figure 4 : Two songs by a Trichastoma fluvences

This example is remarkable because it demonstrates that two different birds, (but belonging to the same species), that have been recorded in Gabon and Ghana, use exactly the same scale! At the beginning of many of his compositions, Luigi Nono said he only fixed a set of notes, on which musicians should exercise their imagination …

Regarding timbre, the lyre-bird is one of the greatest masters of mimesis:

1) By studying the bird right corner, it was found that seemed flute music. After much research, it was discovered that a piper had lived near the garden where the bird lived …

2) The lyre-bird (lyrebird) has exceptional mimetic capabilities. It is able to mimic not only the singing of dozens of other birds, but still noises of other animals, human sounds, machines, and even music. As human machines destroy their natural habitat, felling trees without end, the lyre-bird imitates the sound of those machines, announcing everywhere the symphony of extermination.

..

VII. Extensive Bibliography

Although this research is centered on the work of FB Mache, – Music, Myth and Nature Harwood Academic Publishers -, we now refer an extended fonts and papers that help contextualize the field of Zoomusicology:

 

  1. Darwin: The Descent of Man and Selection in Relation to Sex (London, 1871)
  2. Darwin: The Expression of the Emotions in Man and Animals (London, 1872)
  3. A. Scholes: ‘Bird Music’, Oxford Companion to Music (London, 1938, 10/1970)
  4. Marler: ‘Characteristics of some Animal Calls’, Nature, clxxvi (1955), 6–8
  5. H. Thorpe: Bird Song (Cambridge, 1961)
  6. S. Payne and S. McVay: ‘Songs of Humpback Whales’, Science, clxxiii (1971), 585–97
  7. K. Catchpole: ‘The Functions of Advertising Song in the Sedge Warbler (Acrocephalus schoenobaenus) and Reed Warbler (A. scirpaceus)’, Behaviour, xlvi (1973), 300–20
  8. K. Catchpole: ‘Temporal and Sequential Organisation of Song in the Sedge Warbler (Acrocephalus schoenobaenus)’, Behaviour, lix (1976), 226–46
  9. E. Kroodsma: ‘Reproductive Development in a Female Songbird: Differential Stimulation by Quality of Male Song’, Science, cxcii (1976), 574–5
  10. R. Krebs: ‘Song and Territory in the Great Tit Parus major’, Evolutionary Ecology, ed. B. Stonehouse and C. Perrins (London, 1977), 47–62
  11. S. Morton: ‘On the Occurrence and Significance of Motivation-Structural Rules in Some Bird and Mammal Sounds’, American Naturalist, cxi (1977), 855–69
  12. Dowsett-Lemaire: ‘The Imitative Range of the Song of the Marsh Warbler Acrocephalus palustris, with Special Reference to Imitations of African Birds’, Ibis, cxxi (1979), 453–68
  13. G. Smith: ‘Male Singing Ability and Territory Integrity in Redwinged Blackbirds (Agelaius phoeniceus)’, Behaviour, lxviii (1979), 193–206
  14. K. Catchpole: ‘Sexual Selection and the Evolution of Complex Songs among Warblers of the Genus Acrocephalus’, Behaviour, lxxiv (1980), 149–66
  15. M. Seyfarth, D.L. Cheney and P. Marler: ‘Vervet Monkey Alarm Calls: Evidence of Predator Classification and Semantic Communication’, Science, ccx (1980), 801–3
  16. R. Krebs, M. Avery and R.J. Cowie: ‘Effect of Removal of Mate on the Singing Behaviour of Great Tits’, Animal Behaviour, xxix (1981), 635–7
  17. J.B. Slater: ‘Chaffinch Song Repertoires: Observations, Experiments and a Discussion of their Significance’, Zeitschrift für Tierpsychologie, lvi (1981), 1–24
  18. Boswall: ‘The Language of Birds’, Proceedings of the Royal Institution of Great Britain, lv (1983), 249–303
  19. Cohen: ‘Birdcalls and the Rules of Palestrina Counterpoint: Towards the Discovery of Universal Qualities in Vocal Expression’, Israel Studies in Musicology, iii (1983), 96–123
  20. -B. Mâche: Musique, mythe, nature, ou, les dauphins d’Arion (Paris, 1983; Eng. trans., 1992)
  21. J.B. Slater: ‘Sequences of Song in Chaffinches’, Animal Behaviour, xxxi (1983), 272–81
  22. K. Catchpole, J. Dittami and B. Leisler: ‘Differential Responses to Male Song Repertoires in Female Songbirds implanted with Oestradiol’, Nature, cccxii (1984), 563–4
  23. Hall-Craggs and R.E. Jellis: ‘Birds in Music’, A Dictionary of Birds, ed. B. Campbell and E. Lack (Calton, Staffs., 1985), 369–72
  24. and R.S. Payne: ‘Large Scale Changes over 19 Years in Songs of Humpback Whales in Bermuda’, Zeitschrift für Tierpsychologie, lxviii (1985), 89–114
  25. Eriksson and L. Wallin: ‘Male Bird Song attracts Females: a Field Experiment’, Behavioural Ecology and Sociobiology, xix (1986), 297–9
  26. D. Brown, S.M. Farabaugh and C.J. Veltman: ‘Song Sharing in a Group-Living Songbird, the Australian Magpie, Gymnorhina tibicen: Part I, Vocal Sharing within and among Social Groups’, Behaviour, civ (1988), 1–28
  27. N. Guinee and K.B. Payne: ‘Rhyme-Like Repetitions in Songs of Humpback Whales’, Ethology, lxxix (1988), 295–306
  28. Eens, R. Pinxten and R.F. Verheyen: ‘Male Song as a Cue for Mate Choice in the European Starling’, Behaviour, cxvi (1991), 210–38
  29. Eens, R. Pinxten and R.F. Verheyen: ‘Organisation of Song in the European Starling: Species Specificity and Individual Differences’, Belgian Journal of Zoology, cxxi (1991), 257–78
  30. K. Catchpole and P.J.B. Slater: Bird Song: Biological Themes and Variations (Cambridge, 1995)
  31. N. Levin: ‘Song Behaviour and Reproductive Strategies in a Duetting Wren, Thryothorus nigricapillus’, Animal Behaviour, lii (1996), 1093–1117
  32. Todt and H. Hultsch: ‘Acquisition and Performance of Song Repertoires: Ways of Coping with Diversity and Versatility’, Ecology and Evolution of Acoustic Communication in Birds, ed. D.E. Kroodsma and E.H. Miller (Ithaca, NY, and London, 1996), 79–96
  33. Head: ‘Birdsong and the Origins of Music’ JRMA, cxxii (1997), 1–23

* João Manuel Marques Carrilho (Jonas Runa) – Universidade Católica Portuguesa – CITAR: Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes

jonasruna (@)gmail.com

Draw: François-Bernard Mâche, Music, Myth & Nature, Harwood Academic Publishers, 1992.

 .

.

Zoomusicologia – A sabedoria do som vivo

(I e II parte)

por Jonas Runa*

jonas1image© François-Bernard Mâche.

.

Resumo – As emissões sonoras de animais são actualmente estudadas de duas formas: 1) do ponto de vista da comunicação (estudos etológicos) 2) da natureza acústica (estudos anatômicos e psicológicos). Ambas as abordagens recusam a hipótese estética. Introduz-se assim o campo científico da Zoomusicologia que estende o fenómeno musical bem para além da humanidade. Depois de uma breve contextualização, discutimos o conceito contemporâneo de Zoomusicologia, conforme apresentado pelo compositor e musicólogo François -Bernard Mâche. Argumenta-se que este é um campo com enorme potencial para a investigação rigorosa, que não foi ainda desenvolvido por causa de preconceitos profundamente enraizados: assumir as novas concepções implicaria uma redefinição radical do papel que a música desempenha no diálogo entre a humanidade e a Natureza.

Palavras-chave – zoomusicologia ; zoosemiótica ; música e mito; Natureza e cultura.

I. Introdução

Ibn al- Haytham foi um importante filósofo e cientista árabe que escreveu o “Tratado da influência das melodias sobre as almas dos animais“, há mais de 1000 anos. Embora perdido, acredita-se que este tratado continha instruções para controlar os animais através da música (e.g. acelerar o ritmo de camelos, persuadir os cavalos a beber, enganar répteis, influenciar as ações de aves, et al.).

A Musicologia está dividida em três ramos: histórica, analítica e crítica. No entanto, essa distinção clássica só se aplicaria à música europeia da arte, enquanto a música de outras culturas era o domínio específico de etnomusicólogos. Com o surgimento da música eletrónica clássica, a musicologia sofreu um enorme abalo que não foi capaz de superar. Na verdade, todos os métodos clássicos de análise de música – sempre centrados na partitura musical – falham quando confrontados com um universo aparentemente infinito, para o qual não há nenhuma notação, apenas som.

Na música eletrónica, o som em si é sempre a base da composição, uma vez que é insubstituível e único, ao contrário de um “lá” para Oboé anotado no papel, que pode ser tocado por qualquer oboísta no mundo. Esta situação é semelhante há de tempos remotos, quando uma notação sistemática para sons ainda não tinha sido desenvolvida. No entanto, a nova arte eletrónica dos sons não é um retrocesso mas sim um reencontro.

Uma vez que a musicologia clássica (ou mesmo a etnomusicologia) foi completamente devastada pelas revoluções estéticas do século XX, incluindo a electricidade, o momento presente apresenta-se como uma oportunidade fantástica para repensar e reconstruir estas áreas de estudo, através da incorporação de uma visão mais ampla e contemporânea , que poderia ser consistente com o pensamento científico actual.

Ibn al-Haytham contribui significativamente para o método científico em geral e especificamente nas áreas de óptica, astronomia, matemática, filosofia, e assim por diante. Enquanto a ciência moderna se concentra principalmente em abordagens reducionistas, conducentes à super-especialização, al-Haytham estudou o mundo como um todo. Deste ponto de vista, é muito natural perguntar se as bases instintivas da música que todos os seres humanos compartilham poderiam ser encontradas noutras formas de vida, como nos animais.
De acordo com François-Bernard Mâche: “A verificar-se que a música é um fenômeno difundido em várias espécies vivas além do homem, isso colocará em causa a definição de música, e mais amplamente a do homem e sua cultura, bem como a ideia que temos do próprio animal”. [1]

II. Eixos Fundamentais

A. Mito: cruzando Natureza & cultura

Para Claude Lévi- Strauss [2] a passagem do cru para o cozido era apenas um pretexto para o estudo de um contexto muito mais amplo, nomeadamente, a transição da Natureza à cultura na sua fase inicial. Por mais difícil que possa parecer à mente contemporânea, houve interpretações perfeitamente razoáveis do mundo antes da ascensão da racionalidade científica ocidental. Esses outros modos de pensamento podem ser denominados mitológicos. O mito fornece uma Weltanschauung completa.

As percepções estão constantemente a entrar nos nossos órgãos sensoriais e muitas não “ascendem” ao nível consciente. Isto implica que tenham de ser processadas por uma outra estrutura da psique: o inconsciente, que pode influenciar o todo. Como Jung teorizou, o inconsciente colectivo existe não apenas nos seres humanos mas em toda a vida detentora de sistema nervoso.

Além das percepções externas, a imaginação age por dentro – não no mundo da experiência mas na busca de condições para a possibilidade de existência.

A música mítica está enraizada na busca de outros modos de pensamento, perpendiculares à racionalidade ocidental. A sua premissa principal é “a música é uma construção cultural com base em fundamentos instintivos, com o mito funcionando como um substituto para, ou como, uma projecção mental do instinto” [3] .

A música mítica assume arquétipos míticos (muito parecidos com os arquétipos de Jung) – modelos universais que florescem a partir de uma função espontânea da mente. Um caso muito claro de cruzamento entre Natureza e cultura é o dos harmônicos naturais. De um lado (a Natureza), as orelhas em si mesmas, geram harmônicos auditivos, para qualquer frequência; do outro (a cultura), a maioria dos instrumentos de orquestra são construídos em série harmônica. De acordo com Henry Cowell, a progressão da história da música tem sido a de emancipar mais e mais elevados harmônicos naturais, desde o canto gregoriano aos densos clusters de piano. [4]

B. Som – Música – Linguagem

Para a semiótica musical existir, não é obrigatório assumir que a música é uma linguagem, desde que se possa mostrar que funciona como uma linguagem. Isto foi demonstrado, e.g. pelo musicólogo Jorge Lima Barreto [5].

Os sinais sonoros são por vezes estudados do ponto de vista da comunicação, como variações simples de outros sistemas. Esta hipótese (Zoosemiótica), é geralmente acompanhada por uma rejeição da hipótese estética. No entanto, do ponto de vista de Molino, existem três níveis na análise dos sons de animais: poiética, neutral e estética, em que o “neutral” é muito pouco estudado, embora extremamente ligado à noção de obra musical. [6].

De acordo com Giles Deleuze [7], não nos devemos concentrar na busca de “universais da comunicação“, como J. Habermas propõe. A arte é resistência e cada animal tem os seus próprios “afectos”, para usar a terminologia espinosista. E uma vez que não há sentimento sem pensamento, nem pensamento sem sentimento, as percepções/ pensamentos serão co-dependentes da força da imaginação, agindo nesse material psíquico.

Se a música não é assumida como uma linguagem mas funciona internamente como uma, deve haver agentes instintivos que operam para realizar esse tipo de estruturas. A assumpção de que a música apesar de não ser uma linguagem é estruturada como uma linguagem, é muito parecida com a assumpção do inconsciente colectivo. Assumimos uma ponte entre Natureza e cultura, um continuum em que toda a vida tem raízes psíquicas.

III . Zoomusicologia

A zoomusicologia aceita plenamente a hipótese estética da emissão de som animal. Isto implica uma redefinição radical do conceito de música, bem como do conceito de arte e da  própria vida. O antropocentrismo, que herdamos da Grécia antiga e depois do catolicismo, deve ser substituído por mitologias que colocam a vida (em geral) e a consciência (e não apenas a humana) como um fenômeno muito especial no universo. O “efeito do observador” está bem estabelecido na Mecânica Quântica. Na música, a mesma coisa acontece: na sua estética depende em grande medida da multiplicidade de interpretações de um observador externo. Esta polissemia é essencial.

A. Observações Zoomusicologicas Aleatórias (de FB Mâche [7])

– A relação entre os trinados e o número total de espécies de aves é 50-100 vezes maior que a dos músicos profissionais e a da população total de França.

– As aranhas macho da espécie Lycosa empenham-se em complexas percussões com folhas mortas, para atrair as fêmeas.

– A estrutura musical, memória e imaginação de alguns animais é altamente complexa. A toutinegra do pântano, por exemplo, pode imitar fluentemente cerca de quarenta outras espécies. Também combina este conhecimento para criar novos modelos de canções que não têm qualquer semelhança com o material em que se baseiam.

REFERÊNCIAS

A principal fonte para os estudos Zoomusicológicos é o livro Música, Mito e Natureza, de François-Bernard Mâche.

[1] Mâche, François-Bernard, Music, Myth and Nature or The Dophins of Arion. Contemporary Music Studies: Volume 6. Harwood Academic Publishers1992

[2] Lévi-Strauss, Claude, The raw and the cooked: mythologiques vol. 1 University of Chicago Press, 1983

[3] Mâche, François-Bernard, Music, Myth and Nature or The Dophins of Arion. Contemporary Music Studies: Volume 6. Harwood Academic Publishers1992. Pg. 95

[4] Cowell, Henry New Musical Resources. Cambridge University Press 1996.

[5] Barreto, Jorge Lima, Estética da Comunicação Musical – A Improvisação. Tese de doutoramento em Comunicação e Cultura, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2010.

[6] Nattiez, Jean-Jacques. Music and Discourse – Toward a Semiology of Music. Princeton University Text. 1990

[7] L’Abécédaire de Gilles Deleuze (Documentary Film). Interviews by Claire Parnet. Director: Pierre-André Boutang. La Femis/Sodaperaga Productions. France. 1996

[8] Mâche, François-Bernard, Music, Myth and Nature or The Dophins of Arion. Contemporary Music Studies: Volume 6. Harwood Academic Publishers 1992.

.

* Ensaio de João Manuel Marques Carrilho (Jonas Runa) – Universidade Católica Portuguesa – CITAR: Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes

jonasruna (@)gmail.com

Desenho: partitura de François-Bernard Mâche “O Canto das Cotovias”

tradução ildateresacastro.

.

Zoomusicologia – A sabedoria do som vivo

(II parte)

por Jonas Runa*

machepeq

© François-Bernard Mâche.

.

IV. ZooEtnoMusicologia

No início deste trabalho definimos Zoomusicologia como a reflexão (humana) sobre o fenómeno musical, quando aplicada a animais não humanos. Para isso foi necessário assumir a denominada hipótese estética.

Não existe hiato entre a criatividade da Natureza e do humano; O grau de virtuosismo patente no canto de certas aves é exemplo paradigmático duma emissão sonora extra-humana que está para além de qualquer explicação “meramente” comunicativa.

Apresentámos o conceito de Zoomusicologia ancorado no pensamento e obra do compositor François-Bernard Mâche, por razões fundamentais na teorização de qualquer arte; Desenvolver uma teoria da música que não esteja enraizada numa estética que dinamize a própria música é confundir estagnação artística com a mobilidade multicolor do pensamento.

A música é um processo congregante da percepção, da sensibilidade, da razão, do sentimento, e de todas as funções da psique. Como tal, é capaz de aglutinar as mais diversas perspectivas intelectuais (essa polissemia é inerente à riqueza musical em si mesma). Deste modo, podemos abordar a música enquanto fenómeno artístico, físico, sociológico, filosófico, biológico, onírico, inconsciente…

Adicionalmente, o florescimento das etnociências (incluindo a etnomusicologia), da antropologia cognitiva, do relativismo cultural (e.g. Franz Boas), etc, demonstra a necessidade de incluir perspectivas não-ocidentais nos estudos (zoo)musicológicos. Foi exactamente isso que fez Jorge Lima Barreto, quando introduziu o termo ZooEtnoMusicologia num capítulo autónomo da sua tese de doutoramento “Estética da Comunicação Musical – a Improvisação”.

Em primeiro lugar, J. L. Barreto expõe a arte dos sons na concepção tradicional: “Diríamos que a música é matéria sonora natural e explícita – opondo-a ao canto das aves que é matéria sonora natural e implícita.”[1].

Mas logo surge a questão:

Poderia dizer-se então que o canto das aves (essa complexa forma de organização sonora) é música? – já que estes fluxos sonoros implicam uma sistematização altamente formalizada ao nível dos ritmos, das alturas, das intensidades, das dinâmicas, dos timbres; nas melopeias de uivos de lobo, nas modulações das baleias ou no discurso sibilino dos insectos mais exóticos; poderá ter dito ainda mais, o etólogo, o estudioso do comportamento animal, que estas formas de combinação acústica veiculam um sentido, emitem sinais codificáveis, denotam significados múltiplos, exprimindo satisfação (os latidos de um cão, as percussões de um macaco), transmitindo mensagem preciosa (o zumbido da abelha ao indicar a proximidade de um inimigo, o grito de alarme de uma ave condutora solicitando uma retirada estratégica do seu bando)” [2].

Na verdade, a busca incessante de F.B. Mâche por modelos universais sonoros (que o conduziu às “músicas míticas”), implicava já, na sua essência, uma abertura ao extra-ocidental. Relembramos a permissa fundamental de que a música pode servir de ponte entre a Natureza e a cultura. Assumir o mito como arquétipo universal implica estar disposto a relativizar a nossa interpretação tanto da ciência ocidental, como do pensamento “primitivo”, ameríndio, maia, egípcio, sumério…

Consideremos um arquétipo musical específico: uma sequência de sons que acelera (e/ou desacelera), opcionalmente acompanhada por correspondente subida e/ou descida da nota (altura). A universalidade do arquétipo não obriga a que ele se encontre em toda e qualquer expressão musical existente. No entanto, é fácil de constatar a sua presença abundante por entre as aves, como demonstra F. B. Mâche [3].

Ritmicamente, este motivo encontra-se disseminado pelas músicas etnográficas de todo o planeta. Pode ser escutado, por exemplo, nos tambores do Kutyattam (a mais antiga forma teatro ainda activo) em Kerala, na India. Os tambores aceleram para introduzir os deuses, ou em diálogo com eles.

Foi também a partir da aceleração ritmica de um conjunto de impulsos que K. Stockhausen demonstrou, na obra Kontakte, e utilizando os meios electrónicos, que existe um continuum entre a percepção do “ritmo” e da “nota”. De princípio, os impulsos sonoros são escutados como entidades individuais, o que significa que a percepção se centra no ritmo. Quando o ritmo se torna rápido demais para a percepção, o som que emerge é contínuo, e terá altura definida se o ritmo (inacessível à consciência pela sua rapidez) fôr regular.

Assim, um antiquíssimo arquétipo elementar faz nascer uma das mais avançadas teorias da música contemporânea, a nova morfologia temporal de Stockhausen, que afirma que o tempo unifica todas as àreas da percepção musical: ritmo, altura, timbre, forma e espaço.

Resumindo, postulámos que determinado fundamento psíquico-musical se deve encontrar no inconsciente colectivo, participando na constituição das “bases instintivas da música”. É nesta linha de pensamento que J. L. Barreto declara:

“A música primitiva é um campo de desejo e do inconsciente. (…) A sensibilidade musical não é apenas uma forma específica da organização do mundo auditivo, ela apresenta-se como um privilégio, raro e precioso, da sua fruição.
 (…) Gesto e som, mimese; reminiscência que se organiza e materializa como uma forma real. Ao lembrar a naturalidade sonora o homem regressa ao passado natural; na música o homem encontra alegadamente o absoluto da Natureza”.[4]

Segundo Mircea Eliade, o sagrado não é um estado de espírito, mas sim um elemento constitutivo da própria consciência. O “absoluto da Natureza” revela-se na existência duma infinita variedade de hierofanias – termo que o autor define como qualquer manifestação do sagrado (e.g. Pedras, Água, Sol, Lua) – que também podem ser de natureza sonora ou musical. Eliade alerta explicitamente para o erro de reduzir a “animismo” e “totemismo” a complexidade da percepção do sagrado nos povos mais primitivos.[5]

No caso da música de Khomus (berimbau de boca), na República de Yakutia, Sibéria, a mimesis musical de sons animais é frequente: do canto de cucos e cotovias ao galopar dos cavalos, incluindo também a imitação de sons naturais, como gotas de água. O xamã acede directamente ao fundamento psíquico animal ou vegetal, curando o espírito de quem o escuta. Em Yakutia, a maioria das crianças toca o khomus. Existe um mito amplamente difundido em que o khomus unificará, um dia, toda a humanidade, ao mesmo tempo que preserva a identidade de cada expressão individual.

Como é sabido na etnomusicologia, certas tribos praticam “música” (na concepção ocidental), sem no entanto possuir terminologia específica. Esta constatação é coerente com os pressupostos apresentados, e estimula o estudo da emissão sonora animal do ponto de vista estético.

Na sua essência, a música depende duma revolução na continuidade, tal como nos sugere poeticamente J.L. Barreto: “A música não está na Natureza; porém, sai da Natureza, emerge naturalmente da Natureza. Por isso a música e a Natureza (sonora) não são oposições antes complementaridades, não são contradições, mas concomitâncias”. [6]

V. EcoMusicologia

Podemos aliar-nos a um dos legítimos descendentes de Gregory Bateson, Francisco Varela, quando este afirma que a “Evolução” não trata da adaptação dos seres ao meio ambiente, mas sim do facto de que a abelha sonha com a flôr, e a flôr sonha com a abelha.[7]

Como é evidente, os sonhos podem ser pesadelos, e foi precisamente a consciência que surgiu depois de Auschwitz que fez sonhar a nova música de arte europeia – da “emancipação da dissonância” em Schoenberg às sinfonias de clusters repetitivos de Galina Ustvolskaya. O mundo não é o mesmo quando um qualquer Hitler ou Mussolini estão no poder. Numa célebre observação de Karl Popper: “Depois de Hiroshima, o tempo não pode ser considerado ilusão ”.

Ao contrário dum ser humano, que pode viver imerso num mundo virtual infinito como o da internet, os animais demonstram em geral, uma atenção constante a tudo aquilo que os rodeia, sabendo que a Natureza não é, por natureza, apenas harmoniosa.

Onde estão a harmonia, simetria e perfeição no caso de um furação? Onde está a tranquilidade ou qualquer outro ideal apolíneo no meio de terramotos e maremotos que matam milhões de seres animais e vegetais? Ou na explosão de galáxias que exterminam Vida ainda por nós desconhecida? Perante um famoso furação devastador, milhares de aves e muitos outros animais tiveram a intuição de fugir a tempo enquanto inúmeros seres humanos sucumbiam à catástrofe, apesar de munidos das mais recentes tecnologias…

Dizer que a evolução consiste no facto de que a abelha sonha com a flôr é afirmar lapsos de consciência entre ilusões.

Já no século XXI, surgiu a Ecomusicologia, que engloba todas as disciplinas da musicologia clássica (ramos: histórico, analítico e crítico), bem como a etnomusicologia e até mesmo, potencialmente, a zoomusicologia. A Ecomusicologia assenta na aplicação do pensamento ecocrítico à musicologia tradicional, operando na complexidade interdisciplinar entre “música, cultura e natureza” [8]

A Ecomusicologia não é uma “muso-ecologia”, tal como a Zoomusicologia não é uma “zoologia musical”. Este ponto, aparentemente subtil, é essencial para qualquer musicologia: é a função que cria a estrutura e não o inverso. Quando Xenakis utilizou a teoria das probabilidades em música, não fez avançar a teoria matemática, mas sim a estética musical.

Para a criação de algumas obras, o compositor italiano Marco Stroppa utilizou como base do pensamento o conceito de Organismo de Informação Musical, aplicando ideias da psicologia cognitiva, da sociologia, biologia, etc. Não estudou a sociologia da música no sentido clássico, mas sim a “sociologia de organismos sonoros”.

Enquanto que John Cage afirmava que compôr, interpretar e escutar uma peça de música são actividades absolutamente distintas, dissociáveis e não relacionadas, Charles Seeger (figura importante da “ecocrítica musical”), defendia uma interligação nuclear entre essas mesmas actividades. [9]

A importância de Seeger está, como afirma Bruno Nettl, na sua visão de uma musicologia interdisciplinar construida de vasos comunicantes. Mas essa diagonalidade deve dar sempre uma nova vida à música em si. Para dar frutos a nível estético-musical, a Ecomusicologia deveria questionar permanentemente a sua herança relativamente à musicologia tradicional; Ouvir os silêncios de Cage ou os ensinamentos de Edgard Varèse: “a música é a corporealização da inteligência que há no som”.

Assumir que há inteligência no som em si, é bastante mais radical que a zoomusicologia de Mâche, ou mesmo que a zooetnomusicologia de Jorge Lima Barreto. No entanto, poderia servir de base a futuras investigações ecomusicológicas.

A Ecomusicologia deve clarificar quais os pontos de contacto e em que medida se distingue da “Ecologia Acústica” de R. Murray Schafer, Barry Truax, e de todos os compositores/investigadores que trabalham dedicadamente no World Soundscape Project, no Canadá.

Tal como a música mítica de Mâche justifica, artisticamente, a sua concepção zoomusicológica, também as soundscape compositions de Schafer ou Truax complementam, musicalmente, as teorias da “Ecologia Acústica”. Da mesma forma, a Ecomusicologia necessita de “compositores/teóricos”, capazes de espelhar a riqueza do pensamento ecocrítico aos problemas da estética musical.

Por outro lado, tanto a Ecomusicologia como a Zoomusicologia devem distinguir-se da Biomúsica. Enquanto estética experimental contemporânea, a Biomúsica assume os sons produzidos por seres não humanos como material musical de base para uma composição. (Pode também incluir a sonificação das ondas cerebrais de humanos ou outros animais, os sons do coração, estômago ou qualquer outro orgão, etc).

A Biomúsica representa uma investigação estética autêntica, sobretudo ao nível do material musical. Inverso, por exemplo, é o caso do New Age: superficialmente ligado à nova consciência ecológica, este género musical é praticamente nulo do ponto de vista estético; As suas melodias suaves, aparência meditativa, marulhar de riachos ou passarinhos cintilantes são ouro sobre azul que desfila horas sem fim – “música ambiente” que não está verdadeiramente em simbiose com a criatividade da Natureza: irregular, intempestiva e imprevisível.

Existe uma diferença essencial entre uma reação química elementar, provocada pelo humano, e as reações electroquímicas que ocorrem no cérebro de seres vivos, e que estão interligadas aos processos cognitivos. A diferença está no grau de autonomia temporal, muito maior no caso da Vida devido a uma memória e sabedoria transmitidas ao longo de gerações múltiplas e multifacetadas.

A Vida pode ser concebida como uma estrutura longe do equilíbrio, que actua no universo da irreversibilidade. Do tempo aristotélico – “o número do movimento segundo o antes e o depois”, passámos ao tempo kantiano: o tempo deixa de estar subordinado ao movimento; é o movimento que depende do tempo. Esta inversão é revolucionária, e ajuda a clarificar a questão da autonomia temporal, que é essencial para a Vida em geral, mas também para a música em particular.

 VI. Ferramentas Zoomusicológicas

Os dois capítulos anteriores (Zooetnomusicologia e Ecomusicologia) são importantes para a localização e contextualização da área de investigação zoomusicológica.

Prosseguimos agora com a apresentação de ferramentas de análise específicas:

jonas1image© François-Bernard Mâche.

Figura 1 : O canto duma Cotovia

A imagem, da autoria de F.B. Mâche, é quase indistinguível duma partitura musical. No eixo horizontal está representado o tempo, e no vertical a frequência. No entanto, a figura representa o canto duma cotovia ao qual foi aplicada uma análise inspirada na linguística estrutural, e particularmente na análise distribucional de Z. Harris. [10]

Uma análise distribucional, ou “distribucionalismo”, assume que cada unidade tem uma distribuição característica. Está ligada ao estruturalismo e às gramáticas generativas.

Seguindo esta metodologia, F.B. Mâche encontra um paralelismo notável entre a arte da dissimetria nos malabarismos com vários motivos motivos melódicos, aos quais certos animais se entregam e os ritmos de Stravinsky.

Por vezes um rouxinol utiliza três motivos melódicos, reiterando um deles muito mais frequentemente. Procedimento similar pode ser encontrado na Sagração da Primavera, cuja estrutura F.B. Mâche revela ser, do compasso 142 ao 144:

     A B A B A B B B C A B B B B C A B A

.

REFERÊNCIAS

[1]    Barreto, Jorge Lima, Estética da Comunicação Musical – A Improvisação. Tese de doutoramento em Comunicação e Cultura, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2010. Tomo 3: do símio ao robot – ZooEtnoMusicologia

[2]    Ibid.

[3]    Mâche, François-Bernard, Music, Myth and Nature or The Dophins of Arion. Contemporary Music Studies: Volume 6. Harwood Academic Publishers 1992.

[4]    Barreto, Jorge Lima, Estética da Comunicação Musical – A Improvisação. Tese de doutoramento em Comunicação e Cultura, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2010. Tomo 3: do símio ao robot – ZooEtnoMusicologia

[5]    Eliade, Mircea. Tratado da História das Religiões Edições ASA. Pg. 32

[6]    Barreto, Jorge Lima, Estética da Comunicação Musical – A Improvisação. Tese de doutoramento em Comunicação e Cultura, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2010. Tomo 3: do símio ao robot – ZooEtnoMusicologia

[7]    Varela, Francisco. Monte Grande (Filme). Realização: Franz Reichle. 2004

[8]    The Grove Dictionary of America Music. Oxford University Press 2013

[9]    Seeger, Charles. Harmonic Strucutre. Berkley 1916

[10]  Mâche, François-Bernard, Music, Myth and Nature or The Dophins of Arion. Contemporary Music Studies: Volume 6. Harwood Academic Publishers 1992.

.

* Ensaio de João Manuel Marques Carrilho (Jonas Runa) – Universidade Católica Portuguesa – CITAR: Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes

jonasruna (@)gmail.com

Desenho: partitura de François-Bernard Mâche “O Canto das Cotovias”

.

.

.

Zoomusicology – The wisdom of living sound

 (part I and part II)

by Jonas Runa*

jonas1image© François-Bernard Mâche

.

Abstract — The sound emissions from animals are currently studied in two ways: 1) from the point of view of communication (ethological studies) 2) the acoustic nature (anatomical and psychological studies). Both approaches refuse the aesthetic hypothesis. We thus introduce the scientific field of Zoomusicology, which extends the musical phenomenon well beyond mankind. After a brief conceptual contextualization, we discuss the contemporary concept of Zoomusicology, as presented by the composer and musicologist François-Bernard Mâche. We argue that it is a field with enormous potential for rigorous investigation, which has not been developed because of deeply rooted prejudices. Assuming the new conceptions would imply a radical redefinition of the role that music plays in the dialogue between mankind and nature.

Keywords – zoomusicology; zoosemiotics; music & myth; nature & culture

I.        Introduction

Ibn al-Haytham was an important arab philosopher and scientist, who wrote a“Treatise on the influence of melodies on the souls of animals” more than 1000 years ago. Although now lost, this treatise is believed to contain instructions for controlling animals through music (e.g. speed up the pace of camels, persuade horses to drink, fool reptiles, influence the actions of birds, et al.).

Musicology is divided in three branches: historical, analytical and critical. However, this classical distinction would only apply to European art music, while the music of other cultures was the specific domain of ethnomusicologists. With the birth of classical electronic music, musicology has suffered a vast earthquake from which it has been unable to rise from. In fact, all the classical methods of analyzing music – always centered on the musical score – fail when confronted with an apparently infinite universe, for which there is no score, but only sound.

In electronic music, sound itself is always the basis for composition, since it is irreplaceable and unique, unlike an “A” notated in paper, for Oboe, which can be played by any oboist in the world. This situation is very much as the ancient times, when a systematic notation for sounds was not developed yet. However, the new electronic art of sounds is not a setback, but instead a reunion.

Since classical musicology (or even ethnomusicology) has been completely shredded by the aesthetic revolutions of the XXth century, including electricity, it seems that now is a fantastic opportunity to rethink and rebuild these fields of study by incorporating a wider and more contemporary view, which could be consistent with the current scientific thought.

Ibn al-Haytham made important contibutions to the scientific method in general, and specifically in the fields of optics, astronomy, mathematics, philosophy, and so on. While modern day science focuses mainly on reductionist approaches, leading to super-specialization, al-Haytham studied the world as a whole as much as possible. From this point of view, it it quite natural to ask if the instinctive foundations of music that all humans share could also be found, to a large degree, in other life forms, such as animals.

According to François-Bernard Mâche: “If it turns out that music is a widespread phenomenon in several living species apart from man, this will very much call into question the definition of music, and more widely that of man and his culture, as well as the idea we have of the animal itself. [1]

II.       Fundamental axes

A.   Myth: crossing nature & culture

For Claude Lévi-Strauss [2], the passage from the raw to the cooked was just a pretext for studying a much wider context, namely, the transition from nature to culture in it’s early stages. Hard as it may seem to the contemporary mind, there were perfectly reasonable interpretations of the world before the rise of western scientific rationality. These other modes of thought can be said to be mythological. The myth provides a complete Weltanschauung.

Perceptions are constantly entering our sensory organs, many of which do not “rise” to the conscious level. This implies that they must be processed by some other structure of the psyche: the unsconscious, which can influence the whole. As Jung has theorized, the collective unconscious exists not just in humans, but in all life with nervous systems.

In addition to external perceptions, imagination acts from inside – not in the world of experience, but in search of conditions for the possibility of existence.

Mythic music is rooted in the quest for other modes of thought, perpendicular to western rationality. It’s main premise is that “music is a cultural construct based on instinctive foundations, with myth functioning as a substitute for, or as a mental projection of instinct” [3].

Mythic music assumes mythic archetypes (much like the archetypes of Jung) – universal models that flourish from a spontaneous function of the mind. A very clear case of crossing nature and culture is to consider the case of natural harmonics. On one side (nature), the ears themselves generate aural harmonics, for any frequency. On the other (culture), most orchestral instruments are built on harmonic series. According to Henry Cowell, the progression of the history of music has been to emancipate more and higher natural harmonics, from Gregorian chant to dense piano clusters. [4]

B.   Sound – Music – Language

For musical semiotics to exist, it is not compulsory to assume that music is a language, as long as one can show that music functions as a language. This was demonstrated, for example, by musicologist Jorge Lima Barreto [5].

Sound signals are sometimes studied from the point of view of communication, as simple variations of other systems. This hypothesis (Zoosemiotics), is generally accompanied by a rejection of the aesthetic hypothesis. However, from the point of view of Molino, there are three levels in the analysis of animal sounds ( poietic, neutral and aesthetical), of which the neutral is studied very little, although extremely connected to the notion of musical work. [6]

According to Giles Deleuze [7], one should not focus on a quest for “universals of communication”, as J. Habermas proposes. Art is resistance, and each animal has it’s own “affects”, to use spinozist terminology. And since there is no feeling without thought, and no thought without feeling, the perceptions/thoughts will be co-dependent on the force of imagination, acting on that psychic material.

If music is not assumed as a language but functions internally like one, there must be some instinctive agents, which operate to realize those kinds of structures. The assumption that music, although not being a language, is structured like one, is much like assuming the collective unconscious. We assume a bridge between nature and culture, a continuum in which all life has psychic roots.

III.      Zoomusicology

Zoomusicology fully accepts the aesthetic hypothesis of animal sound emission. This implies a radical redefinition of the concept of music, as well as the concept of art and life itself. The anthropocentrism, which we inherited from ancient Greece and further from Catholicism, must be abandoned in favor of mythologies that place life (in general) and consciousness (not just human) as a very special phenomenon in the universe. The “observer effect” is well established in Quantum Mechanics. In music, the same thing happens: in it’s aesthetics, it depends on a large degree on the multitude of interpretations of an external observer. This polysemy is essential.

A.   Random Zoomusicological Remarks (from F.B Mâche [7])

– The ratio of songbirds to the total number of bird species is 50-100 times higher than that of professional musicians to the total population of France.

– Male spiders of the species Lycosa engage in complex drumming on dead leaves to attract females.

– The musical structure, memory and imagination of some animals is highly complex. The marsh warbler, for example, can fluently imitate about forty other species. It also combines this knowledge to create new song models, which bear no resemblance to the material on which they are based.

– Male spiders of the species Lycosa engage in complex drumming on dead leaves to attract females.

.

REFERENCES

The main source for Zoomusicological studies is the book Music, Myth and Nature, by François-Bernard Mâche. / A principal fontepara estudosZoomusicológicosé o livroMúsica, Mito eNatureza,de François-Bernard Mâche.

[1] Mâche, François-Bernard, Music, Myth and Nature or The Dophins of Arion. Contemporary Music Studies: Volume 6. Harwood Academic Publishers1992

[2] Lévi-Strauss, Claude, The raw and the cooked: mythologiques vol. 1 University of Chicago Press, 1983

[3] Mâche, François-Bernard, Music, Myth and Nature or The Dophins of Arion. Contemporary Music Studies: Volume 6. Harwood Academic Publishers1992. Pg. 95

[4]  Cowell, Henry New Musical Resources. Cambridge University Press 1996.

[5] Barreto, Jorge Lima, Estética da Comunicação Musical – A Improvisação. Tese de doutoramento em Comunicação e Cultura, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2010.

[6] Nattiez, Jean-Jacques. Music and Discourse – Toward a Semiology of Music. Princeton University Text. 1990

[7] L’Abécédaire de Gilles Deleuze (Documentary Film). Interviews by Claire Parnet. Director: Pierre-André Boutang. La Femis/Sodaperaga Productions. France. 1996

[8] Mâche, François-Bernard, Music, Myth and Nature or The Dophins of Arion. Contemporary Music Studies: Volume 6. Harwood Academic Publishers 1992.

.

* Essay by João Manuel Marques Carrilho (Jonas Runa) – Universidade Católica Portuguesa – CITAR: Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes

jonasruna (@)gmail.com

Draw: François-Bernard Mâche score “Singing of a Lark”.

.

.

Zoomusicology – The wisdom of living sound

(part II)

Essay by Jonas Runa*

machepeq© François-Bernard Mâche

.

IV. ZooEtnoMusicology

At the beginning of this work, we defined Zoomusicology as the (human) reflection on the musical phenomenon, when applied to non-human animals. For this, it was necessary to assume the so-called “aesthetic hypothesis”.

In fact, there is no gap between the creativity of Nature and mankind; the degree of virtuosity found in the songs of certain birds is a paradigmatic example of extra-human sound emissions that are beyond any “merely” communicative function.

We have presented the concept of Zoomusicology anchored in the thinking and music of the composer François-Bernard Mâche, for fundamental reasons in the theorizing of any art; To develop a theory of music that is not rooted in an aesthetic that stimulates music itself is to mistake artistic stagnation with the multicolor mobility of thought.

Music is a congregating process of perception, sensibility, reason, feeling, and all functions of the psyche. As such, it is able to bring together diverse intellectual perspectives: such polysemy is inherent to the musical richness in itself. Thus, we can approach music as a phenomenon which is artistic, physical, sociological, philosophical, biological, oneiric, unconscious…

Additionally, the flourishing of the Ethnosciences (including ethnomusicology), cognitive anthropology, cultural relativism (e.g. Franz Boas), and so on, demonstrates the need to include non-Western perspectives in (zoo)musicological studies. That’s exactly what Jorge Lima Barreto did, when he introduced the term ZooEtnoMusicology in a separate chapter of his doctoral thesis “Aesthetics of Musical Communication – The Improvisation”.

Firstly, JL Barreto exposes the art of sounds in it’s traditional conception: “We would say that music is natural and explicit sound matter – opposing to it the singing of birds, which is an implicit and natural sound field.” [1].

But then the question arises:

Could it then be said that the singing of birds (a complex form of sound organization) is music? – Since these sound fluxes imply a highly formalized systematization in terms of rhythms, pitches, intensities, dynamics and timbres; melopoeia of the howling wolf, the modulations of whales or the Sibylline speech of the most exotic insect; An ethologist, as a student of animal behavior, might have said more: that these forms of acoustic combo convey a sense, emit codifiable signs, denote multiple meanings, expressing satisfaction (the barking of a dog, monkey percussions) transmitting precious message (Bee buzzes to indicate the proximity of an enemy, the alarm call of a bird conducting a strategic retreat of his group) “[2].

Indeed, the relentless pursuit of F.B. Mache towards universal sound models (which led to “mythical music”), already implied, in essence, an opening to non-Western perspectives. We recall the fundamental premise that music can serve as a bridge between nature and culture. To assume the myth as a universal archetype implies the willingness to relativize our interpretation of both Western science as well as “Primitive”, Amerindian, Mayan, Egyptian, or Sumerian thought.

Consider a specific musical archetype: a sequence of sounds which speeds up (and / or decelerates), optionally accompanied by a corresponding rise and / or fall in pitch. The universality of the archetype does not require it to be found in all existing musical expressions. However, it is easy to observe its abundant presence among birds, as demonstrated Mâche [3].

Rhythmically, this motif is spread in the ethnographic music from around the planet. It can be heard, for example, in drums of Kutyattam (the earliest form of theater is still active) in Kerala, India. The drums accelerate to introduce the gods, or in dialogue with them.

It was also from the rhythmic acceleration of a set of impulses that K. Stockhausen demonstrated, in the work Kontakte, and using electronic media, that there is a continuum between the perception of “rhythm” and “pitch”. Initially, the sound pulses are heard as individual entities, which mean that the perception focuses on the pace: the rhythm. When the pace is too fast for perception, the sound that emerges is steady, and will have a constant pitch if the rhythm (inaccessible to consciousness by its speed) is regular.

Thus, an ancient elemental archetype transformed into one of the most advanced theories of contemporary music, the new temporal morphology of Stockhausen, which states that time unifies all areas of music perception: rhythm, pitch, timbre, form and space.

In short, we postulated that a psycho-musical substructure probably exists in the collective unconscious, participating in the constitution of “instinctive basis of music.” Coherent with with this line of thought, JL Barreto writes:

“Primitive music is a field of desire and the unconscious. (…) The musical sensibility is not just a specific form of organization of the auditory world, it presents itself as a privilege, rare and precious, of its fruition.
 (…) gesture and sound mimesis; reminiscence that organizes and materializes as a real form. Remembering the sound naturalness, man returns to the natural past; In music, man allegedly found the absolute of Nature “. [4]

According to Mircea Eliade, the sacred is not a state of mind, but a constitutive element of consciousness itself. The “Absolute Nature” reveals the existence of an infinite variety of hierophanies – a term which the author defines as any manifestation of the sacred (e.g. Stones, Water, Sun, Moon) – which can also have a sonic or musical nature. Eliade explicitly warns against the mistake of reducing to “animism” and “totemism” the complexity of the perception of the sacred in the most primitive peoples. [5]

In the case of khomus music (jew’s harp), from the Republic of Yakutia, Siberia, the musical mimesis of animal sounds is common: from singing larks and cuckoos to galloping horses, including also the imitation of natural sounds, like drops of water. The shaman goes directly to the animal or vegetable “psychic-groundwork”, healing the spirit of those who hear him. In Yakutia, most children play the khomus. There is a widespread myth that the khomus will hereafter unify all mankind, while preserving the identity of each individual expression.

As is known in ethnomusicology, certain tribes practice “music” (in our western conception), without having a specific terminology. This finding is consistent with the assumptions made, and encourages the study of animal sound-emission from an aesthetic standpoint.

In essence, music depends on a revolution in continuity, as suggested poetically by JL Barreto: “Music is not in Nature; however, it comes out of nature, it emerges naturally from Nature. This is why music and (sound) Nature are not oppositions, but complementarities; they are not contradictory, but concomitant.” [6]

V. Ecomusicology

We can ally ourselves with one of the legitimate descendants of Gregory Bateson, Francisco Varela, who stated that “evolution” does not address the adaptation of beings to their environment, but the fact that the bee dreams with the flower, and the flower dreams with the bee. [7]

Obviously, dreams can be nightmares, and it was precisely the consciousness that emerged after Auschwitz witch made the new European art music dream – from the “emancipation of dissonance” in Schoenberg to the symphonies of repetitive clusters of Galina Ustvolskaya. The world is not the same when some Hitler or Mussolini are in power. In a famous remark of Karl Popper: “After Hiroshima, time can not be considered illusion.”

Unlike a human being that can live immersed in an infinite virtual world such as the internet, animals show, in general, a constant attention to everything around them, knowing that nature is not, by nature, just smooth.

Where are the harmony, symmetry and perfection in the case of a hurricane? Where is the peace or any other Apollonian ideal in the midst of earthquakes and tsunamis that kill millions of animals and vegetable beings? Or in explosions of galaxies that exterminate life still unknown to us? Given a famous devastating hurricane, thousands and birds and many other animals had the intuition to escape in time, at the same time as thousands of other humans succumbed to the catastrophe, despite possessing the latest technologies…

To say that evolution addresses the fact that the bee dreams with the flower is to assert lapses of consciousness between illusions.

In the XXIst century, a new discipline emerged: Ecomusicology, encompassing all disciplines of classical musicology (historical, analytical and critical branches), as well as ethnomusicology and even (potentially) zoomusicology. Ecomusicology is based on the application of “eco-critical thinking” to traditional musicology, operating in the interdisciplinary complexity between “music, culture and nature” [8]

Ecomusicology is not a “musical ecology”, just like Zoomusicology is not a “musical zoology”. This point, apparently subtle, is essential for any musicology: It is the function that creates the structure and not the reverse. When Xenakis used probability theory in music, he did not revolutionize the mathematical theory, but the musical aesthetics.

For creating some works, the Italian composer Marco Stroppa used as the basis of thought the concept of “Musical Information Organism” applying ideas of cognitive psychology, sociology, biology, and so on. He did no study sociology of music in the classical sense, but rather the “sociology of sound organisms.”

While John Cage claimed that composing, listening and interpreting a piece of music are absolutely distinct, separable and unrelated, Charles Seeger (important figure in the musical “ecocriticism”), advocated a nuclear link between these same activities. [9]

The importance of Seeger is, as stated by Bruno Nettl, his vision of an interdisciplinary musicology built of communicating vessels. But this diagonality should always give a new life to the music itself. To bear fruit in the aesthetic-musical level, Ecomusicology should permanently question its heritage – the traditional musicology; It should listen to the silence of Cage or Edgard Varèse’s teachings: “music is the ccorporealization of the intelligence that is in sound”.

To assume that there is intelligence in sound itself is much more radical than the Zoomusicology of Mâche, or even that zooetnomusicology of Jorge Lima Barreto. However, it could serve as a basis for future ecomusicological investigations.

Ecomusicology should clarify points of contact and to what extent it differs from the “Acoustic Ecology” of R. Murray Schafer, Barry Truax, and all composers / researchers working dedicatedly in the World Soundscape Project in Canada.

The mythic music of Mâche justifies zoomusicology artistically, just like the soundscape compositions of Murray Schafer and Truax justify their “Acoustic Ecology” theories. Likewise, Ecomusicology “composers / theorists” should be able to mirror the richness of eco-critical thought to the problems of musical aesthetic.

On the other hand, both Ecomusicology and Zoomusicology should be distinguished from Biomusic. As a contemporary experimental aesthetics, Biomusic assumes the sounds produced by non-human beings as musical material forming the basis for composition. (You can also include the sonification of brain waves of humans or other animals, the sounds of the heart, stomach or any other organ…).

Biomusic represents an authentic aesthetic research, particularly at the level of musical material. Reverse, for example, is the case of New Age: superficially connected to the new “ecological awareness”, this genre is practically nil from the aesthetic point of view; Their sweet melodies, meditative look, lapping streams or shimmering gold on blue birds are parading endless hours – “ambient music” that is not truly in symbiosis with the creativity of nature: irregular, untimely and unpredictable.

There is an essential difference between an elementary chemical reaction caused by human, and the electrochemical reactions that occur in the brains of living creatures, connected to cognitive processes. The difference is in the degree of temporal autonomy, much larger in the case of life due to a memory and wisdom transmitted in multiple and multifaceted generations.

Life can be conceived as a structure far from equilibrium, which acts in the world of irreversibility. From Aristotle’s time – “the number of movement according to before and after”, we evolved to Kantian time: time ceases to be subject to movement; it is movement that is time-dependent. This reversal is revolutionary, and helps to clarify the issue of temporal autonomy, which is essential for life in general, but also for music in particular.

VI. Zoomusicological Analysis

The previous two chapters (Zooetnomusicology and Ecomusicology) are important for locating and contextualizing zoomusicological area of research.

We now continue with the presentation of specific assessment tools:

jonas1image© François-Bernard Mâche.

Figure 1 : Singing of a lark

This picture, authored by F.B. Mache, is almost indistinguishable from a musical score. The horizontal axis represents time, and the vertical axis, frequency. However, the figure represents a chant of a lark analyzed with techniques inspired in structural linguistics and particularly Z. Harris distributional analysis. [10]

A distributional analysis assumes that each unit has a characteristic distribution. Is linked to structuralism and generative grammars.

Following this methodology, F.B. Mache finds a remarkable parallel between the art of juggling with several melodic patterns in the case of certain animals and the rhythms of Stravinsky. Sometimes a Nightingale uses three melodic motifs, reiterating one of them more often. A similar procedure can be found in the Rite of Spring, whose structure FB Mache be revealed, from bars 142-144:

            A B A B A B B B C A B B B B C A B A

       .

REFERENCES

[1]    Barreto, Jorge Lima, Estética da Comunicação Musical – A Improvisação. Tese de doutoramento em Comunicação e Cultura, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2010. Tomo 3: do símio ao robot – ZooEtnoMusicologia

[2]    Ibid.

[3]    Mâche, François-Bernard, Music, Myth and Nature or The Dophins of Arion. Contemporary Music Studies: Volume 6. Harwood Academic Publishers 1992.

[4]    Barreto, Jorge Lima, Estética da Comunicação Musical – A Improvisação. Tese de doutoramento em Comunicação e Cultura, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2010. Tomo 3: do símio ao robot – ZooEtnoMusicologia

[5]    Eliade, Mircea. Tratado da História das Religiões Edições ASA. Pg. 32

[6]    Barreto, Jorge Lima, Estética da Comunicação Musical – A Improvisação. Tese de doutoramento em Comunicação e Cultura, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2010. Tomo 3: do símio ao robot – ZooEtnoMusicologia

[7]    Varela, Francisco. monte grande (Filme). Realização: Franz Reichle. 2004

[8]    The Grove Dictionary of America Music. Oxford University Press 2013

[9]    Seeger, Charles. Harmonic Strucutre. Berkley 1916

[10]  Mâche, François-Bernard, Music, Myth and Nature or The Dophins of Arion. Contemporary Music Studies: Volume 6. Harwood Academic Publishers 1992.

.

* Essay by João Manuel Marques Carrilho (Jonas Runa) – Universidade Católica Portuguesa – CITAR: Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes

jonasruna (@)gmail.com

Draw: François-Bernard Mâche score “Singing of a Lark”.


tumblr_inline_mgs5zfifZt1rcq5qi

.

zoomusicologia / zoomusicology

Todas as gravações analógicas arquivadas na Biblioteca Macaulay do Laboratório Cornell de Ornitologia e que remontam a 1929, foram digitalizadas e podem ser ouvidas em www.MacaulayLibrary.org

É o maior arquivo sonoro de sons naturais com cerca de 9000 espécies representadas e cerca de 7,513 horas de gravação.

All archived analog recordings in Macaulay Library archive at the Cornell Lab of Ornithology going back to 1929, have now been digitized and can be heard at www.MacaulayLibrary.org

.

.

.

Leave a comment