ecocinema

português / english

.

.

virino kaj naturo#

eco-ópera filme concerto, Ilda Teresa Castro e Vítor Rua

(dossier de trabalho – no. XIII . 2023-2024)

Mulher & Natureza e os Cinco Pontos Cardeais do Antropoceno_Capitaloceno – Mindwalk, Bernt Capra (1990), Mad Max: Fury Road, George Miller (2015) / Women & Nature and the Five Cardinal Points of the Anthropocene_Capitalocene – Mindwalk, Bernt Capra (1990), Mad Max: Fury Road, George Miller (2015), Ilda Teresa Castro

(ensaio / essay – no. X . 2018-2019)

Cinema e Procura: Uma Natureza no Som e Visão de Werner Herzog / Cinema and Seeking: A Nature in Werner Herzog’s Sound and Vision, Maile Colbert

(ensaio / essay – no. IX . 2017-2018)

A Poética da Memória: Lembrando Kurdi enquanto Ecodocumentário / The Poetics of Memory: Remembering Kurdi as an Ecodocumentary, Rayson K. Alex

(ensaio / essay – no. VIII . 2016-2017)

A akam do Quadro Cinemático: Questões Emergentes nos Estudos Indianos em Ecocinema / The akam of the Cinematic Frame: Raising Questions on Indian Ecocinema Studies, Rayson K. Alex

(ensaio / essay – no. VII . 2016)

.

.

virino kaj naturo#

eco-ópera filme concerto 

por ilda teresa castro e vítor rua*

.

O enquadramento socio-cultural desta ópera vem ao encontro da premente necessidade de diálogo e de intervenção sobre duas das questões mais delicadas e urgentes da actualidade: a precariedade ambiental planetária e a precariedade da situação do género feminino. 

Se, relativamente à primeira, nos últimos anos têm sido disseminadas importantes informações e tentativas de acção transformadora em cimeiras internacionais, mormente os parcos resultados alcançados até ao momento, no que respeita à segunda, os esforços encetados desde o séc.XVIII apresentam uma evolução deficitária inexplicável. 

Hoje, em pleno séc. XXI, nos países ditos desenvolvidos, as mulheres ainda são preteridas nos seus salários em relação a homens com as mesmas habilitações e responsabilidades, estão em número extraordinariamente inferior na ocupação de posições de destaque na vida política, económica, social e cultural, e, em algumas zonas geográficas do mundo, estão sujeitas a abusos e violações extremas dos seus direitos humanos em total impunidade.

.

virino_ecard

ante-estreia na Sala Mário Viegas do Teatro São Luiz_7 setembro 2023_19h30

.

sinopse

De um ponto de vista literário e dramatúrgico, partindo da obra e figura da escritora, ambientalista e ecofeminista Françoise d´Eaubonne, virino kaj naturo# apresenta o controverso paralelismo entre a subjugação e manipulação da situação feminina, e o domínio e instrumentalização da Natureza. Estruturada nas fontes históricas desenvolvidas pela autora em Le Féminisme ou la Mort, (1974) e em Écologie et Féminisme: Révolution ou Mutation, (1978), esta ópera expõe um conjunto de argumentos e fundamentações de inequívoca actualidade volvidos cerca de cinquenta anos. 

De um ponto de vista também explicitamente cénico e que reforça a dramaturgia, introduz as perspectivas ecomulheristas africanas de Barbara Smith, Alice Walker e Clenora Hudson-Weems, perfazendo um percurso histórico e socio-filosófico até ao momento actual, com o Black Feminism e o Black Lives Matter, criados e liderados por mulheres afro-americanas.

Virino Kaj Naturo, significa Mulher e Natureza, em Esperanto, uma língua criada em 1887 para ser uma língua franca internacional para toda a população mundial. Esperanto, significa, aquela ou aquele que tem esperança.

#virino kaj naturo”, é um grito Ecofeminista e Ecomulherista, pela sustentabilidade ecológica e pelos direitos humanos da Mulher!

enquadramento e detalhe

O termo “ópera”, que na sua origem significava um espectáculo de divertimento palaciano, depois sinónimo de tragédia lírica, é cada vez mais controverso após Kagel ter anunciado a morte da ópera. 

Para Stockhausen, o termo substitutivo era “música de cena”; para Kagel, “teatro musical”; Philipe Glass e os pós-modernistas mantiveram o termo “ópera”. Mas aqui, em virino kaj naturo#, o compositor Vítor Rua, assume uma posição etnográfica e poética em relação ao termo Teatro Musical: 

recorre ao estereótipo da “ópera bufa”, com emprego trivializado de diálogos e solos fora do recitativo da ópera dita “séria”; insinua uma “ópera poética”, que, por seu turno, era uma comédia lírica entre o cantado e o falado; desenvolve uma peça fantasista, poética e dramática, reminiscente da “opereta”, uma forma ligeira e sentimental que visa o grande público. 

Dando ênfase à parte instrumental, numa postura vanguardista, multiplica os diálogos e assume mesmo uma noção desconstrutiva do “teatro musical”. A adjectivação “poética-musical-dramatúrgica” é a designação mais apropriada, pois o compositor inscreve alternâncias de solistas e grupos, instrumentalistas, cantoras e performer, onde a frase falada/sussurrada/cantada é de certa forma anunciada pela frase musical e instrumental.

Um teatro musical, que está fixado numa partitura e num texto escrito, não depende dos seus intérpretes – ele é escrito abstractamente para qualquer intérprete que ulteriormente a execute ou represente – porém, em virino kaj naturo# há uma escrita aberta ao idioleto dos/as solistas, no caso dos/as instrumentistas, através de uma escrita próxima da Música Intuitiva. 

As personagens fazem parte dum imaginário esquizo, são representações e simbolizações sociomusicais enredadas num mundo satírico corrupto, bizarro, assombrado pela ironia, despidas, comprometidas na simplicidade do senso comum, presentes na escrita descritiva de cenários contemporâneos. 

O guião é baseado em textos do livro de Ilda Teresa Castro, Ecofeminismos e o ecofeminismo da bruxa – cinema e ecologia (2023), que surgem encadeados numa narrativa imaginária criada por Vítor Rua e Ilda Teresa Castro.

A escrita musical e vocal de virino kaj naturo#, cria modelos de procedimentos comportamentais. Para esta actualização estética, Vítor Rua formula várias estratégias de dispersão, marginalização, paródia, inovação, transgressão e fragmentação; a par de estruturas independentes — e.g. o sussurrar burundiano — que, num certo sentido, se identificam com o equívoco estético da tardo-modernidade, onde o referente é arbitrário, subsumido no poder da recombinação e da recontextualização. 

O idioleto, ou seja, o discurso singular e privado dos instrumentistas, na sua função esquizóide, impõe o seu selo a toda a sintomatologia, exibe um código, privado e independente, de um só locutor, emerge da significação catártica da experiência musical.

Este teatro musical transformado em filme, pondera uma questão controversa, não se constitui como um regime idiomático — como o fará, a título de exemplo, a ópera clássica romântica. A variação e a multiplicidade idioletal, torna insusceptível qualquer classificação estilística e tipológica unívoca, pois é uma montagem heterofónica. É um fluxo musical descontínuo e desconstrutivo, com diferenciadas frentes idioletais e idiomáticas.

.

colocar buraco por baixo do centro

escultura de Rui Chafes

.

metodologia

A estratégia de cativação de público é estruturada em 3 grandes factores. 

O primeiro, o facto desta obra ter como grande originalidade uma nova forma de escrever a música para a parte instrumental, baseado nas “text compositions” da música intuitiva de Stockhausen. Usar os músicos intérpretes com a sua própria linguagem (e idiossincrasia) e não “subordinados” aos predicados estilísticos do compositor, é algo de verdadeiramente inovador e criativo. Ainda mais original é o uso ocasional da improvisação no estilo musical operático em que tudo costuma estar definido e pré-estabelecido. Assim, esta “liberdade” dada aos intérpretes, irá beneficiar a qualidade interpretativa desta obra, uma vez que traz a experiência musical dos/as intérpretes músicos e músicas, para a estrutura composicional. 

O segundo, é a quase ausência do Bel Canto ou pelo menos a sua utilização sem o sentido que lhe era atribuído na época em que foi criado e desenvolvido, recorrendo aqui o compositor a técnicas extra-europeias vocais, e entre a elas, o sussurro do Burundi ou o canto Tuva — entre outras técnicas vocais de carácter extra-europeu. 

O público desta ópera tem contacto com outras formas de cantar, sem serem as tradicionais formas ocidentais escutadas vezes sem conta nestes contextos — e geralmente sem qualquer sentido de originalidade — limitando-se a fazer ou criar, o que já foi feito há séculos por outros compositores. 

Será dada oportunidade ao público de usufruir de novas técnicas vocais que de outra forma lhes estariam interditas, quer neste tipo musical quer mesmo noutras tipologias musicais.

O terceiro, tem a ver com a pertinência e actualidade da escrita de Ilda Teresa Castro, cujo libreto se foca em questões prementes da contemporaneidade. Esta é uma narrativa dramatúrgica que evoca domínios filosóficos e intervenção socio-política, de envolvência transnacional.

arte

De um ponto de vista cénico, composicional, instrumental e vocal, utilizando métodos e técnicas pouco ortodoxas, esta ópera traz também uma nova construção operática, quer a nível vocal quer a nível instrumental, através de novas concepções estruturais e composicionais, quer na interpretação musical ao vivo de Ilda Teresa Castro e Vítor Rua, que acompanha a exibição da ópera filmada em filme-concerto. 

Embora realizada em diferentes cenas e actos, estes surgem interligados entre si, como se de uma suite se tratasse, numa espécie de “Ordem Zero de Markov”, em que os módulos se seguem, sem que aparentemente exista uma relação estrutural. O uso deste tipo de técnica composicional é inovadora e só tem precedentes em raras obras do compositor Karlheinz Stockhausen, na sua ópera Licht, que demorou 30 anos a ser concluída.

É assim que, num sentido nada convencional, virino kaj naturo# desvia o sentido da doxa, combina morfemas variegados, retalha grafismos, quase ignora o Bel Canto, uma antropologia vocal e desenha um patchwork de notações inabituais, de carácter primacialmente acústico, embora inclua o sampler como instrumento duma “plunderfonia”.

Firma-se aqui a convicção de que o conservatorial, o academismo, o esparramar de ideias comuns ou de propaganda camuflada pelo eruditismo, se tornou socialmente uma expressão compulsiva. Já opostamente, na obra aberta, dispersa-se o pulular de signos numa heterofonia governada por condutas instrumentais e vocais, na desconstrução dos sistemas e dos idiomas. 

Esta é uma obra que representa a liberdade e originalidade de um estilo musical antigo, na qual as sopranos-intérpretes e performer desenvolvem um jogo de relações psicológicas e sociais actuais, acrescido da performance musical alive, de Vítor Rua e Ilda Teresa Castro, em cada nova exibição da ópera filmada em filme-concerto.

.

azul

escultura de Rui Chafes

.

objectivos

No modo dramatúrgico, o projeto providencia através de uma narrativa acessível, informação critica e histórica sobre o Ecofeminismo e o Ecomulherismo — também nas suas mais recentes expressões —, com o objectivo de contribuir para o debate e consciencialização sobre o cruzamento entre a defesa da sustentabilidade ecológica e a defesa dos direitos humanos das mulheres. 

Simultaneamente, esta proposta pretende trazer algo de novo ao género musical operático, com base nas originalidades que sustenta ao nível instrumental, vocal, na interpretação da narrativa e musical performativo.

Este teatro musical de Vítor Rua, dá seguimento à obra que tem desenvolvido neste género musical desde a sua primeira ópera Uma Vaca Flatterzung (estreia na Culturgest, Lisboa, 2009) e tal como na sua anterior eco-ópera em colaboração com Ilda Teresa Castro, Descartes Nunca Viu Um Macaco (estreia no Jardim do Almirante dos Reis, Funchal, 2017), prima pela intervenção artística e socio-cultural. 

Em primeiro lugar, a nível instrumental, tem várias originalidades: além de viver da música escrita, também incorpora a improvisação estruturada, bem como composições textuais, dentro do estilo da música intuitiva stockhauseniana. 

De um ponto de vista cénico, os/as intérpretes/improvisadores/as e performer, acumulam as funções de actores/actrizes e músicos/músicas. Porém, representam-se a si próprios em vez de estarem subordinados unicamente a uma partitura. Isto, porque escrever em partitura as respectivas acções performáticas e musicais seria um pleonasmo, já que, o que lhes é pedido, é que sejam eles/elas próprios/as: interpretam-se a si mesmos, usando o autor as idiossincrasias das personalidades escolhidas para esta obra.

A nível vocal esta ópera quase abole o uso da técnica do Bel Canto, porque para o autor, esta deixou de fazer sentido na actualidade, tal como para o compositor Steve Reich, que numa entrevista que lhe concedeu, refere: “Actualmente existe uma coisa chamada microfone que torna obsoleto o Bel Canto, que tinha como objectivo a projecção vocal em palco com orquestras”. O compositor, irá apresentar quase unicamente técnicas etnográficas vocais — como o canto sussurrado do Burundi ou técnicas do canto Tuva —, numa perspectiva que se pretende arrojada.

Este é também um fluxo de gestos criativos timbrados pelo humor e lirismo dentro da dinâmica Teatro / Música / Performance.

.

vkn 4

.

público-alvo 

O público-alvo será todo aquele que cultiva assistir à ópera e música contemporânea, cuja produção é escassa mas também o público que não costuma assistir a essa tipologia e que estas temáticas podem cativar. 

Numa visão global será todo o público interessado nas questões ecológicas e feministas, isto é, a comunidade alargada nas várias camadas geracionais, formativas e sociais. 

Também todo o grupo de pessoas que pretende assistir a teatro musical contemporâneo de produção quase inexistente. Por outro lado, tentará surpreender e cativar os que não costumam de todo assistir a óperas, quer contemporâneas, quer clássicas.

É nossa crença, que uma ópera deste tipo, captará e será capaz de uma fidelização de novos públicos — quer os que já vão a estes eventos, quer os que não estão habituados a os frequentar. Pretende-se ainda a captação de públicos de camadas jovens e o apuramento estético destes públicos, para o caso concreto da ópera que geralmente não preferem. Pretendemos, com as características acima descritas, alterar essa situação.

Esta obra terá assim como objectivos: 

— formar o gosto de um novo público e consolidar de um público já interessado neste género; 

— conseguir novos adeptos para esta tipologia musical, num público já habituado a consumir ópera clássica mas que mantém reservas em relação às óperas ditas contemporâneas — que muitas das vezes não conseguem captar um público habituado à ópera clássica, na qual não se abordam os problemas da sociedade dromológica em que vivemos; 

— captar a atenção de um público que normalmente não viria assistir a este tipo de obras, isto é, a fidelização de um público que não é assíduo deste tipo de obras — que poderá ser inclusive o das camadas mais jovens, geralmente mais orientadas para o Rock ou a Pop, e que com obras originais e inovadoras, possam ser cativados;

— responder a um público interessado nas questões ecológicas e feministas, constituinte de uma comunidade alargada dispersa nas várias camadas geracionais, formativas e sociais.

parcerias

A editora Asoka Records / Asoka Miau House Productions, edita o CD e o DVD de toda a peça — para divulgação nacional e internacional, bem como a apresentação em festivais e possíveis programas televisivos — e co-edita com Ilda Teresa Castro, o livro em que se inspira o libreto, Ecofeminismos e o ecofeminismo da bruxa – cinema e ecologia (2023). Este projecto contou com o apoio do Fundo Cultural da Sociedade Portuguesa de Autores.

A realidade destes tipo de objectos culturais, é notória quer em território nacional quer internacional, e possibilita uma divulgação futura maior desta tipologia musical.

É igualmente fulcral a presença de artistas como a performer Regina Frank, as cantoras Bárbara Lagido, Orlanda Guilande e Sara Ribeiro — que trazem, além do conhecimento vocal europeu ocidental, inúmeras técnicas vocais de outras partes do planeta, sendo esse ponto de importância vital neste projecto em que uma das intenções é a quase abolição do Bel Canto. E a de Rui Chafes — um dos expoentes máximos da escultura nacional e internacional que também já colaborou na ópera “Uma Vaca Flatterzunger” — na cenografia. 

.

orlande copy

.

conclusão

Assim, além do público presente nas apresentações ao vivo deste espectáculo, sublinha-se a abrangência a longo prazo deste projecto de ópera filmada / filme-concerto que inclui três importantes projectos associados: o CD com a banda sonora da ópera, o DVD, com o filme ópera e o livro, inspiração do libreto.

.

ficha técnica

Realização: Ilda Teresa Castro & Vítor Rua

Composição e Direção Musical: Vítor Rua 

Direção artística: Ilda Teresa Castro

Libreto: Ilda Teresa Castro

Produção: Vítor Rua & Ilda Teresa Castro

Encenação e Coreografia: Ilda Teresa Castro & Vítor Rua 

Cenografia: Rui Chafes

Performance: Regina Frank

Cantoras/Performers: Bárbara do Canto Lagido, Orlanda Guilande

Narradora/Cantora/Performer: Sara Ribeiro

Interpretação Alive Filme-Concerto: Ilda Teresa Castro & Vítor Rua

Asoka Miau House Productions

Portugal, 2023, 80

.

* Ilda Teresa de Castro é música, cineasta, artista visual, poeta, programadora e investigadora. Formada em Cinema e em Arte, Doutorada em Ecocinema e Ecocritica, Pós-doutorada em Arte e Ecologia. Ecofeminista e activista. Autora do libreto da eco-ópera Descartes Nunca viu Um Macaco (2017). O seu livro, Ecofeminismos e o ecofeminismo da bruxa – cinema e ecologia (2023), inspira o libreto de virino kaj naturo# e surge no seguimento do seu anterior Eu Animal — argumentos para uma mudança de paradigma – cinema e ecologia (2015). Autora dos ecofilmes Ecceidade, 12´, 2014; Herbarium, 16´, 2014; Vegetal Shadows, 12´, 2014; Diários de Uma Pesquisa, 21´, 2016; Ecocídio 11´, 2017; Hope Esperanza, 13´, 2018. Na música, integra as bandas Telectu e The Banksy´s, com Vítor Rua.

**Vítor Rua é uma das figuras-chave da música criativa portuguesa, com uma carreira cobrindo uma multiplicidade de estilos e idiomas, do rock (ele foi o fundador da banda GNR) para o minimalismo, folk, jazz, concreta, serial e para a improvisação Total (com os Telectu, seu duo com o pianista e musicológo Jorge Lima Barreto e na actualidade com Ilda Teresa Castro). Desde 1987, o seu foco incidiu na composição clássica contemporânea, seja com formatos de câmara (e com John Tilbury, Giancarlo Schiaffini e Daniel Kientzy, entre outros, como intérpretes) ou com um bom humor com a tradição da ópera (já escreveu sete óperas). É produtor, videasta, cineasta, artista plástico, poeta e investigador na área da etnomusicologia.

.

.

Mulher & Natureza e os Cinco Pontos Cardeais do Antropoceno_Capitaloceno

[1]

Mindwalk, Bernt Capra (1990), Mad Max: Fury Road, George Miller (2015)

por Ilda Teresa Castro*

 .

resumo: Algumas tendências ecofilosóficas, reconhecem o paralelismo entre o domínio da natureza feminina e o domínio da Natureza, enquanto registam o dualismo masculino-feminino, as repercussões do androcentrismo, e a cisão imposta pelo pensamento mecanicista na visão da interdependência do mundo natural.

No cruzamento do ecofeminismo com alguma produção ecocinemática, isolo convergências na relação Humano-Natureza e Homem-Mulher, na objectificação da Mulher e da Natureza, e uma estreita relação entre os feminismos ecológicos e uma ética do cuidado de abrangência mais-do-que-humana.

palavras-chave: ecocinema; ecofeminismo; Natureza; Antropoceno; Capitaloceno; androcentrismo; antropocentrismo; dualismo; mecanicismo; capitalismo

.

.introdução

As conexões entre a Mulher e a Natureza remontam a mitos cosmogónicos desde o Neolítico nas pesquisas de Mircea Eliade (1907-1986), quando as periódicas variações lunares associavam, numa mesma intuição e simbologia, a ligação bio-cósmica entre a fecundidade feminina, humana e não-humana, a lua, as chuvas e a vegetação. Na época glaciar, a espiral é um símbolo lunar que traça a analogia entre as fases da lua, as águas, a vegetação e a fertilidade das plantas e dos animais, incluindo a da mulher, que posteriormente acabará por ser também representada pela Terra-Mãe e pelas divindades agrárias. No dizer de Eliade, as sociedades agrícolas, estabeleciam um vínculo entre a fecundidade da terra e a da mulher − fertilizável − e entre o céu e o homem − fertilizador − repondo assim, no casamento humano, a antiga e primeira hierogamia: o casamento sagrado do Céu e da Terra. À fertilidade da Terra se conferia o primeiro valor de «vivo» e o binómio Homo-Humus espelharia o ciclo incessante entre o «vivo» e a Terra − ligando-a ao nascimento humano, da qual é a Mãe-Terra e à morte humana, num retorno à matéria, mater. Ligações que incorporam uma realidade distante. Contudo, a analogia entre a organicidade feminina e os fenómenos da Natureza – a maternidade e articulação natural dos ciclos de fertilidade feminina com os dos campos, da lua, das marés − é formalmente intuitiva e evidente.

Do ponto de vista cultual e religioso, estudos das origens históricas do patriarcado publicados por diversas autoras[2], comprovam a participação das tradições filosóficas e teológicas da Europa e do Mediterrâneo na justificação da dominação da Mulher e da Natureza. As culturas centradas na deusa-mãe Terra e na Natureza, foram substituídas pelo sistema patriarcal e militarista, valorizando o masculino, e trocados os símbolos religiosos e as normas sociais. Essa substituição minorou e desvalorizou quer o feminino quer o mundo natural.

Vénus de Willendorf

Por outro lado, certos cultos e práticas cultuais fundadas na Deusa-Mãe envolvem um entendimento espiritualista mais empático entre a mulher e a Natureza. Algumas autoras ecofeministas e teólogas cristãs[3] apontam a relevância do culto da Deusa-Mãe nas sociedades antigas sobretudo pela sua importância na formação de uma imagem bíblica menos imponentemente patriarcal. Com base nas conexões entre religião, cultura e perspectivas científicas, sublinham quanto o modelo mecanicista da ciência ocidental conduziu a ruptura entre o mundo material e o sagrado, com grande prejuízo para a mulher e o não-humano.

A propósito dos rituais praticados na Austrália aborígene, David Abram (n.1957) avança alguns dados que encontram aqui contexto. Refere o alto grau de diferenciação entre os rituais femininos e masculinos, e entre o conhecimento de que são detentores os homens e as mulheres. Uma maior protecção do conhecimento sagrado das mulheres e o facto de os primeiros etnólogos serem maioritariamente do sexo masculino – daí resultando uma maior dificuldade de acesso a esse conhecimento – terá conduzido o muito tardio reconhecimento, por parte destes não aborígenes, sobre o poder e a importância dos ritos femininos no interior das culturas nativas. Essa maior protecção do conhecimento feminino integrava uma maior resistência à mudança dos próprios cantos ritualísticos das mulheres do que dos homens. Outra diferença que salienta, é o facto de as cerimónias secretas dos homens se centrarem quase exclusivamente na renovação da vitalidade dos sítios e das espécies que festejavam, e as cerimónias fechadas das mulheres envolverem também a canalização do poder mágico desses locais, tirando partido do poder existente na terra para vários fins práticos. Tradições que, acrescenta, se estão a perder rapidamente sob a influência da civilização alfabética.

na iminência do Antropoceno_Capitaloceno

No início do séc. XX, Walter Benjamim (1892-1940) assinalava uma ligação entre a avidez técnica e económica, e a crise global do mundo natural[4]. Junger (1895-1998), Horkheimer (1895-1973), Heidegger (1889-1976), Marcuse (1898-1979) ou Adorno (1903-1969), assumiam posicionamentos convergentes. Anos mais tarde, Gregory Bateson (1904-1980), classificava de epistemologias erradas os modelos de pensamento que regem a contemporaneidade, apontando a desconexão que inscrevem na relação com o vivo e a impossível sustentabilidade que impõem no planeta. Pela mesma época, as abordagens científicas e filosóficas de Prigogine (1917-2003) e Stengers (n.1949), de Varela (1946-2001) e Maturana (n.1928), ou Margulis (n.1938) e Lovelock (n.1919), correlatavam perspectivas semelhantes sobre a ingerência humana no mundo mais-do-que-humano. Estas propostas foram mantidas nas margens do Capitalismo Mundial Integrado[5] e a resposta ecológica que este vem a exigir, remete para uma tomada de posição simultaneamente política, social e cultural, à escala planetária.

As principais linhas ecosóficas de As Três Ecologias (1989), de Guattari (1930-1992) — a ecosofia social, mental e ambiental — reorientam os objectivos da produção de bens materiais e imateriais, e destacam a produção de subjectividade, especificamente no conhecimento, cultura, sensibilidade e sociabilidade. Propõem uma revolução que englobe quer as relações de força visíveis em grande escala, quer os domínios moleculares da sensibilidade, da inteligência e do desejo, tomando em linha de conta a transversalidade dos factores envolvidos. A estas, acrescem as oposições dualistas presentes entre o Primeiro e Terceiro Mundo e nas relações homem-mulher.

Nestas primeiras décadas do século XXI, apesar das evidências climáticas factuais quotidianas que alertam para a falência da sustentabilidade planetária no modus vivendi e modus operandi instalado; e mormente a comprovação científica dos riscos em curso, e.g. também patente nos relatórios do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas − https://www.ipcc.ch/report/sr15], tarda a aplicação de medidas significativas locais e globais e, assiste-se até, à prossecução de práticas suspeitas sob jurisdição governamental – e.g. é o caso da intenção de fracking por parte do governo português na costa algarvia e interior do país.

Sob a alçada de vontades económicas e políticas, o negacionismo climático é a face mais evidente de  uma manipulação de interesses ambientais que tem viabilizado a continuidade das condições do sistema capitalista e dos fluxos de lucro instituídos – James Proctor chama de “agnotologia” “a produção deliberada de ignorância que funcionou maravilhosamente no caso do cigarro e do amianto e, com mais resistência, no dos campos de concentração durante a Segunda Guerra.”[6] A par do negacionismo que promove e sustenta, esta manobra de conveniências explora a imagem e marca eco com artifício e embuste.

Simultaneamente, a iminente classificação do Antropoceno[7] e as manifestas alterações ambientais cuja gravidade não é possível disfarçar, conduzem reflexões, práticas e discursos. Posicionamentos cívicos, éticos, políticos, científicos e artísticos emergem face a um quotidiano que se torna prova e testemunho. Neste panorama, os domínios da ética animal e da ética ambiental contaminaram diversas sub-áreas, dos estudos críticos animais aos estudos de plantas, da ecosofia à antrozoologia e, gradualmente, associaram os da literatura — que fundara o ecocriticismo — e os da ecoarte e da bioarte, do ecocinema e do ecomedia.

De certo modo, o ecocriticismo que a partir da literatura contaminou as outras práticas, providenciou ancoragem para a reflexão artística sobre a Natureza dentro da academia e para a emergência dos estudos filmicos ecocriticos. No domínio audiovisual, o ecofilme emerge em obras ficcionais, na reportagem e no documentário ou mesmo em registos diarísticos e do quotidiano, disseminados em canais como o vimeo e o youtube. Como resultado, o envolvimento dos media tecnológicos no processo de informação, denúncia e sensibilização, mantém em circulação a problemática ecológica quer nos meios de difusão tradicionais das salas de cinema e televisão, quer nos mais recentes gadjets e sistemas de acesso a conteúdos da internet, com impacto significativo nas redes sociais.

Porém, títulos como Natureza e trans-humanismo; pós-humanismo e máquina; pós-humanismo e mundo natural; capitalismo verde e ecomodernismo, denunciam derivações de um território cujas fronteiras se encontram em definição, como em definição se encontra o ethos do mundo natural sob o olhar humano. Latour (n.1947), sugere que se esqueça a palavra Natureza[8] e questiona a eficácia da distinção entre o que é natural e o que não é natural, num mundo em que as leis da Natureza se transformaram, sobretudo, em leis da economia. E De Waal (n.1948), desenha duas perspectivas acerca do panorama filosófico actual no que respeita à moralidade humana numa explicação não teológica. Uma perspectiva unitária que denomina de Evolução Ética (Evolution Ethics) e, numa linhagem darwiniana, postula a continuidade entre tendências sociais animais e a moralidade humana, como sendo a evolução gradual de uma transição do animal social para o animal moral. E uma perspectiva dualista que designa de Teoria Veneer (Veneer Theory), cuja origem posiciona em Huxley (1894-1963) e enquadra teóricos como Dawkins (n.1941), Williams (1926-2010) ou Wright (n.1957), os quais opõem a cultura à Natureza e os humanos aos outros animais. Estes entendem a moralidade como uma opção humana, estabelecida numa transição do animal amoral para o humano moral.

 uma filosofia verdadeiramente masculina

A oposição da cultura ao mundo natural que remonta ao dualismo cartesiano, ecoa na retórica de legitimação do controle da Natureza usada por Francis Bacon (1561-1626), que o filme Mindwalk, de Bernt Capra (1990)[9] comenta.

© Mindwalk, de Bernt Capra (1990)

Numa sala de tortura da abadia do Mont-Saint Michel, uma cientista especializada na teoria do campo quântico, rememora os julgamentos de bruxas no reinado de Jaime I: “Quando mulheres eram torturadas por usarem medicina popular, adorar deusas pré-cristãs ou somente por serem estranhas! Não penso que Bacon tenha usado metáforas quando escreveu que a Natureza devia ser caçada, metida a trabalhar, escravizada.” E prossegue: “Ele até disse que os cientistas com os seus aparelhos mecânicos a deviam torturar para obter os seus segredos. Reparou no modo como ele se refere à Mãe Natureza como mulher? Como se ela não passasse de uma bruxa? Sim, é correcto dizer que esta sala representa uma crise da percepção.” Em resposta, um ex-candidato à presidência dos EUA e agora candidato ao Senado, contrapõe o facto da sala ser anterior a Bacon e a Descartes e remete a violência e a exploração para domínios independentes da percepção humana. Mas a cientista interroga: “a ciência moderna, a tecnologia, os negócios, não fizeram o que Bacon sugeriu? Torturar o nosso planeta? Não é a velha ideia patriarcal do homem a dominar tudo?”.

E o político evoca, então, a possibilidade de serem as recentes mudanças climáticas meros fenómenos cíclicos dissociados da histeria que provocam e formula a hipótese de a Natureza ter capacidade para suportar tudo isto e muito mais. Obtém como resposta, ter sido essa exactamente a hipótese colocada em relação à Floresta Negra alemã, entretanto, mais de metade a morrer e a impossibilidade de se correr esse risco em relação à Natureza global.

O filme contrapõe ao paradigma mecanicista as abordagens científicas da teoria dos sistemas e a uma perspectiva ecológica superficial, as considerações da ecologia profunda sobre a ameaça humana no mundo natural. A visão parcelar e fragmentada do mundo é contraposta à interdependência holística do natural e do vivo: “Ver o mundo como máquina pode ter sido útil durante 300 anos mas essa percepção, hoje, além de errada, é verdadeiramente nociva. Precisamos de uma nova visão do mundo”, conclui a cientista.

© Mindwalk, de Bernt Capra (1990)

Esta apologia da responsabilidade seiscentista na crise ecológica, na devastação da Natureza e na desvalorização da participação feminina ao longo da História, nomeadamente na produção de conhecimento científico, é sustentada em diversos estudos. Mary Migdley (n.1919), recorda a união da ciência com a religião católica na rejeição da Natureza como superstição e a apologia da Biologia, Física e Química no mesmo paradigma sobre a matéria. Na mesma perspectiva, os partidários de Bacon na subjugação da Natureza como fêmea, proclamariam no primeiro manifesto da Royal Society a fundação de “uma filosofia verdadeiramente masculina”, expressão da dominação humana da Terra que persistiu na ciência ocidental. Carolyn Merchant (n.1936), que posiciona na modernidade a valoração do dualismo feminino-masculino e a identificação pejorativa da mulher com a Natureza, refuta ter Bacon utilizado termos como “torturar a Natureza”, mas adianta terem os seus seguidores interpretado a sua retórica nessa perspectiva. Refere, “Tal como o ventre da mulher tinha simbolicamente cedido aos fórceps, assim os segredos no ventre da Natureza poderiam ser arrancados, através da tecnologia, para serem usados na melhoria da condição humana”[10]. E mais à frente, “Para Bacon como para Harvey, a política sexual ajudou a estruturar a natureza do método empírico” enquanto poder sobre a Natureza[11].

 feminismo e ecologia

Se a reflexão sobre a condição feminina remonta a Mary Wollstonecraft (1759-1797), com a sua obra A Vindication of the Rights of Woman (1792), é sobretudo a partir dos anos setenta que inúmeros estudos[12] questionam a autonomia e descriminação das mulheres ao longo dos tempos.

Pesquisas recentes, sustentam o obscurecimento intencional do desempenho e autoria das mulheres na invenção e evolução de todo o tipo de materiais, na formação e desenvolvimento da linguagem humana − por via da comunicação estabelecida entre a mãe e o filho − na vida social, e no poder que detiveram na Pré-História[13].

Os diferentes feminismos que emergem ao longo dos tempos são organizados por Richards (n.1944) em dois grandes grupos, o feminismo liberal, igualitário, tradicional ou de primeira vaga e o feminismo radical, cultural ou de segunda vaga[14]. O paralelismo entre o domínio da natureza feminina e o da Natureza, é evidenciado nas correntes ecofeministas que se enquadram neste segundo grupo.

O termo, que surge no ensaio Le Féminisme ou la mort (1974) de Françoise Eaubonne (1920-2005) e, posteriormente, no seu livro Eco-Féminisme (1978), congrega diferentes posicionamentos feministas ecológicos na convergência dessa similitude[15].

Em traços largos, as tendências ecofeministas confluem na relevância do dualismo, dos ideais cartesianos e das diferenças psicológicas entre os dois sexos.

A perspectiva dualista, distingue o feminino do masculino, valorizando este último. Entende por feminino, o corpo, a Natureza e a matéria, o não-humano e o animal, a produção natural, a reprodução, o privado, a imanência e a emoção. Entende por masculino, a mente, o intelecto, o espírito, a racionalidade, o humano, a produção técnica, cultural e histórica, o público, a transcendência e a razão. O  cartesianismo e o racionalismo da modernidade, com a separação alma/corpo e razão/emoção − e atribuição de superioridade à razão − sonegam valor à Natureza e às características associadas ao feminino e à mulher. E as dicotomias na diferença entre os géneros sexuais, são menos consideradas devido ao conflito entre as condições biológicas dos sujeitos e as características psico-sociológicas que lhes podem ser associadas. Porém, o essencial das várias perspectivas ecofeministas, converge na conclusão de Michael Zimmerman (n.1946): apenas com a substituição de certas categorias que são aplicadas à dominação do feminino e da Natureza − o atomismo, o dualismo, o hierarquismo e o androcentrismo − a cultura ocidental pode reformular e construir uma vivência harmoniosa entre o humano e o não-humano.

A diferença substancial entre o ecofeminismo e a ecologia profunda reside precisamente no facto de o ecofeminismo não reconhecer o antropocentrismo na génese da crise actual. Embora em ambos os casos, a desconstrução do antropocentrismo seja objecto de re-estruturação fundamental, o ecofeminismo foca especificamente o androcentrismo.

Os conceitos associados ao androcentrismo estão intimamente ligados à aplicação ao género feminino de normas e critérios verificáveis apenas no género masculino, com a consequente redução do feminino, isto é, o não reconhecimento da sabedoria e experiência feminina tendo em consideração apenas os interesses e qualidades do género masculino – eg. como mero exemplo prático, a generalização do substantivo “homem” ou “Homem” para designar a espécie humana é androcêntrica. Tendo cunhado o termo[16], Lester Frank Ward (1841-1913) teorizou acerca da superioridade natural da mulher em relação ao homem e das diferenças substanciais entre os dois géneros, que conduzem à necessidade de aceitação pelo sujeito masculino quer dos aspectos femininos, quer da feminilidade inerente a todo o género masculino.

 da ética do cuidado

As perspectivas ecofeministas consideram a apropriação da fecundidade feminina e da fertilidade dos solos − ambas originariamente domínios das mulheres[17] − as revoluções fundadoras do patriarcado no início do Neolítico e na origem dos mais evidentes factores de desequilíbrio ecológico: o excesso demográfico e o esgotamento dos recursos naturais. Essa dupla apropriação, perpetuada pelo patriarcado através de diversas estratégias sociais e económicas, terá tido repercussão nas estruturas mentais e culturais até à actualidade. Eaubonne, coloca-as na génese do entendimento de “normal” disseminado nas sociedades contemporâneas no que respeita às práticas industriais de produção intensiva de comida animal para consumo humano. Estas práticas comuns na actualidade e degradantes para os animais e para a Natureza, formalizam as indústrias agro-pecuárias como representação de expressões totalitaristas, opressoras e machistas.

A preocupação com os outros animais inscreve-se numa ética do cuidado, do cuidado dos outros e do cuidado do mundo, que é uma presença constante no feminismo ecológico. Maria Luísa Ferreira sublinha, “As teorias feministas do cuidado não se circunscrevem às relações particulares. O interesse e o amor pelos outros alargam-se aos não humanos e estendem-se a toda a Natureza”[18].

Nas últimas décadas, algum cinema tem documentado e manifestado atenção pelo mundo mais-do-que-humano: os ecodocumentários Earthlings, de Shaun Monson (2005), Meat the Truth, de Gertjan Zwanikken e Marianne Thieme, (2008) ou Cowspiracy, de Kip Andersen e Keegan Kuhn (2014), perspectivam uma relação entre a criação cinemática e uma ética do cuidado de inscrição ecológica. Meat the Truth, e Cowspiracy, revelam realidades brutais da produção agro-pecuária. Earthlings, revela atrocidades praticadas nas diversas áreas de exploração animal, mediante recurso a câmaras escondidas. The Cove, de Louie Psihoyos, (2009), documenta a proibida matança de golfinhos na enseada de Taiji. Food Inc., de Robert Kenner, (2008), questiona “O que sabemos realmente sobre a comida que compramos no supermercado e servimos às nossas famílias?”. The Ghosts in Your Machine, de Liz Marshall, (2013), segue uma fotógrafa activista dos direitos dos animais. Com impacto específico, as gravações do documentário UK Slaughterhouses, da «Animal Aid», serviram de prova em campanha denunciatória na Grã-Bretanha, obtendo resultados positivos que inviabilizam a possibilidade de os maus-tratos sobre animais persistirem impunes e desconhecidos nos matadouros ingleses — com a instalação de câmaras de vídeo vigilância.

Por outro lado, as convenções sexistas institucionalizadas que atribuem ao género masculino o domínio e o controle e ao feminino, o ser controlado, passivo e objecto erótico, têm sido perpetradas pelo cinema desde o seu advento. Em Visual Pleasure and Narrative Cinema (1986), Laura Mulvey (n.1941) analisa as implicações do cinema na promoção de processos de identificação com personagens e ideais patriarcais de que a produção típica de Hollywood é exemplo. Com este enfoque, introduz a noção de cinema como instrumento de propagação de valores ideológicos opressivos. Aparte a polémica que suscitou, a tipificação dos géneros nas personagens da trama fílmica, sendo para alguns controversa é, no entanto, facilmente reconhecível. Poucos são os exemplos que fogem a esta regra hegemónica e uniformizadora que nos filmes de ficção sobre-excede o cinema de Hollywood e está presente em diferentes cinematografias nacionais e em produções menos industriais. É, obviamente, o caso das produções de Bollywood mas também e, maioritariamente, o de produções menos convencionais, asiáticas e europeias.

Mad Max: Fury Road, de George Miller (2015), ecoa algumas ideias ecofeministas. Retrata o “corpo de mulher” tomado como propriedade parideira que (re)toma a autonomia de si e busca a Natureza. Apresenta um mundo em avançada degradação Antropocénica onde a mulher é definida como coisa e tratada em conformidade. O leite de mãe, o único leite animal que existe, é produzido mecanicamente com recurso a processos similares aos processos industriais de produção intensiva de leite de vaca para consumo humano: as fêmeas humanas são ligadas a máquinas e ordenhadas. A analogia entre a coisificação da mulher e a coisificação do animal não-humano, interroga a aceitação dessas práticas quotidianas como norma nas nossas sociedades.

© Mad Max: Fury Road, de George Miller (2015)

O filme evoca ainda a dominação, escravidão e exploração sexual exercida sobre o género feminino − e que subsiste nos nossos dias com elevadas estimativas de violação ou violentação. O simbolismo dos cintos de castidade de que as esposas reféns se livram, cortando-os e retirando-os do corpo, enforma a intemporalidade de práticas arcaicas de domínio sobre a sexualidade feminina. Estas valiosas insubstituíveis jovens mulheres, escravas sexuais e parideiras que fogem do líder, são perseguidas pelo exército que este comanda. Sinal da consciência política que lhes assiste, a fuga é assinalada pela mensagem escrita na parede em letras garrafais: “As mulheres não são coisas”.

© Mad Max: Fury Road, de George Miller (2015)

Inicialmente, o registo ecológico parece ausente nesta comunidade distópica, onde aqueles que nascem são propriedade do progenitor e líder que em si congrega todo o poder num reino de miséria. E a exaltação do combate, numa narrativa em que os prisioneiros servem literalmente de bancos de sangue para os soldados feridos, poderia conduzir mais um filme-de-acção estruturado apenas em estereótipos de masculinidade. Mas não é assim, e a única reserva de água existente, um aquífero onde se ergue a Cidadela, é usada pelo líder para explorar a população, sendo o povo admoestado a não se habituar ao líquido vital para não lhe sentir a falta.

© Mad Max: Fury Road, de George Miller (2015)

A este dado político de sustentabilidade, acresce a demanda pela liberdade das mulheres dissidentes mas também a procura do Vale Verde, terra natal da guerreira Imperator Furiosa que lidera a fuga através dos terrenos inóspitos para além da Cidadela. Apesar de ter apenas um braço e usar uma prótese mecânica no outro, é ela que comanda a expedição e chega a travar uma luta corpo-a-corpo com Max, o herói da saga, a quem dá ordens e orienta, a quem salva a vida, tal como ele salva a dela. Neste cenário, onde tudo é árido e desértico, a iniciativa de procurar um mundo natural e vivo parte da Mulher, na figura de um grupo de mulheres jovens que se vão juntar a um grupo de mulheres idosas mas igualmente fortes − guerreiras e motociclistas, e esta é uma perspectiva sobre a Mulher também muito pouco usual na História do Cinema.

O devir ecológico desta busca pelo que resta do mundo natural, torna-se incontornável quando uma das idosas partilha com uma das jovens a sua antiga bolsa de mão, onde guarda variadas sementes “originais” de plantas e de árvores… “muitas sementes diferentes”, refere. E, prestes a morrer, agarra a bolsa contra o peito, em sinal do tesouro que retém.

© Mad Max: Fury Road, de George Miller (2015)

Neste filme oscarizado, Miller troca as voltas aos convencionais papéis femininos dos filmes de acção mainstream − e não só − mantendo a pulsão masculina dentro e fora da tela. Isto é, o público masculino não é excluído das intenções do filme. No entanto, não sendo um objecto específico para o género feminino, inova ao explorar possibilidades de representação das mulheres, até agora nos ecrãs usualmente exclusivas dos homens, atribuindo-lhes protagonismo, consideração e desempenho, idênticos em autonomia e liderança. É assim que esta inversão dos padrões dos filmes de Hollywood está na origem de considerações que o apostam de filme de acção feminista.

No cumprimento desta jornada, Miller rodeou-se de uma equipa de mulheres − entre as quais, Eve Ensler, criadora da dramaturgia The Vagina Monologues (1996) a quem pediu consultoria, e a esposa, Margaret Sixel, a quem atribuiu a montagem final do filme.

© Mad Max: Fury Road, de George Miller (2015)

O resultado, se bem que distante das especificações concretas de Eaubonne e do ecofeminismo, partilha as suas questões principais: o domínio masculino exercido simultaneamente sobre o género feminino e sobre o mundo natural; e uma ligação privilegiada entre a Mulher e a Natureza.

 conclusão

Pensar a Natureza Hoje, no advento do Antropoceno, compagina cenários distintos, por vezes antagónicos, nas derivações de um território cujas fronteiras se encontram em definição entre a “economia verde”, as éticas ambientais e a premência de um futuro incerto, antecipado num presente pontuado de sobressaltos. Pessoas humanas e não-humanas estão em risco mas as posições e as oposições de poder, homem-mulher e humano-não-humano, continuam a ser as referências em vigor, apesar da distopia anunciada ser comum.

A Natureza está refém destes tempos, remetida a uma utilidade a explorar, paisagem turística a disfrutar ou ainda tema de catástrofe para diversos fins; de cenários naturalistas a utópicos ou distópicos; com fins didácticos, artísticos, científicos ou comerciais. Continua sujeita a processos de apropriação que escondem e negligenciam a sua natureza. Resta-lhe o abandono a uma auto-regulação sistémica contaminada pela intervenção humana e em relação à qual não existem certezas, apenas fundamentados receios.

A analogia entre a objectificação da Mulher e a da Natureza, coisificadas, descartáveis, rasuradas as respectivas naturezas, é muito deste dia-a-dia ainda que esteja dissimulada. Está na mulher-objecto mas também na pertinência dos recentes combates contra a imunidade legislativa de violadores, e nas reacções a diversos outros abusos e injustiças de género que são praticadas também nos países ditos desenvolvidos; frequentemente escondidas e protegidas pela lei e por interesses económicos-sociais.

“Farta até ao pescoço de gerar a mais valia dos homens! Trabalho reproductivo sustenta o capital!” – Lisboa (2018)

 © Irene Martín

Presas de um modelo de pensamento que utiliza todo o tipo de estratagemas e exercício de poder sobre o sensível e o feminino, as mulheres, os animais e o mundo natural, parecem joguetes de uma mesma ideologia, ideia e imaginário: a subjugação a uma estrutura androcentrada_antropocentrada_dualista_mecanicista_capitalista. São estes os cinco pontos cardeais na génese e desenlace do Antropoceno_Capitaloceno. São também estes que sinalizam (e enfrentam) a premência de uma reformulação epistemológica já com um grande atraso e a que resistem com todas as forças. E essa resistência condena a esperança do Vivo, tal como o conhecemos.

.

Notas

[1] Adaptação do ensaio publicado na revista Philosophica 49, Departamento de Filosofia, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, pp.147-161, Abril 2017, ISSN 0872-4784.

[2] É o caso das reconstruções históricas de Gerda Lerner, Marija Gimbutas e Carol Christ.

[3] Nomeadamente, Rosemary Radford Ruether, Anne Primavesi, Sallie McFague.

[4] Walter Benjamim, “A Caminho do Planetário”, in Rua de Mão Única. Obras escolhidas. São Paulo, Brasiliense, 1994, pp.68-69.

[5] Remeto para a definição de Félix Guattari em Les trois écologies, Editions Galilée, Paris, 1989.

[6] Bruno Latour, “Para distinguir amigos e inimigos no tempo do Antropoceno”, Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2014, V. 57 NºI, pp.17.

[7] Aguarda-se a avaliação final do Anthropocene Working Group na confirmação ou negação da “Idade dos Humanos” como novo período geológico deflagrado pela acção da espécie humana sobre o planeta, ver [https://quaternary.stratigraphy.org/workinggroups/anthropocene].

[8] Bruno Latour, “Fifty Shades of Green”, Environmental Humanities,7 (2015), 219-225.

[9] Baseado em The Turning Point: Science, Society, and the Rising Culture, de Fritjot Capra, Simon & Schuster, 1982.

[10] Carolyn Merchant, “The Scientifique Revolution and The Death of Nature”, ISIS, 97 (3), (2006), 162.

[11] Merchant sublinha o papel decisivo de William Harvey (1578-1657) e outros médicos do sexo masculino no amofinar do desempenho tradicional das mulheres na obstetrícia e, deste modo, minando o controle das mulheres sobre os seus próprios corpos, ibid., 162.

[12] Como os trabalhos de Ynestra King, Mary Daly e Susan Griffin ou Michelle Rosaldo, Louise Lamphere e Rayna Reiter’s.

[13] Adovasio J.M., Soffer Olga, Page Jake, O Sexo Invisível, Lisboa, Europa-América, 2008, p.101.

[14] Janet Radcliffe Richards, The Sceptical Feminist, London, Penguin, 1994, Appendix 2, p.385 e segs.

[15] Maria Luísa Ribeiro Ferreira, em “Ecofeminismo − Cantata a Quatro Vozes”, destaca nos feminismos ecológicos, os percursos de Mary Daly, Val Plumwood, Christine Cuomo e Vandana Shiva, in Beckert, Varandas (coord.), 2004, pp. 227-247.

[16] O termo, androcentrismo, da autoria do sociólogo, botânico e paleontologista Lester Frank Ward (1841-1913), primeiro presidente da American Sociological Association, surge pela primeira vez em Pure Sociology. A Treatise on the Origin and Spontaneous Development of Society, Ward, 1903.

[17] Na sua condição original, as mulheres seriam detentoras de poder sobre o próprio corpo e sobre as riquezas agrícolas a seu cargo − que teriam sido as primeiras riquezas da antiguidade. Numa época em que aos homens estava destinada a prática e o domínio da caça, ao assumirem a sua participação na paternidade, acabariam por impor e decretar como propriedade sua, a fertilidade humana. Com a descoberta da irrigação e da charrua, o masculino sedentariza a prática agrícola antes desenvolvida pelas mulheres e determina a ideia de propriedade sobre os solos. Assim, apropriam-se do corpo e fecundidade das mulheres pela paternidade e tomam também como propriedade sua o que era anteriormente domínio das mulheres: os campos, a Natureza e a sua exploração.

[18] Maria Luísa Ferreira, “Descartes, Espinosa e os Ecofeminismos”, in Beckert (coord.), 2003, pp. 145.

.

Referências

Abram, David (2007), A Magia do Sensível, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.

Adovasio J.M., Soffer, Olga, Page, Jake (2008), O Sexo Invisível, Lisboa, Europa-América.

Bateson, Gregory (1980), Mind and Nature – A Necessary Unity, New York, Bantam Books.

Beckert, Cristina (coord.), (2003) Ética Ambiental uma ética para o futuro, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.

Beckert, Cristina, Varandas, Maria José (coord.), (2004) Éticas e Políticas Ambientais, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.

Benjamim, Walter (1994), Rua de Mão Única. Obras escolhidas. Vol.II. São Paulo, Brasiliense.

Castro, Ilda Teresa (2015), Eu Animal – argumentos para um novo paradigma – Cinema e Ecologia, Lisboa, Zéfiro.

Capra, Bernt (1990), Mindwalk, USA (filme).

Eliade, Mircea (1949), Traité d ́Histoire des Religions, Paris, Éditions Payot.

Eaubonne, Françoise (1998), “Écologie et Féminisme: Révolution ou Mutation”, Silence, Paris, numéro 220-221.

Foucault, Michele (2005), As Palavras e as Coisas, Lisboa, Edições 70.

Guattari, Felix (1989), Les trois écologies, Paris, Editions Galilée.

Latour, Bruno (2013), “Para distinguir amigos e inimigos no tempo do Antropoceno”, Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2014, V. 57 NºI, pp.17.

Latour, Bruno (2015), “Fifty Shades of Green”, Environmental Humanities, 7, Duke University Press, pp.219-225.

Merchant, Carolyn (2006), “The Scientifique Revolution and The Death of Nature”, ISIS 97 (3), Chicago, University of Chicago Press Journals, pp.513-533.

Migdley, Mary (2007), Earthy Realism, The Meaning of Gaia, UK, Societas.

Miller, George (2015), Mad Max: Fury Road, USA (filme).

Mulvey, Laura (1999), “Visual Pleasure and Narrative Cinema”, Film Theory and Criticism: Introductory Readings. New York:Oxford UP (eds.) Leo Braudy, Marshal Cohen, pp.833-44.

Richards, Janet Radcliffe (1994), The Sceptical Feminist, London, Penguin.

Waal, Frans (2006), Primates and Philosophers: How Morality Evolved. New Jersey, Princeton University Press.

Zimmerman, Michael (1987), “Feminism, Depp Ecology, and Environmental Ethics” Environmental Ethics, Virginia, Philosophy Documentation Center, 9 (1), pp.21-44.

.

.

*llda Teresa de Castro é ecóloga, artista e investigadora. Realiza o pós-doutoramento (2013-2019) Paisagem e Mudança – Movimentos, com apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Doutorada em Ciências da Comunicação / Cinema e Televisão, na FCSH, da Nova de Lisboa, com uma tese sobre a participação do filme na sensibilização ecológica. É formada em Cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, e em Peritos em Arte na Escola Superior de Artes Decorativas da Fundação Ricardo Espírito Santo e Silva, Lisboa. É autora de vários ensaios e dos livros Eu Animal − argumentos para uma mudança de paradigma – cinema e ecologia (2015); de uma trilogia de entrevistas sobre Cinema Português, Animação Portuguesa (2004); Cineastas Portuguesas (2001); Curtas Metragens Portuguesas (1999) e do cartoon book Não Fazer Nada É que É Bom 1991-2004 (2005). Enquanto ecoartista desenvolve projectos multidisciplinares num cruzamento entre arte, ecologia, filosofia e ciência com enfoque no domínio ecocritico, ambiental e animal. Os seus ecofilmes têm sido exibidos em ecofestivais e ecoconferências na Amazónia – Brasil, Panjim – Goa, Mexico City – México, Porto, Lisboa e Colares – Portugal. É co-autora da ópera multimedia Descartes Nunca Viu Um Macaco (2017). É a fundadora e editora da plataforma e revista online: ecomedia, ecocinema e ecocritica_animalia vegetalia mineralia.

.

.

Women & Nature and the Five Cardinal Points of the Anthropocene_Capitalocene

[1]

Mindwalk, de Bernt Capra (1990), Mad Max: Fury Road, de George Miller (2015)

por Ilda Teresa Castro*

.

abstract : Some ecophilosophical trends recognise the parallelism between the domain of feminine nature and the domain of Nature, noting male-female dualism, the repercussions of androcentrism and the split imposed by mechaniscist thinking in the view of the interdependence of the natural world.

At the intersection of ecofeminism with part of the ecocinematic production, I shall identify some convergences between Human-Nature and Man-Woman relationships, the objectification of Women and Nature and a close relation between ecological feminisms and a more-than-human ethics of care.

keywords: ecocinema; ecofeminism; Nature; Anthropocene; Capitalocene; androcentrism; antropocentrism; dualism; mechanicism; capitalism

.

introduction

The connections between Women and Nature go back to the cosmological myths of the Neolithic in the research work of Mircea Eliade (1907-1986): periodic lunar variations associated the bio-cosmic connection between female and human and nonhuman fecundity, the moon, rain and vegetation within the same intuition and symbology. In the Ice Age, the spiral was a lunar symbol that drew an analogy between the phases of the moon, water, vegetation and the fertility of plants and animals, including that of women, who later would eventually also be represented by Mother Earth and the agrarian deities. In Eliade’s words, agricultural societies established a link between the fecundity of the land and that of the (fertilisable) woman and between Heaven and men (the fertiliser), thus restoring in human marriage the old, primeval hierogamy – the sacred marriage of Heaven and Earth. The fertility of the Earth was deemed as that of the “living”, a prominent value:  the Homo-Humus binomial would mirror the incessant cycle between the “living” and the Earth,  linking it to human birth – of which it is the Mother Earth – and to human death , in a return to matter, mater. These connections embody a distant reality. However, the analogy between female organicity and Nature’s phenomena – motherhood and the natural balance between female fertility cycles and those of the fields, the moon and tides – is formally intuitive and evident.

From a cultural and religious point of view, studies on the historical origins of patriarchy by several authors[2] have proven the participation of the philosophical and theological traditions of Europe and the Mediterranean in the justification of the dominance of Women and Nature. Cultures centred on the mother goddess Earth and Nature were replaced by a patriarchal, militaristic system, valuing the masculine. Religious symbols and social norms were replaced accordingly. This lessened and devalued both the feminine and the natural world.

Vénus de Willendorf

On the other hand, certain cult and worship practices based on the Mother Goddess involve a more empathic spiritualist understanding between women and Nature. Some ecofeminist writers and Christian theologians[3] point to the relevance of the worship of the Mother Goddess in ancient societies mainly because of its importance in the formation of a less imposingly patriarchal biblical image. Based on the connections between religion, culture and scientific perspectives, they highlight the way Western science’s mechanicistic model has led to a rupture between the material and the sacred worlds, much to the detriment of women and nonhumans.

David Abram (b. 1957) puts forward some data on rituals in Aboriginal Australia that may be relevant in this context. He mentions the high degree of differentiation between female and male rituals and between the knowledge that men and women hold. Greater protection of the sacred knowledge of women and the fact that the first ethnologists were mostly male may have made it harder to access this knowledge and led non-Aborigines to take too long to recognise the power and importance of female rites within native cultures. The greater protection of feminine knowledge included a greater resistance to change in women’s ritualistic chanting as opposed to men’s ritualistic chanting. Also, men’s secret ceremonies focused almost exclusively on the renewal of the vitality of the sites and species that they celebrated whereas women’s ceremonies would also involve channelling the magical power of those places, taking advantage of Earth’s power for several practical purposes. He adds that these traditions are rapidly disappearing due to the influence of alphabetic civilisation.

on the verge of the Anthropocene_Capitalocene

In the early twentieth century, Walter Benjamin (1892-1940) signalled a link between technical and economic greed and the global crisis of the natural world[4]. Junger (1895-1998), Horkheimer (1895-1973), Heidegger (1889-1976), Marcuse (1898-1979) or Adorno (1903-1969) had convergent positions. Years later, Gregory Bateson (1904-1980) classified the models of thought that rule over contemporaneity as epistemological errors, pointing to the disconnection they bring to the relation with the living and the impossible sustainability they impose on the planet. Around the same time, the scientific and philosophical approaches of Prigogine (1917-2003) and Stengers (b. 1949), Varela (1946-2001) and Maturana (b. 1928), or Margulis (b. 1938) and Lovelock (b. 1919) correlated similar perspectives on human interference in the more-than-human world. These proposals have been kept on the margins of the Integrated World Capitalism[5]. The ecological response demanded by the latter points to a political, social and cultural stance on a planetary scale.

The main ecosophic lines of The Three Ecologies (1989) of Guattari (1930-1992) – social, mental and environmental ecosophy – redirect the objectives of the production of material and immaterial goods and highlight the production of subjectivity, specifically in knowledge, culture, sensitivity and sociability. They propose a revolution encompassing large-scale relations of force and the molecular domains of sensibility, intelligence and desire, taking into account the transversality of the factors involved, as well as the dualistic oppositions between the First and the Third World and man-woman relations.

In these first decades of the twenty-first century – despite all the climatic evidence that alert to the failure of planetary sustainability in the current modus vivendi and modus operandi, namely scientific proof of the ongoing risks, as in the reports of the IPCC − Intergovernmental Panel on Climate Change (https://www.ipcc.ch/report/sr15), for instance – significant local and global measures are still to be implemented. Moreover, suspicious practices are still pursued under governmental jurisdiction, as in the case of fracking operation plans by the Portuguese government offshore in the Algarve and in the hinterland.

Protected by economic and political wills, climate denialism is the most apparent face of a manipulation of environmental interests that has enabled the continuity of the conditions of the capitalist system and of the established profit flows – James Proctor dubs agnotology “the deliberate production of ignorance that worked wonderfully in the case of cigarette and asbestos and with more resistance in concentration camps during World War II.”[6] Along with the negationism it promotes and sustains, this convenience manoeuvre explores the eco image and eco brand with artifice and scams.

At the same time, the impending classification of the Anthropocene[7] and the manifest environmental changes whose seriousness cannot be disguised have led to reflections, practices and speeches. Civic, ethical, political, scientific and artistic stances emerge as everyday life proves and testifies these changes. In this context, animal ethics and environmental ethics have spread to several sub-areas, from animal critical studies to plant studies, from ecosophy to anthrozoology, and have gradually associated literature studies – which had founded ecocriticism – as well as ecoart and bioart, ecocinema and ecomedia studies.

In a way, ecocriticism – which started out in literature and later spread to other practices – has provided anchorage for an artistic reflection on Nature within the academy and for the emergence of ecocritical film studies. In the audiovisual field, ecofilms have emerged in fiction, news stories and documentaries as well as in diary form or everyday accounts, disseminated by channels such as Vimeo and YouTube. As a result, the involvement of technological media in the information, reporting and awareness process has kept ecology-related issues in the spotlight in traditional media such as cinema and television and in the latest gadgets and systems for accessing internet content, with a significant impact on social networks.

However, titles such as Nature and transhumanism, post-humanism and machine, post-humanism and the natural world, green capitalism and ecomodernism denote derivations of a territory whose borders are currently being defined, as is the ethos of the natural world under the human gaze. Latour (b. 1947) suggests that the word Nature [8] should cease to be used, and questions the efficacy of the distinction between what is natural and what is unnatural in a world in which the laws of nature have mostly become laws of economics. De Waal (b. 1948) points to two different perspectives on the current philosophical panorama with regard to human morality in a non-theological explanation: a unitary perspective, which he dubs Evolution Ethics and (following Darwin’s footsteps) postulates the continuity between animal social tendencies and human morality as the gradual evolution of a transition from social animal to moral animal, and a dualistic perspective, which he calls the Veneer Theory, which started with Huxley (1894-1963) and includes theoreticians such as Dawkins (b. 1941), Williams (1926-2010) or Wright (b. 1957), for whom culture is opposed to nature and humans to other animals and according to whom morality is a human option, established in a transition from amoral animal to moral human.

 a truly masculine philosophy

The opposition between culture and the natural world, which dates back to Cartesian dualism resonates in the legitimation rhetoric of the control of Nature used by Francis Bacon (1561-1626), commented in Bernt Capra’s 1990 film Mindwalk[9].

© Mindwalk, Bernt Capra (1990)

In a torture chamber at Mont-Saint Michel Abbey, a scientist who specialises in quantum field theory recalls the witch trials of King James I, “at a time when millions of women were tortured or burned for practising folk medicine or worshiping pre-Christian goddesses or simply because they were unusual. I don’t believe it was a metaphor when Francis Bacon wrote that Nature had to be hounded in her wandering… bound into service, made a slave.” She goes on: “He even said that scientists with their new mechanical devices had to torture Nature’s secrets out of her. Did you notice how he uses ‘her’ when describing Mother Nature? As if Nature was nothing but a witch? Yes. It’s actually fair to say that this room represents a crisis of perception.” In response, a former US presidential candidate and now Senate candidate argues that the chamber predates Bacon and Descartes and that violence and exploitation belong to independent domains of human perception. The scientist wonders: “But hasn’t modern science, technology, business done exactly what Francis Bacon preached: tortured our planet? Didn’t we just implement the old patriarchal idea about man dominating all?”

The politician then says that maybe recent climatic changes are merely cyclical phenomena dissociated from the hysteria they cause and formulates the hypothesis that Nature can cope with all this and much more. She answers that that was exactly the hypothesis put forward regarding Germany’s Black Forest, more than half of which is now dying and that it is impossible to take that risk regarding global Nature.

The film contrasts the mechanicist paradigm with the scientific approaches of systems theory and a superficial ecological perspective with deep ecology considerations regarding the human threat to the natural world. A fragmentary, fragmented worldview is contrasted with the holistic interdependence of the natural and the living: “It might have been extremely useful to perceive the world as a machine for 300 years but that perception today is not only inaccurate, it’s actually harmful. We need a new vision of the world”, concludes the scientist.

© Mindwalk, Bernt Capra (1990)

This apology of seventeenth-century responsibility for the ecological crisis, the devastation of nature and the devaluation of women’s participation throughout history, namely in scientific knowledge production, is supported by several studies. Mary Migdley (b. 1919) recalls how science and the Catholic religion joined forces to reject Nature as superstition and the apology of Biology, Physics and Chemistry in the same paradigm on the matter. In the same perspective, Bacon’s supporters in the subjugation of Nature as female proclaimed in the first manifesto of the Royal Society the foundation of “a truly masculine philosophy,” an expression of the human domination of the Earth that persisted in Western science. Carolyn Merchant (b. 1936), who sets in modernity the valuation of female-male dualism and the pejorative identification of women with Nature, refutes that Bacon used terms such as “the torture of Nature”, but that “his followers (…) interpreted his rhetoric in that light”. She holds that, “[a]s woman’s womb had symbolically yielded to the forceps, so Nature’s womb harbored secrets that through technology could be wrested from her grasp for use in the improvement of the human condition”[10] and adds further on that, “[f]or Bacon as for Harvey, sexual politics helped to structure the nature of the empirical method” as power over Nature[11].

 feminism and ecology

Although the reflection on the feminine condition dates back to Mary Wollstonecraft (1759-1797) and her work A Vindication of the Rights of Woman (1792), it was mainly from the 1970s onwards that countless studies[12] started questioning women’s autonomy and discrimination across time.

Recent research has shed light on the intentional obscuration of women’s role and authorship in the invention and evolution of all kinds of materials, in the formation and development of human language – through mother-and-child communication – in social life and in the power they held in Prehistory[13].

The several different feminisms that have emerged throughout time have been organised into two broad groups by Richards (b. 1944): liberal, egalitarian, traditional, or first-wave, feminism and radical, cultural, or second-wave, feminism[14]. The parallelism between the domain of feminine nature and that of Nature is evident in the ecofeminist currents that fall into the latter group.

The term, which first appeared in the essay Le Féminisme ou la mort (1974), by Françoise Eaubonne (1920-2005), and later in her 1978 essay Eco-Féminisme, brings together different ecological feminist positions in the convergence of this similarity[15].

Broadly speaking, ecofeminist tendencies converge in the relevance of dualism, Cartesian ideals and psychological differences between both genders.

The dualist perspective distinguishes between the feminine and the masculine in favour of the latter. The feminine includes the body, Nature and matter, nonhuman and animal, natural production, reproduction, the private, immanence and emotion, whereas masculine includes the mind, the intellect, the spirit, rationality, the human, the technical, cultural and historical production, the public, transcendence and reason. Cartesianism and the rationalism of modernity, with the creation of the soul / body and reason / emotion dichotomy – and the attribution of superiority to reason – have denied Nature and the characteristics associated with the feminine and the woman their value. The dichotomies in the difference between genders are less valued as well due to the conflict between the biological conditions of the subjects and the psycho-sociological characteristics that can be associated to them. Still, the essence of the different ecofeminist perspectives converges to Michael Zimmerman’s (b. 1946) conclusion: only once certain categories that are applied to the dominance of the feminine and Nature – atomism, dualism, hierarchism and androcentrism – are replaced will Western culture be able to reshape and build a harmonious experience between human and nonhuman.

The substantial difference between ecofeminism and deep ecology lies precisely in the fact that ecofeminism does not recognise that anthropocentrism is in the genesis of the current crisis. Although in both cases the deconstruction of anthropocentrism is fundamentally re-structured, ecofeminism specifically focuses on androcentrism.

The concepts associated with androcentrism are closely related to the application to the female gender of norms and criteria that are specific to the male gender, with the subsequent reduction of the feminine – i.e., the non-recognition of feminine wisdom and experience, taking into account only the interests and qualities of the male gender. As a mere practical example, the generalisation of the noun “man” or “Man” to name the human species is androcentric. Having coined the term[16], Lester Frank Ward (1841-1913) theorised about the natural superiority of women in relation to men and of the substantial differences between the two genders that lead to the need of acceptance of the female aspects or of femininity inherent in the whole male gender by the male subject.

 on the ethics of care

Ecofeminist perspectives deem the appropriation of female fertility and the fertility of the soils – both were originally domains of women[17] − as the founding revolutions of patriarchy at the beginning of the Neolithic and as the origin of the most obvious ecological imbalance factors: demographic surplus and depletion of natural resources. This dual appropriation perpetuated by patriarchy through various social and economic strategies has led to repercussions in mental and cultural structures up to the present. According to Eaubonne, they are behind the widespread notion of “normal” in contemporary societies regarding the industrial practices of intensive production of animal food for human consumption, which are degrading for animals and Nature and formalise livestock industries as a representation of totalitarian, oppressive and sexist expressions.

Concern for other animals is part of an ethics of care, for others and for the world, which is a constant presence in ecological feminism. Maria Luisa Ferreira stresses that “[f]eminist theories of care are not confined to particular relationships. Interest and love for others extend to non-humans as well as all of Nature”[18].

Some cinema has documented and been attentive to the more-than-human world in the past few decades. Ecodocumentaries such as Shaun Monson’s Earthlings (2005), Gertjan Zwanikken and Marianne Thieme’s Meat the Truth (2008) or Kip Andersen and Keegan Kuhn’s Cowspiracy (2014) put forward a relationship between cinematic creation and an ecologically-based ethics of care. Meat the Truth and Cowspiracy reveal the brutal reality of livestock production. Earthlings discloses atrocities in several fields of animal exploitation through the use of hidden cameras. The Cove (2009), by Louie Psihoyos, documents the banned slaughtering of dolphins in Taiji Cove. Robert Kenner’s Food Inc. (2008) asks: “How much do we really know about the food we buy at our local supermarkets and serve to our families?” Liz Marshall’s The Ghosts in Your Machine (2013) follows an animal rights’ activist photographer. The footage of Animal Aid’s documentary UK Slaughterhouses was used as evidence in a denunciation campaign in Britain and has since made it impossible for animal maltreatment in slaughterhouses across the United Kingdom to remain unnoticed and unpunished following the installation of CCTV cameras.

On the other hand, institutionalised sexist conventions, which attribute dominance and control to the male gender – whereas the female gender is supposed to be controlled, passive and an erotic object – have been perpetrated by cinema ever since its advent. In Visual Pleasure and Narrative Cinema (1986), Laura Mulvey (b. 1941) analyses the implications of cinema in promoting identification processes with patriarchal characters and ideals typical of Hollywood production and puts forward the notion of cinema as an instrument for the propagation of oppressive ideological values. Regardless of the ensuing controversy, gender typification in film characters – albeit controversial for some – can be easily recognisable. There are but a few exceptions to this hegemonic, uniforming rule that goes beyond Hollywood cinema in fiction films and is to be found in different countries and in not-so-industrial productions as well. This is obviously the case of Bollywood productions but also (and mostly) less conventional Asian and European productions.

George Miller’s Mad Max: Fury Road (2015) resonates some ecofeminist ideas. It portrays the “woman’s body” as a breeder that takes (back) its own autonomy and seeks Nature. It is set in a world in advanced Anthropocene degradation where women are seen as things and treated accordingly. Mother’s milk – the only kind of animal milk that still exists – is produced mechanically using processes similar to the intensive cow’s milk industrial production processes for human consumption: human females are connected to machines and milked. The analogy between the objectification of women and that of nonhuman animals questions the acceptance of everyday practices in our societies as a norm.

© Mad Max: Fury Road, de George Miller (2015)

The film also evokes domination, slavery and sexual exploitation carried out on the female gender – which is still around today, as proved by high rape or violence figures. The symbolism of the chastity belts that the hostage wives get rid of by cutting them off and removing them from their bodies embodies the timelessness of archaic practices of domination over female sexuality. These valuable, irreplaceable young women – sex slaves and breeders – fleeing the leader are hunted down by his army. As a sign of their political awareness, their escape is signalled by a message written on the wall in huge letters: “Women are not things”.

© Mad Max: Fury Road, de George Miller (2015)

Initially, ecology-related issues seem to be absent from this dystopian community where those born are the property of the parent / leader, who has absolute power in a realm of misery. The exaltation of combat in a narrative in which prisoners are literally blood banks for wounded soldiers could lead to yet another action film based solely on male stereotypes. However, this is not the case. The only existing water reserve, an aquifer on which the Citadel stands, is used by the leader to exploit the population: they are admonished not to get used to the vital liquid so as not to miss it.

© Mad Max: Fury Road, de George Miller (2015)

Besides this political sustainability data, there is also the dissident women’s plight for freedom, as well as the search for the Green Valley, the native land of the warrior Imperator Furiosa, who leads the escape through the inhospitable lands beyond the Citadel. Despite having only one arm and using a mechanical prosthesis on the other, it is she who leads the expedition and comes to wage a close combat with Max, the hero of the saga, whom she gives orders to and guides, saving his life as he saves hers. In this backdrop where everything is barren and desert, it is women who look for a natural, living world, as a group of young women team up with a group of elderly (yet equally strong) women warriors and motorcyclists – also  a very unusual perspective on women in the History of Cinema.

The ecological future of this quest for what remains of the natural world becomes unavoidable when one of the elderly shares with one of the young women an old bag where she keeps several “original” plant and tree seeds – “many different seeds”, she says. She clutches the bag to her breast as she is about to die as a sign of the treasure it holds within.

© Mad Max: Fury Road, de George Miller (2015)

In this Oscar-winning film, Miller inverts the conventional female roles in mainstream action films (as well as in other kinds of film). The male drive is kept both in and off the screen, i.e., the male audience is not excluded from the film’s intentions. Even though the film is not specifically aimed at the female gender, it is innovative in the way it explores ways of representing women that are typically exclusive to men, attributing them the same protagonism, consideration and performance regarding autonomy and leadership. Due to this inversion of Hollywood film standards, it has been deemed as a feminist action film.

© Mad Max: Fury Road, de George Miller (2015)

Miller worked with a team of women including Eve Ensler, the creator of The Vagina Monologues (1996), as a consultant, and Margaret Sixel, his wife, who was in charge of the final cut. Though far from Eaubonne and ecofeminism’s concrete specifications, the end result shares its main issues: male domain over both the female gender and the natural world and a privileged bond between women and Nature.

conclusion

Thinking about Nature Today, at the advent of the Anthropocene, combines different – sometimes antagonistic – scenarios in the derivations of a territory whose borders are in definition between the “green economy”, environmental ethics and the urgency of an uncertain future anticipated in an ever-startling present. Even though human and nonhuman people are at risk, the positions and oppositions of power, men-women and human-nonhuman still abound despite the foreseen common dystopia.

Nature is hostage to these times: a utility to be exploited, a tourist landscape to be enjoyed or a multipurpose subject of catastrophe, from naturalistic to utopian or dystopian scenarios for educational, artistic, scientific or commercial ends. It is still subject to processes of appropriation that both hide and neglect its nature. It is ultimately left to a systemic self-regulation contaminated by the human intervention and in relation to which there are no certainties, only grounded fears.

The analogy between the objectification of women and that of Nature – disposable and erased from their natures – is part of everyday life, albeit covertly. It is in the object-woman as well as in the relevance of the recent fights against the legislative immunity of rapists and in the reactions to other instances of gender-related abuse and injustice that are also to be found in so-called developed countries, often hidden and protected by law and by economic and social interests.

“Sick and tired of generating added value for men! Capital feeds on reproductive work!” –  Lisboa (2018)

© Irene Martín

Prisoners of a model of thought that uses all kinds of stratagems and the exercise of power over the sensitive and the feminine, women, animals and the natural world seem to be puppets of the same ideology, idea and imagination: the subjugation to an androcentred_antropocentred_dualist_mechanicist_capitalist structure. These are the five cardinal points which are both at the basis and the outcome of the Anthropocene_Capitalocene. They also signal (and face) the urgency of a forever-delayed epistemological reformulation, to which they resist with all their might – a resistance that condemns the hope of the Living as we know it.

[1] Adapted from an essay published in the magazine Philosophica 49, Departamento de Filosofia, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, pp.147-61, Abril 2017, ISSN 0872-4784.

[2] As Gerda Lerner, Marija Gimbutas and Carol Christ’s historical reconstructions.

[3] e.g. Rosemary Radford Ruether, Anne Primavesi, Sallie McFague.

[4] Walter Benjamin, “A Caminho do Planetário” [“Zum Planetarium” / “To the Planetarium”], in Rua de Mão Única. Obras escolhidas. São Paulo, Brasiliense, 1994, pp.68-69.

[5] See Félix Guattari’s definition in Les trois écologies, Editions Galilée, Paris, 1989.

[6] Bruno Latour, “Para distinguir amigos e inimigos no tempo do Antropoceno” [“Telling Friends from Foes at the Time of the Anthropocene”], Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2014, V. 57 Nº I, p. 17.

[7] The Anthropocene Working Group is still working on the final assessment confirming or denying the “Age of Humans” as a new geological age caused triggered by human action on the planet. See [https://quaternary.stratigraphy.org/workinggroups/anthropocene].

[8] Bruno Latour, “Fifty Shades of Green”, Environmental Humanities,7 (2015), 219-25.

[9] Based upon Fritjot Capra’s The Turning Point: Science, Society, and the Rising Culture, Simon & Schuster, 1982.

[10] Carolyn Merchant, “The Scientific Revolution and the Death of Nature”, ISIS, 97 (3), (2006), 162.

[11] Merchant highlights the decisive role of William Harvey (1578-1657) and other male physicians in lessening women’s traditional performance in Obstetrics, thus undermining women’s control over their own bodies, ibid., 162.

[12] As in Ynestra King, Mary Daly e Susan Griffin or Michelle Rosaldo, Louise Lamphere and Rayna Reiter’s work.

[13] Adovasio J.M., Soffer Olga, Page Jake, O Sexo Invisível [The Invisible Sex], Lisboa, Europa-América, 2008, p.101.

[14] Janet Radcliffe Richards, The Sceptical Feminist, London, Penguin, 1994, Appendix 2, p. 385 and following pages.

[15] In “Ecofeminismo − Cantata a Quatro Vozes”, Maria Luísa Ribeiro Ferreira highlights Mary Daly, Val Plumwood, Christine Cuomo and Vandana Shiva’s work in the field of ecological feminism, in Beckert, Varandas (coord.), 2004, pp. 227-247.

[16] The term androcentrism, coined by sociologist, botanist and palaeontologist Lester Frank Ward (1841-1913), who was the first president of the American Sociological Association, first appeared in Pure Sociology. A Treatise on the Origin and Spontaneous Development of Society, Ward, 1903.

[17] In their original condition, women had the power over their own body and agricultural wealth – the first kind of wealth there ever was. At a time when men were in charge of hunting, by taking part in fatherhood, they eventually imposed and decreed human fertility as their property. Following the invention of irrigation and the plough, men began practising sedentarised agriculture, which had been developed by women and established the idea of ownership of land. They appropriated women’s bodies and fecundity through fatherhood and took as their property what used to be women’s domain: the fields, Nature and its exploration.

[18] Maria Luísa Ferreira, “Descartes, Espinosa e os Ecofeminismos”, in Beckert (coord.), 2003, pp. 145.

.

References

Abram, David (2007), A Magia do Sensível, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.

Adovasio J.M., Soffer, Olga, Page, Jake (2008), O Sexo Invisível, Lisboa, Europa-América.

Bateson, Gregory (1980), Mind and Nature – A Necessary Unity, New York, Bantam Books.

Beckert, Cristina (coord.), (2003) Ética Ambiental uma ética para o futuro, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.

Beckert, Cristina, Varandas, Maria José (coord.), (2004) Éticas e Políticas Ambientais, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.

Benjamim, Walter (1994), Rua de Mão Única. Obras escolhidas. Vol.II. São Paulo, Brasiliense.

Castro, Ilda Teresa (2015), Eu Animal – argumentos para um novo paradigma – Cinema e Ecologia, Lisboa, Zéfiro.

Capra, Bernt (1990), Mindwalk, USA (filme).

Eliade, Mircea (1949), Traité d ́Histoire des Religions, Paris, Éditions Payot.

Eaubonne, Françoise (1998), “Écologie et Féminisme: Révolution ou Mutation”, Silence, Paris, numéro 220-221.

Foucault, Michele (2005), As Palavras e as Coisas, Lisboa, Edições 70.

Guattari, Felix (1989), Les trois écologies, Paris, Editions Galilée.

Latour, Bruno (2013), “Para distinguir amigos e inimigos no tempo do Antropoceno”, Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2014, V. 57 NºI, pp.17.

Latour, Bruno (2015), “Fifty Shades of Green”, Environmental Humanities, 7, Duke University Press, pp.219-225.

Merchant, Carolyn (2006), “The Scientifique Revolution and The Death of Nature”, ISIS 97 (3), Chicago, University of Chicago Press Journals, pp.513-533.

Migdley, Mary (2007), Earthy Realism, The Meaning of Gaia, UK, Societas.

Miller, George (2015), Mad Max: Fury Road, USA (filme).

Mulvey, Laura (1999), “Visual Pleasure and Narrative Cinema”, Film Theory and Criticism: Introductory Readings. New York:Oxford UP (eds.) Leo Braudy, Marshal Cohen, pp.833-44.

Richards, Janet Radcliffe (1994), The Sceptical Feminist, London, Penguin.

Waal, Frans (2006), Primates and Philosophers: How Morality Evolved. New Jersey, Princeton University Press.

Zimmerman, Michael (1987), “Feminism, Depp Ecology, and Environmental Ethics” Environmental Ethics, Virginia, Philosophy Documentation Center, 9 (1), pp.21-44.

.

*Ilda Teresa de Castro is an ecologist, artist and researcher. She is doing the postdoctoral researcher (2013-2019)  Landscape and Change – Movements, with support by the Foundation for Science and Technology. PhD in Communication Sciences/Cinema and Television at Faculty of Social and Human Sciences, at NOVA University of Lisbon with a thesis which deals with the part films play in the construction of an ecocritical perception. She is graduated in Cinema Studies at Superior School of Theater and Cinema in Lisbon, and in Art Experts at Superior School of Decorative Arts, Foundation Ricardo do Espírito Santo Silva in Lisbon. She is the author of several essays as well as the book Eu Animal − argumentos para uma mudança de paradigma – cinema e ecologia (I Animal – arguments for a new paradigm – cinema and ecology, 2015); a trilogy of interviews on Portuguese Cinema, Animação Portuguesa, (Portuguese Animation Movies, 2004); Cineastas Portuguesas (Portuguese Women´s Cinema, 2001); Curtas Metragens Portuguesas (Portuguese Short-Films, 1999) and the cartoon book Não Fazer Nada É que É Bom 1991-2004 (To Do Nothing At All – That’s The Life!, 2005). As ecoartist she develops multidisciplinary projects  at a crossroad between art, ecology, philosophy and science, focusing on the ecocritic, environmental and animal domain. As a ecocinema filmmaker and video artist, she has had his works screened in ecofestivals and ecoconferences in Amazonia – Brasil, Panjim – Goa, Mexico City – Mexico, Porto, Lisboa and Colares – Portugal. She is co-author of the multimedia opera Descartes Never Saw A Monkey (2017). She is the founder and editor of the online ecomedia, ecocinema and ecocritic platform and journal_animalia vegetalia mineralia. 

.

.

Cinema e Procura: Uma Natureza no Som e Visão de Werner Herzog

por Maile Colbert*

Frederic Edwin Church, 1866. “Rainy Season in the Tropics”. Fine Arts Museums of San Francisco

Sumário:

Este ensaio explora, por vezes de forma crítica, a relação dos filmes de Werner Herzog – e especificamente os seus elementos sonoros – com os vários biomas nos quais ele filma. Centrando-me em seis filmes, quase todos documentários, irei concentrar-me num tópico da minha pesquisa recente sobre a relação entre as paisagens sonoras e o desenho de som cinematográfico, com um foco em teorias e trabalhos de: R. Murray Schafer em ecologia sonora, Steven Feld em etnografia sonora, Bernie Krause na sua Hipótese de Nicho Acústico (Acoustic Niche Hypothesis – ANH – em inglês) e em ecologia sonora e o neurobiologista Nobuo Suga com a sua teoria sobre os elementos portadores de informação em padrões acústicos de uma paisagem sonora.

Introdução

A importância de dar voz ao lugar é um dos temas deste ensaio e, dentro desse espírito, eu pretendo abordar o meu próprio lugar em relação a este tema. Herzog é um cineasta notável, sendo as minhas críticas específicas às escolhas que ele faz nas bandas sonoras dos seus filmes, as quais poderiam contar mais se tivessem sido feitas de maneira diferente. Mas, em última instância, esteja eu de acordo ou não com as mesmas, escrevo a partir de uma posição de respeito e sinto-me privilegiada por isso.

Pode ser divertido escrever sobre Werner Herzog e os seus filmes dada a profusão de mitos urbanos em torno deles, de eventos e elementos caóticos e dramáticos que inevitavelmente surgem nas suas produções. Embora tentador, quero abster-me de psicanalisar o seu caráter e concentrar-me na relação entre a sua natureza cinematográfica, a natureza “natural” dos seus filmes e a natureza humana. Ou melhor: o choque da natureza humana contra a fronteira, os limites, da natureza selvagem, dentro dos seus filmes.

A ecologia sombria de uma galinha dançante 

Estamos no Wisconsin, e o assalto ao banco correu mal. O seu parceiro foi apanhado, Bruno escapou mas por quanto tempo e para quê? Ele entra num salão de jogos, vazio de outros humanos, repleto de animais em gaiolas temáticas, treinados para fazer uma única coisa, repetidamente. Uma moeda entra na ranhura, um coelho “toca” piano. Uma moeda entra noutra ranhura, uma galinha dança…, repetidamente, sucessivamente. A sala está imersa numa composição sonora enlouquecedora, tornada desesperadamente histérica pelo assalto sonoro de uma harmónica e do canto yodel. Quando questionado sobre este famoso final do seu filme Stroszek, o próprio Werner Herzog disse que sentiu que era uma metáfora poderosa, mas não sabia dizer de quê. A sua relação com as galinhas, um tema estranhamente recorrente em muitos dos seus filmes, conduz frequentemente a um de dois fluxos de análise – as galinhas representam os piores aspetos da natureza humana, ou as galinhas representam os aspetos mais aterradores da Natureza – dois fluxos que raramente aparecem juntos dentro da mesma análise. E talvez isto seja representativo do motivo pelo qual Herzog sentiu que a sua galinha dançante era uma metáfora perfeita, embora ele não soubesse dizer de quê… uma tolerância para com a complexidade, para quebrar a dualidade a que frequentemente recorremos na nossa organização das ecologias que lidam com o Nós e a Natureza.

Frederic Edwin Church, 1889. “Moonrise”. Santa Barbara Museum of Art

Timothy Morton incita-nos a romper com as nossas noções românticas da Natureza com as suas teorias da “ecologia sombria”, que ele compara ao film noir na sua forma, onde o protagonista se pode sentir neutro nas suas avaliações e pesquisas, até que percebe que está implicado nelas. (111) Morton pode parecer ligeiramente em sintonia com a avaliação da natureza em Herzog, afirmando que uma ecologia mais relevante e realista – e a arte ecológica – não entendem a ecologia através de um vidro cor-de-rosa, mas esperam, aceitam e até prosperam numa desordem sombria. No entanto, a sua filosofia sobre este assunto também se aplicaria à outra face da moeda, ou seja, às afirmações do tipo “Nós Contra a Natureza” de Herzog. De facto, Morton critica a descrição de Herzog da visão de Treadwell em Grizzly Man, afirmando que “a sua perspetiva sobre a indiferença e crueldade animal é tão equivocada quanto a perspetiva de Treadwell sobre a simpatia animal”. (75)

A natureza pode ser e tem sido definida como vida, mundo físico, mundo natural, mundo material, universo, geologia, vida selvagem, reino das plantas e dos animais, natureza selvagem. O natural versus o artificial; A humanidade faz parte da natureza mas muitas vezes trata-a com se fosse algo separado de si. Muitos ecologistas contemporâneos entendem isto como um fator que contribuiu para os diversos problemas ecológicos e desastres potenciais e em curso. Natura em latim significa “nascimento” e também se pode referir às qualidades essenciais, a uma disposição inata. Estes conceitos foram traduzidos da palavra grega physis: características intrínsecas que os seres do mundo desenvolvem por conta própria.

Aristóteles considerava que a physis continha múltiplas definições, com múltiplos meios para a sua interpretação. Ele supunha que a natureza continha como fonte, na sua própria origem, “quatro causas”: matéria (ou material), poder / movimento (eficiência), forma e fim (ou finalidade). Ele pensava ainda que a natureza era dependente da arte (ou techne). [1]

A distinção crítica entre arte e natureza diz respeito às suas diferentes causas em termos de eficiência: a natureza é a sua própria fonte de movimento enquanto que a techne exige sempre uma fonte de movimento externa. [2]

Duas forças importantes do mundo são: aquilo que contém o seu próprio movimento e aquilo cuja necessidade ele próprio criou. Os seres humanos contêm ambas as forças e, muitas vezes, julgam que elas estão em contradição entre si – internamente e / ou externamente -, como, por exemplo, cortar árvores numa floresta para construir algo. Deleuze fala dos filmes de Herzog: “… a ação divide-se em dois: há a ação sublime, sempre além, mas que engendra outra ação, uma ação heroica que confronta o meio por sua conta própria, penetrando o impenetrável, violando o inviolável. Existe, portanto, uma dimensão alucinatória, onde o espírito em ação se eleva à infinidade na natureza e a uma dimensão hipnótica onde o espírito se confronta com os limites com que a Natureza se lhe opõe” (205).

A relação de Herzog com essa natureza, como podemos perceber pelos seus personagens e temas narrativos e documentais, é complicada. Este é um aspeto fascinante, revelador e permanente do seu trabalho ao longo da sua obra. O meu próprio relacionamento com o trabalho de Herzog é também complicado e parece em constante fluxo entre uma espécie de acordo e um desejo de argumentação. Um dos fatores que contribuem para esta provocação é a forma como ele utiliza o som, a qual ilustra bem as complicações na sua relação com a natureza, tanto a humana com a com “N” maiúsculo.

A natureza nos bastidores

No documentário “making-of” Burden of Dreams de 1982, do cineasta Les Blank (um filme nos bastidores da produção de Fitzcarraldo de Herzog, sem dúvida, um de seus filmes mais famosos tanto pelo carácter sublime do filme em si, como também pelos inúmeros mitos e histórias em torno da sua criação), existe um pico emocional quando Herzog é convidado a falar sobre os seus sentimentos em relação à selva e à natureza na qual ele e sua equipa estavam imersos. Herzog fez inicialmente este “discurso”, de forma sincera, a bordo de uma canoa. Blank achou-o tão revelador que perguntou se Herzog o poderia repetir mas, desta vez, dentro da imagem e do som da selva de que ele falava. Enquanto Herzog completava o seu depoimento sobre a violência da natureza, descrevendo-a como”grandiosa” e “sufocante”, a voz da selva surge suave e subrepticiamente, como as heras que pareciam partilhar ou lutar com ele pelo ecrã. Os sons não-humanos tornam-se preponderantes e Herzog termina a sua frase no mesmo volume que a selva, que então tinha assumido o domínio total, com a sua paisagem sonora sobrenatural, ou que soará sobrenatural à maioria do público do filme. É uma escolha interessante. Uma escolha interessante e reveladora; Reveladora dos sentimentos de Blank no momento da produção e da “declaração de guerra” da produção contra a selva.

Embora exista um elemento de encenação e sensacionalismo no desempenho de Herzog para a câmara, há uma revelação dos seus próprios sentimentos em relação à natureza selvagem, do que é incontrolável e do que os seres humanos não conseguem entender. Há tanto medo como respeito, e reflexão. Noutro momento de Burden of Dreams, Herzog diz a Blank: “Se eu abandonasse este filme, seria um homem sem sonhos… Com este projeto, eu vou viver a minha vida ou acabar com ela.” Herzog procura limites com as suas temáticas mas também procura personagens que, por sua vez, procuram limites dentro desses ambientes. Desta forma, cada filme é um reflexo da sua procura, da sua batalha contra a sua própria natureza. Uma vez ele disse a um entrevistador que “O nosso planeta é insignificante…, a história é insignificante: este é o nosso limite natural. Antes que tudo, é um limite espacial”.[3] Mas o cinema – e o som – esculpem espaço e tempo e, dentro deles, dão significado às nossas histórias. O tempo é relativo; A duração da vida humana é uma eternidade em comparação com a de muitas espécies mais pequenas. Esta é uma das perspetivas que podemos assumir quando atendemos ao mundo natural e consideramos que nós, com todos os nossos artefactos, destruições e criações, fazemos parte dele. Ele não confia na natureza tal como, nas suas palavras, parece não confiar no seu público. Ele controla todos os aspetos expressivos, tecendo a história que ele quer que recebamos e assegurando-se que sua mensagem é transmitida.

“Vamos ouvir o silêncio na caverna e, talvez, até ouvir as nossas batidas do coração”, diz o guia, pedindo silêncio ao grupo nas cavernas de Chauvet, no sul de França, perto do minuto dezoito de The Cave of Forgotten Dreams de Herzog. O personagem fala de som, ao pedir uma escuta ativa da caverna. Ele olha para a câmara e convida o público futuro a juntar-se e a ouvir o que ele chama de silêncio da caverna – embora o verdadeiro silêncio não exista no nosso mundo, já que as nossas paisagens são sempre ativas do ponto de vista sonoro. O silêncio é essencialmente um conceito, já que as nossas paisagens sonoras falam sempre.

O estudo da paisagem sonora, designado por ecologia sonora ou ecologia acústica, foca-se na relação entre os seres vivos e o seu ambiente através do som. É um campo único pela sua natureza e origem interdisciplinares, uma criação conjunta de cientistas e artistas. R. Murray Schafer, compositor e investigador canadiano, cunhou a expressão “soundscape” na Universidade Simon Fraser na década de 60, onde começou a lecionar estudos de paisagens sonoras. Esta expressão é utilizada para descrever a componente do nosso ambiente acústico que é percebido pelos seres humanos, ou “como este ambiente é percebido por aqueles que vivem nele”. (Truax, 11)

A paisagem sonora da caverna não consegue falar por muito tempo, pois Herzog traz a música de volta, afogando o ambiente delicado, permitindo apenas que a água gotejante penetre ocasionalmente no seu mundo composto. A música diz-nos para sentirmos e diz-nos também como é que ele quer que sintamos… contemplativa e focada nos seres humanos, presentes e passados, dentro da caverna. Pensa no tempo, no tempo humano, nas vidas humanas. Isto não é errado, mas aquela não é a paisagem sonora que é experienciada no ecrã. Poderíamos ter aqui uma oportunidade de ouvir e sentir o passado mas esse não é o foco de Herzog. O que Herzog quer que sintamos sobre o tempo é uma criação sublime.

E as histórias devem chegar ao sublime. A sua arte é temperar tudo isto com momentos de grande pausa, seja num momento de reflexão, ou testemunhando um personagem num estado de dúvida sobre se a entrevista já acabou ou não; uma técnica de revelação que pode funcionar mas que também pode ser entendida como manipuladora e até cruel. O contrário nunca seria permitido mas, ainda assim, Herzog revela-nos muito sobre a sua natureza artística, da posição em que ele quer estar face aos seus personagens, ao seu público, e mesmo à relação entre o público e os personagens.

Paisagem sonora e banda sonora

Frederic Edwin Church, 1861. “The Icebergs” Dallas Museum of Art

Existem muitas semelhanças entre The Cave of Forgotten Dreams e Antarctica: Encounters at the End of the World, realizado três anos antes. Muitas vezes, ao experienciarmos as paisagens mais intensas do filme, somos inundados por uma composição vocal musical que parece afogar a própria paisagem – entrando pela nossa receção adentro e impelindo-nos a sentir de uma certa maneira – como se a música vocal, um momento de grande talento artístico, conquistasse e falasse em nome da paisagem, traduzindo o seu poder. É uma opinião; É a perspetiva e o sentimento de Herzog. Mergulhamos debaixo do gelo da Antártida para testemunharmos uma paisagem subaquática sublime – parcialmente em fluxo, parcialmente congelada. Herzog pretende corresponder um elemento visual sobrenatural a um elemento sonoro também sobrenatural, neste caso, uma canção popular búlgara sobre uma montanha (“Planino, Stara Planino”). Mas este detalhe sobre a origem não é importante – Herzog, talvez assumindo que a maioria do seu público não estaria familiarizada com a canção e o seu idioma, recorre a uma técnica aditiva de dois elementos sobrenaturais (a paisagem subaquática e a canção) para potenciar um efeito sublime. Este é o objetivo dele e é bastante eficaz.

O filme é um retrato das pessoas e da relação entre a sua atividade e a paisagem. Experienciamos muitas histórias e atividades que são estranhas à maior parte de nós. Nalguns momentos, também temos a oportunidade de escutar, como quando nos juntamos à equipa de cientistas e investigadores e ouvimos os chamamentos das focas Weddell através do gelo.

Mais uma vez, há personagens a falar de som. Há um momento raro em que podemos escutar as focas Weddell e gravações subaquáticas mas, depois, somos engolidos pela música, o que nos separa e distancia do enquadramento. Eu argumento que, em momentos como estes, a colaboração com a paisagem sonora poderia levar a uma imersão mais profunda e afetiva do público em relação ao filme. Se conseguimos romper a dualidade Humano versus Natureza e podermos observar os fios que as ligam, poderíamos ouvir – e sentir – a relação entre a paisagem sonora e a composição sonora e recolher mais fragmentos da infinidade de informação que está disponível.

Sentimento e ecrã

O antropólogo e etnomusicologista Steven Feld pesquisou e teorizou, ao longo de décadas, a relação entre som, sentimento e lugar; E o simbolismo do som, enquanto algo distinto da voz e da música. No seu livro Sound and Sentiment: Birds, Weeping, Poetics, and Song in Kaluli Expression, Feld escreve sobre os seus estudos etnográficos sensoriais e o tempo vivido com o povo Kaluli, em Bosavi, Papua Nova Guiné e de como eles “racionalizam o som da natureza como algo que lhes pertence e, depois, ‘transformam-no’ para o projetar na forma do que é ‘natural’ e do que é ‘natureza humana’. Este é o vínculo entre a perceção de um mundo sensível, vivido e a invenção de uma sensibilidade expressiva”. Os Kaluli sentem-se esteticamente “nela” e “dela” em relação à natureza, são parte de um fluxo expressivo e um “sentimento do mundo” que liga indissociavelmente o som dos pássaros, o choro, a poética e a música, em todos os momentos e lugares. (268)

Mais uma vez em Burden of Dreams, Herzog diz: “E, claro, estamos a desafiar a própria natureza. E ela apenas responde, ela responde…” Ele recorre geralmente ao vocabulário bélico quando se refere à natureza. “Estes pássaros estão na miséria, eu não acho que eles cantem, eles choram de dor.”. Ele fala de caos, uma anti-harmonia, mas admite uma organização. Há um desafio constante no mundo, um desafio de ser-se ouvido. Trata-se de sobrevivência e comunicação, atração e distração. O ecologista acústico Dr. Bernie Krause fala disso como a Hipótese de Nicho Acústico, que descreve o processo de divisão da banda acústica que ocorre em biomas ainda selvagens, através do qual os organismos não humanos ajustam as suas vocalizações em frequência e ritmo de maneira a compensar o território ocupado por outras criaturas vocais. Assim, cada espécie evolui de modo a estabelecer e manter a sua própria banda acústica para que sua voz não seja mascarada.

ver nota [4]

Em The Great Animal Orchestra, Krause teoriza como isto poderá ser a base para o sentido humano de composição – escutando o bioma, escutando paisagens sonoras. Podemos tomar as origens teorizadas sobre esse sentido de composição e dessa relação com a nossa paisagem sonora e aplicá-los ao desenho de som e à composição sonora no cinema. Podemos combinar as camadas da paisagem sonora gravada, “transformá-la” com nossos sons expressivos, criando uma expressão sonora mais enraizada, mais expansiva e poderosa, transportando no seu afeto informação e expressão sensoriais. Se apenas preenchermos a composição sonora com música, estaremos a eliminar a complexidade e a oportunidade de comunicar mais. Feld escreve sobre o conceito nos Kaluli de “levantar-sobrepor-soar”: “O uníssono ou os sons delimitados discretamente não existem na natureza; Todos os sons são densos, compostos por múltiplas camadas, sobrepostos, alternados e interligados” – uma paisagem sonora densa e complexa, transmitindo uma sensação de sincronia e comunhão sonoras, uma participação de fontes sonoras, texturas sonoras que se dispersam, pulsam e reorganizam num movimento sonoro que flui”. (Feld, 266). Uma proto-orquestra. (Krause, 84).

Frederic Edwin Church, 1871. “Cloud Study.” Cooper Hewitt, National Design Museum

A percepção das paisagens sonoras tem a ver com desenho e composição sonoras, e também com a realização, especialmente em filmes sobre o mundo “natural” e sobre humanos no mundo “natural”. Existe uma oportunidade, num certo sentido, ética. O som é uma das extensões e expansões da natureza, bem como do cinema. A nossa experiência do som com a imagem em movimento é pré-reflexiva mas é também um ato reflexivo intencional em direção a um significado, utilizando a imaginação e a perceção. Se o papel da montagem cinematográfica é tornar um mais um igual a três [5], é fácil imaginar o que a adição infinita de paisagens sonoras complexas poderia conseguir.

Temos uma relação com sons biologicamente importantes que contêm Elementos Portadores de Informação (Information Bearing Elements – IBE – em inglês) e foi teorizado que as respostas a sons e paisagens sonoras complexas – por exemplo, no desenho de som cinematográfico – poderiam ser explicadas com base nesses IBEs (Suga, 423-428). O que pode criar um IBE também pode ser culturalmente aprendido e temos expectativas auditivas cinematográficas que podem ser utilizadas no aprofundamento da experiência narrativa imersiva e outras que podem ser evitadas devido ao seu uso excessivo. Por exemplo, o crescendo de violinos pode-nos indicar que algo inesperado, e possivelmente sombrio, está prestes a acontecer e, se uma cena de filme ocorre numa cidade, sabemo-lo em parte quando ouvimos uma sirene de polícia à distância. Absorvemos esta informação de forma rápida e desatenta, entrelaçada nas restantes informações cinematográficas. Michel Chion fala de som no cinema como um valor acrescentado:

O valor expressivo e/ou informativo com o qual um som enriquece uma determinada imagem, de modo a criar a impressão definitiva (imediata ou recordada) que esse significado emana “naturalmente” da própria imagem. O valor acrescentado é o que dá a impressão (eminentemente incorreta) de que o som é desnecessário, de que esse som apenas duplica um significado que, na realidade, ele suscita, quer por si só quer pelas discrepâncias entre si e a imagem. (6-7, 221)

Herzog e o engenheiro e desenhador de som dos seus filmes mais recentes, Eric Spritzer-Marlyn, utilizam o poder da paisagem sonora dentro de uma composição sonora cinematográfica.

 Werner gosta de tomadas muito longas e o que acontece normalmente é que vão existir pausas. Ele também gosta de observar as pessoas quando elas reagem. Isso faz parte de sua técnica, fazer a pergunta e depois assimilar a resposta. Ele deixa as coisas desenrolarem-se, observa as pessoas e como os seus rostos reagem. Ele olha nos olhos delas e apenas escuta. [6]

No entanto, muito frequentemente, as tomadas focadas em não-humanos, tomadas da paisagem, flora e fauna, não têm a oportunidade de soarem. Um exemplo interessante e bem-sucedido disto é uma cena em The White Diamond. Começamos com uma história sobre tentativas humanas de voo e de como as tentativas iniciais, em que se imitava diretamente a natureza, falharam. Os humanos não podiam imitar a natureza, não lhes era permitido esse acesso, então, para terem sucesso, tiveram que inventar perante a natureza. Estamos então na máquina voadora, sobre a copa das árvores lá em baixo, o som dos insetos misturando-se com o do violino. Então, quando nos despenhamos, Herzog retira a paisagem sonora mais uma vez – desta vez para nos distanciar, apesar da proximidade com as criaturas no enquadramento, ou, melhor, em paralelo com a invulgar proximidade em relação a criaturas invulgares, no enquadramento. Ele pretende que possamos testemunhar o desinteresse da selva em relação às grandes tentativas e sonhos dos seres humanos. Ele quer sublinhar o quão estranho eles e o mundo deles são para nós e nós para eles. A música, instrumentos que tentam mimetizar os sons não-humanos, criam uma sensação de “vale da estranheza auditivo” [7]. Ele tem êxito, do ponto de vista sonoro, com esta cena – ao emudecer o mundo no ecrã e fazer com que a única voz seja a da música, a sua perspetiva.

Lançando um laço sonoro

Frederic Edwin Church, 1865. “Rain Forest, Jamaica, West Indies”. Cooper Hewitt, National Design Museum

Muitas vezes, nos seus filmes os seus personagens falam de som. Em Encounters At the End of the World, um personagem descreve o som do gelo. Em The White Diamond, o protagonista fala do desejo de voar como um desejo de paz sonora, uma oportunidade para pensar. A sua versão do silêncio é um calmante da mente em relação àquilo que o assombra. Ele equipara a ideia de silêncio a um ideal, a parte da realização de um sonho. Eu valorizo o facto de Herzog lhe ter dado a oportunidade de relacionar isto com a paisagem sonora da selva atrás dele; Mas, novamente, ele retira-lhe esse momento com os seus instrumentos musicais, e não nos é dada permissão para ouvirmos o que o personagem está a ouvir. A sua relação com o som e com o que designamos por natureza são de controlo. Ele utiliza as convenções das bandas sonoras cinematográficas – embora muito bem – para lançar um laço sonoro sobre o público ocidental, dizendo-lhe como e quando sentir, orientá-lo e manipulá-lo… o que, para ser justo, é uma grande parte do trabalho de som no cinema.

Noutro ponto do filme, eles estão numa cascata que cobre uma caverna gigante onde andorinhões voam para o seu ninho. O lugar é sagrado e parte deste estatuto é provavelmente devido ao facto de os seres humanos não terem acesso fácil ao mesmo. O locutor diz-nos: “Do fundo das quedas de água, a caverna gigante é inacessível. Resistiu a todas as tentativas dos exploradores.” Mais uma vez, a linguagem bélica é usada quando ele se refere à natureza, não deixando os seres humanos levarem a melhor. Eles baixam a câmara em direção à entrada da caverna para “olharem para o desconhecido”. Herzog decide não nos deixar ver as filmagens. Ele toma uma decisão similar em Grizzly Man quando decide (felizmente) não nos permitir ouvir a gravação áudio da morte de Timothy Treadwell. Ambas as escolhas são por respeito, mas também por controlo e desconfiança.

Ao fim e ao cabo, Herzog não confia na natureza humana mas confia em si mesmo como uma espécie de tampão ou intermediário – ele experienciará e, depois, decidirá como vai traduzir e transmitir essa experiência para nós. O contraste dos vídeos da Treadwill, com as suas paisagens sonoras capturadas no momento, cria uma voz poderosa que funciona como contrapeso em relação à capacidade de Herzog de alimentar artisticamente a sua perspetiva pessoal e, especialmente neste filme, julgamentos muito definitivos.

Uma última toma, de ventania varrendo violentamente erva alta e arbustos, e com Treadwell, selvagem e sincero, em pé no meio dela e falando para nós e para a câmara, através do filme de Herzog. Ele fala abertamente do seu amor pelo seu trabalho; O vento transporta a voz em direção à câmara. “Ele parece hesitar em deixar o último enquadramento do seu próprio filme”, Herzog fala num momento em que Treadwell já não está – mantendo a paisagem sonora detrás dele em volume baixo, um murmúrio do passado. “É a única coisa que sei. É a única coisa que eu quero saber“, afirma Treadwell com um sorriso. Ele vai desligar a câmara mas é distraído por um breve momento, ficando apenas a escutar… por um breve momento apenas escutando a sua terra amada. E nós escutamos com ele. O monólogo final de Herzog é feito em cima das gravações adicionais que Treadwell fez, de ursos brincando à beira-mar. Ele deixa a paisagem sonora mais uma vez para segundo plano, permitindo que o passado dialogue com ele, dando peso às palavras sobre aquilo que desapareceu e aquilo que permanece: “Uma ideia torna-se cada vez mais clara: este material não é tanto um olhar sobre a natureza selvagem mas é mais uma visão sobre nós mesmos, sobre a nossa natureza.” Este momento no final é uma bela convergência entre as duas vozes e uma afirmação de respeito da parte de Herzog.

Frederic Edwin Church, 1865. “Aurora Borealis.” Smithsonian American Art Museum

“Será que o cinema precisa encontrar uma imagem que, de outra forma, excede os limites do visível, ou será outra coisa?”, o mesmo entrevistador pergunta a Herzog. O som no cinema pode e faz isto – puxa o mundo imersivo para fora das fronteiras do enquadramento para nos circundar. Herzog responde: “Estas imagens são sobre uma procura que é parte integrante do cinema, eu creio. Eu acho que através dos filmes podemos transmitir sensações básicas. (…) Eu acho que alguns filmes são sobre dar ao público a possibilidade de sentir os espaços interiores, os espaços mais invisíveis.” [8] Não duvido que isso seja possível com o cinema e a experiência sensorial cinematográfica. O meu argumento é que o som cinematográfico em conjunto com a imagem transmite informações sensoriais complexas que a imagem não pode carregar sozinha, em camadas e teceduras, criando um efeito a nível do subconsciente. Isto faz-me recordar novamente a escrita de Steven Feld sobre os Kaluli “levantar-sobrepor-soar”, a aceitação da complexidade da paisagem sonora e das informações e sensações que nos trazem – “a paisagem sonora evoca ‘dentros’ (sa), ‘debaixos’ (hego) e ‘reflexões’ (mama). Estas noções envolvem perceções, mudanças de foco e de enquadramento, movimentos de acesso interpretativo a significados aglomerados em camadas de sensações…” (266). A experiência de escutar o exterior, traduzido para o interior – o cineasta e desenhador som podem mapear esse caminho em colaboração – cena a cena, sensação a sensação, paisagem sonora a par do desenho de som, permitindo-nos sentir essas histórias e esses espaços.

.

Bibliografia:

Chion, Michel. 1990. L’Audio-Vision. Paris: Editions Nathan. Tradução para Inglês: (1994). Audio-Vision: Sound on Screen. New York: Columbia University Press

Deleuze, Gilles. 1985. Cinéma 2, L’Image-temps. Paris: Les Editions de Minuit. Tradução para Inglês: 1989. Cinema 2: The Time-Image. Minneapolis: University of Minnesota

Feld, Steve. 1990. Sound and Sentiment: Birds, Weeping, Poetics, and Song in Kaluli Expression. Duke University Press

Krause, Bernie. 2012. The Great Animal Orchestra: Finding the Origins of Music in the World’s Wild Places. New York: Little, Brown and Company

Morton, Timothy. 2010. The Ecological Thought. Cambridge: Harvard University Press

Murch, Walter. 2000. “Stretching Sound To Help the Mind See” in New York Times. Acedido a 20 Novembro 2015 (http://www.nytimes.com/2000/10/01/arts/01MURC.html?pagewanted=all)

Schaeffer, Pierre. 1966, Traité des objets musicaux, Le Seuil, Paris.

Schafer, Raymond Murray. 1977. The Soundscape, Our Sonic Environment and the Tuning of the World. New York: Knopf

Suga, Nubou. (1992). “Philosophy and Stimulus Design for Neuroethology of Complex-Sound Processing”in Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences. Royal Society Publishing

Truax, Barry. 1984, 2001. Acoustic Communication. Westport: Ablex Publishing

.

Filmografia

Bank, Les. (1982). Burden of Dreams. New York, United States

Herzog, Werner:

Antarctica: Encounters At the End of the World. (2007). Discovery Films and Creative Differences Productions. Antarctica/United States

Grizzly Man. (2005). Discovery Docs and Lionsgate. United States

The Cave of Forgotten Dreams. (2010). Creative Differences Productio France/United Kingdom

The White Diamond. (2004). Marco Polo Film AG and NHK. Germany/Japan.

 Stroszek. (1977). Werner Herzog Filmproduktion. West Germany

.

Notas

[1] Hankinson, R. J. (1998), Cause and Explanation in Ancient Greek Thought (e-book), [Oxford]: OUP Premium, p. 159. Acedido a 5 Janeiro 2017: doi:10.1093/0199246564.001.0001ISBN 9780198237457

[2] Atwill, Janet. 1998. “The Interstices of Nature, Spontaneity, and Chance” in Rhetoric Reclaimed: Aristotle and the Liberal Arts Tradition. Ithaca, NY: Cornell UP.

[3] “Being Exposed to Nature, A Conversation with Werner Herzog”, editado por Daniele Dottorini. In Fata Morgana, Nature, No.6, 2008

[4] Primeira imagem: Krause, Bernie. 2004. The Meaning of Wild Soundscapes in Greenmuseum. Ele escreve: “Este espectrograma representa uma amostra de 10 segundos do som evoluindo da esquerda para a direita na imagem. A informação de baixo para cima representa a frequência de 0 a 10,000Hz, cerca de uma oitava acima da nota mais alta do piano. Em qualquer ponto onde não exista energia (espaço em branco) é onde os Bayaka (e outros) preenchem o espaço com a sua música.” Acedido a 3 Fevereiro 2017 de http://greenmuseum.org/generic_content.php?ct_id=181

Segunda imagem: Espectrograma mais recente derivado de um segmento diferente da mesma gravação na reserva Dzanga-Sanga. O tempo, cerca de 50 segundos, é medido no eixo x (horizontal) da esquerda para a direita. A frequência, de 0Hz a 20KHz, é medida no eixo y (vertical) de baixo para cima. A discriminação de nicho nesta representação é mais clara. (Agradecimentos a Bernie Krause pela imagem e informação.)

[5] “Duas peças cinematográficas de qualquer tipo, colocadas juntas, inevitavelmente combinam-se para formar um novo conceito, uma nova qualidade, decorrente dessa justaposição.” – Sergei Eisenstein

[6] “Entrevista: “Werner Herzog’s Sound and Vision” in Southern Pacific Review. Acedido a 7 Março 2016: http://southernpacificreview.com/2014/09/17/werner-herzogs-sound-and-vision/

[7] O “vale da estranheza” é uma hipótese que diz que, quando objetos, como por exemplo réplicas humanas, se comportam de forma muito parecida — mas não idêntica — aos seres humanos, provocam uma sensação de estranheza e por vezes repulsa.

[8] Página 2 de Being Exposed to Nature, A Conversation with Werner Herzog, editado por Daniele Dottorini. In Fata Morgana, Nature, No.6, 2008

*Maile Colbert é uma artista intermedia com enfoque no som e no vídeo. É investigadora em doutoramento em estudos artísticos, centrada nos estudos de som, design de som e ecologia de paisagens sonoras, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. O seu trabalho e projeto de pesquisa atual é intitulado, Wayback Sound Machine: Sound through time, space, and place e interroga o que podemos obter com a ressonância do passado. Fez exibições e apresentações ao redor do globo. Para ver, ler e ouvir seu trabalho: www.mailecolbert.com

tradução por Rui Colbert Costa

.

.

Cinema and Seeking: A Nature in Werner Herzog’s Sound and Vision

by Maile Colbert*

 .

Frederic Edwin Church, 1866. “Rainy Season in the Tropics”. Fine Arts Museums of San Francisco

 Abstract:

This essay will explore, at times critically, the relationship of Werner Herzog’s films–and specifically their sonic elements–to the various biomes he shoots in. Focusing on six films, almost all documentary, I will be writing through a thread of my recent research on the relationship of soundscape to cinematic sound design with a focus on theories and work from: R. Murray Schafer in acoustic ecology, Steven Feld in sound ethnography, Bernie Krause with his Acoustic Niche Hypothesis (ANH) and soundscape ecology, and neurobiologist Nobuo Suga and his theory of information-bearing elements in acoustic patterns of a soundscape.

Introduction:

The import of giving voice to place is a theme throughout this essay, and within that spirit I want to speak of my own place in regards to this writing. Herzog is a remarkable filmmaker, my critiques are specific to choices he makes in his soundtracks that I feel could say more if done differently. But ultimately, whether in agreement or not, I write from a place of respect, and feel privileged to do so.

It can be entertaining to write about Werner Herzog and his films. The amount of urban myth surrounding each, only matched by the actual chaotic and dramatic events and elements that seem to inevitably arise in his productions. While tempting, I want to refrain from psychoanalyzing his character, but I will speak about the relationship between his cinematic nature, his film’s “natural” nature, and about human nature. Or rather, human nature against the border, the boundaries, of a wilderness nature, within his films.

The dark ecology to a dancing chicken

We’re in Wisconsin, and the bank robbery went wrong. His partner was caught, Bruno escaped, but for how long, and to what? He walks into an amusement arcade, void of other humans, filled with animals in themed cages, trained to do a thing over and over again. A coin enters a slot, a rabbit “plays” piano. A coin enters a slot, a chicken dances…over and over, again and again. The room is filled with a maddening sound composition, made desperately hysterical by the sonic take-over of harmonica and yodeling. When asked about this famous ending to his film Stroszek, Werner Herzog himself said he felt it was a powerful metaphor, but he couldn’t say what for. His relationship with chickens, an oddly ongoing theme in many of his films, has often led to one of two streams of analysis–chickens represent the worst aspects of human nature, or chickens represent the most terrifying aspects of Nature–two streams that rarely come together within the same analysis. And perhaps this is representative as to why Herzog felt his dancing chicken was a perfect metaphor, but for what he couldn’t say…an allowance for complexity to break the duality we often jump to in our organization of ecologies dealing with Us and Nature.

Frederic Edwin Church, 1889. “Moonrise”. Santa Barbara Museum of Art

Timothy Morton urges that we break from our romantic notions of Nature with his theories of a “dark ecology”, which he compares to film noir in form, where the protagonist may feel neutral in their assessments and investigation, until they realize they are implicate within it. (111) Morton might seem somewhat in-tune with Herzog’s assessment of Nature, stating often that a more relevant and realistic ecology–and ecological art–doesn’t view ecology through a rose-colored glass, but expects, accepts, and even thrives in the dark mess and mesh. But his philosophy on the subject would also apply to the pendulum swinging the other way, and Herzog’s “Us versus Nature” statements. In fact, Morton critiques Herzog’s depiction of Treadwell’s view in Grizzly Man, stating his, “…view of animal indifference and cruelty is as mistaken as Treadwell’s view of animal sympathy”. (75)

Nature can be and has been defined as life, living, the physical world, the natural world, the material world, the universe, geology and wildlife, the kingdom of plants and animals, the wild, wilderness. The natural versus the artificial; humankind is part of nature, but often spoken of as separate. Many contemporary ecologists have sited this as being a large contributing factor to different ecological problems, and potential and ongoing disasters. Natura in Latin meant “birth”, and could also refer to essential qualities, an innate disposition. That is translated from the Greek physis: relating to the intrinsic characteristics that beings of the world develop on their own.

Aristotle considered physis to hold multiple definitions, with multiple means towards interpretation. He felt nature contained, innately, its own source of “the four causes”: matter (or material), power/motion (efficiency), form, and end (or final). He felt nature was dependent on art (or techne).[1]

The critical distinction between art and nature concerns their different efficient causes: nature is its own source of motion, whereas techne always requires a source of motion outside itself.[2]

Two important forces of the world, that which holds its own motion, and that which needs it created. Humans hold both, and often feel the two are at war–internally and/or externally–such as cutting into a forest to build. Deleuze speaks of Herzog’s films: “…the action divides in two: there is the sublime action, always beyond, but which itself engenders another action, a heroic action which confronts the milieu on its own account, penetrating the impenetrable, breaching the unbreachable. There is thus both a hallucinatory dimension, where the acting spirit raises itself to boundlessness in nature and a hypnotic dimension where the spirit runs up against the limits which Nature opposes to it.” (205)

Herzog’s relationship with that nature, as we can perceive from both his narrative and documentary films’ characters and subjects, is a complicated one. This is a fascinating aspect to his work, revealing and ongoing through his oeuvre. My own relationship to his work is complicated as well, and seems in constant flux between a sort of agreement and a desire to argue. One of the contributing factors for this provocation is his use of sound, which can illustrate his complications with nature, both human and capital “N”.

The nature behind the scene

In filmmaker Les Blank’s 1982 “making-of” documentary, Burden of Dreams (a “behind the scenes” film of the production of Herzog’s Fitzcarraldo, and arguably one of his most famous films for both the sublimity of the film itself, as well as the many myths and stories surrounding its creation) a peak in the emotional curve of the film happens when Herzog is asked to speak about his feelings towards the jungle and towards the nature he and his crew were currently engulfed in. In fact, this “speech” had been made, prior and candid, on a canoe. Blank found it so revealing he asked if Herzog could repeat it, but this time within both the image and sound of the jungle of which he speaks. As Herzog completes his statement on the violence of nature, describing it as “grandiose” and “suffocating”, gently the voice of the jungle itself creeps up, like the vine sharing‑or perhaps fighting for­‑the screen with him. The non-human sounds takes over, Herzog finishes his sentence on equal volume as the jungle, which then takes over with its other-worldly soundscape, or what will sound other-worldly to the majority of the film’s audience. It is an interesting choice. An interesting and telling choice; telling of Blank’s feelings at the time of the production, and the production’s declaration of war with the jungle.

While there is an element of acting and sensation to Herzog’s performance for the camera, there is a revelation of his own feelings to wilderness, of what is uncontrollable and what humans cannot understand. There is both fear and respect, and reflection. At another point in Burden of Dreams he says to Blank, “If I should abandon this film I should be a man without dreams…I live my life or end my life with the project.” Herzog seeks limits with his themes, and he also seeks those who seek limits as subjects within those environments. In this way each film is a reflection of his seeking, his pushing, and his battle with his own nature. He once told an interviewer that, “Our planet is insignificant…the story is insignificant: this is our natural limit. First of all, it is a spatial limit”.[3] But cinema–and sound–carve out space and time, and within that give significance to our stories. Time is relative; a human life span is an eternity compared with many much smaller species. This is one of the perspectives we can consider when we consider the natural world, and consider that we, with all of our artifacts and destructions and creations, are a part of that. Much as he does not trust nature, in his own words, he seems to not fully trust his audience. He controls every aspect of expression, weaving the story he wants us to receive, and making sure his message is transferred.

“We are going to listen to the silence in the cave, and perhaps even hear our own heartbeats”, the guide says, asking for silence from the group in the Chauvet caves of Southern France, at about eighteen minutes into Herzog’s The Cave of Forgotten Dreams. The character speaks of sound, asking for an active listening to the cave. He looks to the camera, inviting the future audience to join and listen to what he calls the silence of the cave–though true silence does not exist in our world, our landscapes are always sonically active. Silence is mostly a concept, our soundscapes always speak.

The study of the soundscape, called either soundscape ecology or acoustic ecology, focuses on the relationship between living beings and their environment through sound. It’s a unique field in its interdisciplinary nature and beginnings, a creation from scientists and artists together. R. Murray Schafer, a Canadian composer, and researcher, coined the phrase “soundscape” at Simon Fraser University in the 1960’s, where he began to teach soundscape studies. The phrase is used to describe the component of our acoustic environment that is perceived by humans, or “how that environment is understood by those living in it”. (Traux, 11)

The cave soundscape is not allowed to speak for long, as Herzog pulls the music back in, drowning out the delicate ambience, only allowing dripping water to occasionally penetrate his composed world. The music tells us to feel, and how he wants us to feel…contemplative, and focusing on those humans inside the cave, and past humans inside the cave. Thinking about time, of human time and lives and dreams. It is not wrong, but it is also not the soundscape those on screen are experiencing. We could have a chance here to hear the past, to sense the past, but this is not Herzog’s focus. What Herzog wants us to feel about time is a crafted sublime.

And the stories must reach the sublime. His artistry is to temper that with moments of great pause–whether in a point of reflection, or witnessing a character in the state of wondering whether the interview is over or not, a technique of revelation that while functions can read manipulative and even a bit cruel at times. The reverse would never be allowed, but even within that he reveals to us more of his artistic nature, of the position he wants to be in in relation to his subjects, and in relation to his audience, and even in the relationship between audience and subjects.

Soundscape and soundtrack

Frederic Edwin Church, 1861. “The Icebergs” Dallas Museum of Art

There are many similarities with The Cave of Forgotten Dreams, and Antarctica: Encounters At the End of the World, made three years prior. Often in experiencing the most intense landscapes in the film, we are flooded with a musical vocal composition that seems to drown out the landscape itself–entering into our reception, and pushing us to feel a certain way–as if the vocal music, a point of great human artistry, is taking over and speaking for the landscape, translating its power. It is an opinion; it is Herzog’s perspective and feeling. We go underneath the ice in Antarctica to witness a sublime underwaterscape–partially flowing, partially frozen. He wants to match an otherworldly visual with an otherworldly audio, in this case a Bulgarian folk song about a mountain (“Planino, Stara Planino”). But that detail of origin isn’t important–perhaps assuming the majority of his audience will not be familiar with the song, the language, the technique that the otherworldly plus otherworldly will have an additive towards sublime affect. This is his goal, and it is mostly effective.

The film is a portrait of the people there and their industry in relation to the landscape. We experience many stories and industries that are foreign to most of us. There are a few points where we have a chance to listen as well, such as when we join the team of scientists and researchers to listen to the calls of the Weddell Seals through the ice.

Again we have characters speaking of sound. We have a rare moment to hear the Weddell seals and underwater recordings, and then we are swallowed by music again, separating and distancing us from the frame. I argue in moments like these, collaboration with the soundscape could lead to further and more affective immersion into the film for the audience. If we manage to break through the duality of Human and Nature, and can see the threads that tie and connect, we could hear–and sense–the relationship between the soundscape and sonic composition, and gather more of the infinite information there possible.

Sense and screen

Anthropologist and ethnomusicologist Steven Feld has researched and theorized about the relationship between sound, sense, and place for decades; and the symbolism of sound as distinct from voice and music. In his book Sound and Sentiment: Birds, Weeping, Poetics, and Song in Kaluli Expression, Feld writes about his sensory ethnographic studies and time spent living with the Kaluli of Bosavi, Papua New Guinea, and on how the Kaluli “rationalize nature’s sound as its own, then ‘turns it over’ to project it in the form of what is “natural” and what is “human nature”. This is the link between a perception of a sensate, lived-in world and the invention of an expressive sensibility.” The Kaluli feel themselves aesthetically “in it” and “of it” when it comes to nature, they are a part of an expressive flow and “world-sense” that links bird sound, weeping, poetics, and song together inextricably, at all times and places. (268)

Again from Burden of Dreams, Herzog says: “And of course we are challenging nature itself. And it just hits back, it hits back…” He often uses the language of battle when referring to nature. “These birds are in misery, I don’t think they sing, they screech in pain.” He speaks of chaos, an anti-harmony, but admits to an organization. There is a constant challenge within the world, a challenge of being heard. It is about survival and communication, attraction and distraction. Acoustic ecologist Dr. Bernie Krause speaks of this as the Acoustic Niche Hypothesis, which describes the acoustic bandwidth partitioning process that occurs in still-wild biomes by which non-human organisms adjust their vocalizations by frequency and time-shifting to compensate for vocal territory occupied by other vocal creatures. Thus each species evolves to establish and maintain its own acoustic bandwidth so that its voice is not masked.

see note [4]

In The Great Animal Orchestra, Krause theorizes how this could be the basis for human’s sense of composition–listening to the biome, listening to these soundscapes. We can take the theorized origins of a sense of composition and that relationship to our soundscape, and apply towards sound design and sonic composition in cinema. We can blend the layers of recorded soundscape, “turn it over” with our expressive sounds, creating a more grounded, yet more expanded and powerful sonic expression, carrying with it’s affect sensorial information and expression. If we take away, and fill with music solely, we are taking away from a complexity and an opportunity to communicate more. Feld writes of the Kaluli concept of “lift-up-over-sounding”: “Unison or discretely bounded sounds do not appear in nature; all sounds are dense, multilayered, overlapping, alternating, and interlocking”–a dense and complex soundscape, conveying a sense of synchronicity and togetherness of sound, a participation of sound sources, sonic textures “disperse, pulse, rearrange” in a sonic motion that “flows”. (Feld, 266). A proto-orchestra. (Krause, 84).

Frederic Edwin Church, 1871. “Cloud Study.” Cooper Hewitt, National Design Museum

The perception of soundscapes is also about design and composition, and so can also be about filmmaking, especially with films regarding the “natural” world, and especially with films regarding humans in the “natural” world. There is an opportunity, sometimes arguably even ethicality. And sound is one of nature’s extensions and expansions, as well as one of cinema’s. Our experience of sound with moving image is both pre-reflective as well as an intentional reflective act towards meaning, utilizing imagination as well as perception. Imagine–if the roll of the cinematic montage is to make one plus one equal three,[5] what the infinite addition of complex soundscape can contribute.

We have a relationship to biologically important sounds that hold information-bearing elements (IBE) within them, and it is theorized that responses to complex sounds and soundscapes–for example, cinematic sound design–could be explained on the basis of these IBEs. (Suga, 423-428) What might create an IBE could also be culturally learned, and we have auditory cinematic expectations that can be used in deepening the narrative immersive experience, and others that may warrant being avoided due to overuse and expectation. For example the crescendo of violins might signal to us that something unexpected, and possibly dark, is about to happen. And if a film scene takes place in a city, part of how we know that is a police siren in the distance. We take this information in, quick and unnoticed, woven into the other cinematic information. Michel Chion speaks of sound in cinema as an added value:

The expressive and/or informative value with which a sound enriches a given image, so as to create the definite impression (either immediate or remembered) that this meaning emanates ” naturally” from the image itself. Added value is what gives the (eminently incorrect) impression that sound is unnecessary, that sound merely duplicates a meaning which in reality it brings about, either all on its own or by discrepancies between it and the image. (6-7, 221)

Herzog and his sound engineer and designer of the more recent films, Eric Spritzer-Marlyn, do utilize the power of soundscape within a cinematic sound composition in more recent films.

Werner likes long, long takes, and the normal thing that happens is you have         pauses. He also likes to watch people when they react. That’s part of his   technique, to ask the question and then take in the answer. He lets things roll,         watches people, and how their face reacts. He looks into their eyes and just           listens.[6]

But often non-human focused shots, shots of landscape, flora and fauna, are continuously not given the chance to sound. An interesting, and admittedly successful, example of this is a scene in The White Diamond. We begin with a history of human attempts at flight, and how initial attempts that would directly mimic nature would fail. Human could not mimic nature here, was not allowed that access, so had to invent in the face of nature in order to succeed. So, we are in the flying machine, over the canopy below, the sound of the insects blending with violin. Then, as we crash, Herzog strips away the soundscape once again–this time to distance us, despite the close proximity to the creatures on the frame, or in fact in tandem with the unusually close proximity to the unusual creatures in the frame. He wants us to witness the disinterest of the jungle to the grand attempts and dreams of human beings. He wants to highlight how alien they and their world are to us, and us to them. The music, instruments working towards mimicry of non-human soundings, creates a sensation of an aural uncanny valley.[7] He succeeds sonically with this scene–by rendering the world on the screen dumb, the only voice is the music, his perspective.

Throwing a sonic lasso

Frederic Edwin Church, 1865. “Rain Forest, Jamaica, West Indies”. Cooper Hewitt, National Design Museum

Often in his films his characters speak of sound. In Encounters At the End of the World, a character describes the sound of the ice. In The White Diamond, the protagonist speaks of a desire towards flying as a desire towards a sonic peace, a chance to think. His version of silence is a calming of the mind, of what haunts him. He equates the idea of silence as an ideal, part of the achievement of the dream. I appreciate that Herzog gave him a chance to relate this with the soundscape of the jungle behind him; but then, again, he takes back the moment with his musical instruments, and we aren’t allowed to listen to what the character is listening to. His relationship to sound is about control, much like his relationship to what we are calling nature. He uses conventions in cinema soundtracks–albeit very well–to throw a sonic lasso over a Western audience, telling them how to feel and when, to guide and to manipulate…which to be fair, is a large part of sound’s job in cinema.

At another point in the film they are at a waterfall that covers a giant cave where swifts fly through to their nesting place. The spot is sacred, and part of that status is most likely from humans having no easy access. The VO tells us, “From the bottom of the falls the giant cave is inaccessible. It has resisted all attempts by explorers.” Again, the language of battle is used when referring to nature not letting humans have their way. They lower a camera into the cave to “gaze into the unknown.” Herzog decides not to let us see the footage. He makes a similar decision in Grizzly Man when he decides (thankfully) not to allow us to hear the audio recording of Timothy Treadwell’s death. Both choices are out of respect, but also a control and distrust.

Herzog does not trust human nature in the end, but trusts himself as a sort of buffer or mediator–he will experience, and then decide how that should be translated and transmitted to us. The contrast of Treadwill’s videos, with their in-the-moment captured soundscapes, creates a powerful voice that lends a counter-weight, important to attempt balance to Herzog’s experience of craft fueling his perspective and–especially in this film–sometimes very strong judgments.

A last shot with a wild wind violently sweeping long grass and brush, in which an equally wild and earnest Treadwell stands in the middle of, speaking to us/the camera, through Herzog’s film. He speaks candidly of his love for his work; the wind carries his voice to the camera. “He seems to hesitate in leaving the last frame of his own film,” Herzog speaks at a moment when Treadwell is not–keeping the soundscape still low behind him, a murmur from the place past. “It’s the only thing I know. It’s the only thing I want to know,” Treadwell states with a smile. He goes to turn off the camera, then is for a moment sidetracked, clearly listening…for a moment just listening to his beloved land. And we listen with him. Herzog’s closing monologue is over further footage Treadwell has taken, of the bears playing by the seaside. He leaves the soundscape once again in the background, allowing the past to speak with him in dialogue, allowing it to have a weight on his words of what is gone and what remains: “A thought becomes more and more clear, this (footage) is not so much a look at wild nature, as it is an insight into ourselves, into our nature.” This moment in the ending is a beautiful convergence of the two voices, and one of respect from Herzog’s side.

“Does cinema need to find an image which otherwise exceeds the limits of the visible, or is it something else?” the same interviewer asks Herzog. Sound with cinema can do that, does do that–pulling the immersive world outside the borders of the frame to surround us. Herzog answers: “Those images are about a search which is integral to cinema; I think. I think that through films we can transmit basic sensations. (…) I think that in some of the movies, it was about giving the audience the possibility to feel the interior spaces, the most invisible spaces.”[8] I do not doubt that this is possible with cinema and the cinematic sensorial experience, my argument being that cinematic sound with image transmits complex sensorial information that image cannot carry alone–layered and woven, creating affect under a conscious level. This calls to mind again Steven Feld’s writing on the Kaluli “lift-up-and-over-sounding”, the acceptance of the complexity of the soundscape and the information and sensations that brings us–“the soundscape evokes ‘insides’ sa, ‘underneath’ hego, and ‘reflections’ mama. These notions involve perceptions, changes of focus and frame, motions of interpretive access to meanings packed into layers of sensation…” (266) The experience of listening to the external, translated in the internal–the filmmaker and sound designer can map out this path in collaboration–scene-by-scene, sensation-by-sensation, soundscape with sound design–allowing us to feel those stories and those spaces.

.

Bibliography:

Chion, Michel. 1990. L’Audio-Vision. Paris: Editions Nathan. English translation: (1994). Audio-Vision: Sound on Screen. New York: Columbia University Press

Deleuze, Gilles. 1985. Cinéma 2, L’Image-temps. Paris: Les Editions de Minuit. English translation: 1989. Cinema 2: The Time-Image. Minneapolis: University of Minnesota

Feld, Steve. 1990. Sound and Sentiment: Birds, Weeping, Poetics, and Song in Kaluli Expression. Duke University Press

Krause, Bernie. 2012. The Great Animal Orchestra: Finding the Origins of Music in the World’s Wild Places. New York: Little, Brown and Company

Morton, Timothy. 2010. The Ecological Thought. Cambridge: Harvard University Press

Murch, Walter. 2000. “Stretching Sound To Help the Mind See”. New York Times. Retrieved November 20, 2015 (http://www.nytimes.com/2000/10/01/arts/01MURC.html?pagewanted=all)

Schaeffer, Pierre. 1966, Traité des objets musicaux, Le Seuil, Paris.

Schafer, Raymond Murray. 1977. The Soundscape, Our Sonic Environment and the Tuning of the World. New York: Knopf

Suga, Nubou. (1992). “Philosophy and Stimulus Design for Neuroethology of Complex-Sound Processing”. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences. Royal Society Publishing

Truax, Barry. 1984, 2001. Acoustic Communication. Westport: Ablex Publishing.

.

Filmography:

Bank, Les. (1982). Burden of Dreams. New York, U.S.

Herzog, Werner:

Antarctica: Encounters At the End of the World. (2007). Discovery Films and Creative Differences  Productions. Antarctica/United Stat

Grizzly Man. (2005). Discovery Docs and Lionsgate. United State

The Cave of Forgotten Dreams. (2010). Creative Differences Productions. France/United Kingdom

The White Diamond. (2004). Marco Polo Film AG and NHK. Germany/Jap

Stroszek. (1977). Werner Herzog Filmproduktion. West Germany

.

Notes

[1] Hankinson, R. J. (1998), Cause and Explanation in Ancient Greek Thought (e-book), [Oxford]: OUP Premium, p. 159. Retrieved January 5, 2017: doi:10.1093/0199246564.001.0001ISBN 9780198237457

[2] Atwill, Janet. 1998. “The Interstices of Nature, Spontaneity, and Chance.” Rhetoric Reclaimed: Aristotle and the Liberal Arts Tradition. Ithaca, NY: Cornell UP.

[3] “Being Exposed to Nature, A Conversation with Werner Herzog”, edited by Daniele Dottorini. In “Fata Morgana”, Nature, No.6, 2008

[4] First image: Krause, Bernie. 2004. “The Meaning of Wild Soundscapes” in Greenmuseum. He writes: “This spectrogram represents a 10 second sample of sound moving from left to right across the image. From bottom to top represents frequency from 0 to 10,000Hz, about an octave higher than the highest note on the piano. Anywhere where there is no energy (white space) is where the Bayaka (and others) fill the space with their music.” Accessed February 3, 2017 from http://greenmuseum.org/generic_content.php?ct_id=181

Second image: More recent spectrogram derived from a different segment of the same Dzanga-Sanga recording. Time, about 50 seconds, is measured on the x (horizontal) axis from left to right. And frequency, from 0Hz to 20kHz, is measured on the y (vertical) axis from bottom to top. The niche discrimination in this representation is clearer. (Thank you to Bernie Krause for the image and information.)

[5] “Two film pieces of any kind, placed together, inevitably combine into a new concept, a new quality, arising out of that juxtaposition.” -Sergei Eisenstein

[6] “Interview: Werner Herzog’s Sound and Vision” in Southern Pacific Review. Retrieved March 7, 2016: http://southernpacificreview.com/2014/09/17/werner-herzogs-sound-and-vision/

[7] The “uncanny valley” is the hypothesis that objects, such as human replicas, which appear almost, but not exactly, like human beings elicit an eerie sensation, and sometimes revulsion.

[8] Page 2 of “Being Exposed to Nature, A Conversation with Werner Herzog”, edited by Daniele Dottorini. In “Fata Morgana”, Nature, No.6, 2008

.

* Maile Colbert  is  an  intermedia  artist  with a  focus  on sound and video. She is currently a PhD Research Fellow in Artistic Studies with a concentration on sound studies, sound design in time-based media, and soundscape ecology at the Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. Her current practice and research project is titled, Wayback Sound Machine: Sound through time, space, and place, and asks what we might gather from sounding the past.  She has exhibited, screened, and performed around the globe. To watch, read, and listen to her work: www.mailecolbert.com

.

.

A Poética da Memória: Lembrando Kurdi enquanto Ecodocumentário

por Rayson K. Alex*

kurdi1

© Saumyananda Sahi

“Scatter, as from an unextinguish’d hearth

Ashes and sparks, my words among mankind!

Be through my lips to unawaken’d earth

The trumpet of a prophecy! O Wind,

If Winter comes, can Spring be far behind?”

                                                                             “Ode to the West Wind,” P. B. Shelley

A memória “ressuscita” uma terra. O documentário de 64 minutos dirigido por Saumyananda Sahi, narra a história de uma sociedade que perdeu as suas terras e lares, devido à construção da barragem de Salaulim, em Goa. Ironicamente, embora mais de 550 famílias pertencentes a “quatro” comunidades religiosas − Hindus, Cristãos, Muçulmanos e Velips (tribais) − tenham sido deslocadas, o site Goa Turismo despolitiza a situação e descreve este lugar contestado como “cénico e sereno”: “A pequena ilha que espreita a superfície espelhada das águas, e as montanhas-azuis como pano de fundo, tornam-na um lugar ideal para piquenique” (“Barragem Salaulim”). Mas para os membros das comunidades, este lugar, literal ou figurativamente, é: um lar perdido, um compromisso com a sua fé, uma morada dos seus deuses, um apego às suas culturas e naturezas originais, a terra da sua política de castas e subsequente política educativa, uma terra de brigas domésticas, a terra onde os rituais religiosos eram praticados e é como uma mãe morta que não pode ser esquecida.

Num sentido geográfico, “lugar” tem três significados: 1. “Lugar como localização um ponto específico na superfície da terra” (Castree) 2. “Sentido de lugar os sentimentos subjectivos que as pessoas têm sobre os lugares, incluindo o papel do lugar na sua identidade individual e de grupo “(Castree) e 3.” Lugar como local um cenário e uma escala para as acções e interacções diárias das pessoas (Castree). Enquanto o primeiro e o terceiro se referem a espaços tangíveis na Terra, como a terra, o primeiro significado poderia referir-se a uma terra (superfície terrestre) desconhecida e não visitada que existe e poderia até ter acesso, mas pode ou não ser acedida. O terceiro significado traz um apego a uma terra específica na Terra, apropriada por uma comunidade cultural. O segundo quando comparado aos outros dois não se refere a uma terra ou a qualquer outro espaço, mas ao sentimento que lhes está relacionado. Para a maioria dos narradores no filme, Kurdi é um lugar experienciado (um local), mas agora existe só na memória (um sentido de lugar). Assim, os valores ligados ao local o sentido de lugar dos turistas e das comunidades locais, são contraditórios. Kurdi, assim, é uma terra contestada, em memória. Este artigo é uma tentativa de compreender a base dessa contestação a partir de uma perspectiva ecológica.

O filme começa com um plano da Sra. Venisha Fernandes, uma socióloga, num muito grande ângulo sobre a terra submersa, numa representação artística de uma memória de campo de batalha. A ironia é estabelecida com o primeiro plano, quando aos telespectadores não é “permitido” desfrutar da calma e serenidade das águas, árvores e montanhas. Em vez disso, a serenidade é perturbada pelos sons não-diegéticos dos corvos metaforizando a dor que a Sra. Fernandes sofre, relembrando as suas memórias construídas/reconstruídas (já que ela não viu o lugar submerso [aqui, lugar como localização]) do local sob as águas. O grito desvanece-se num fluxo terrífico e mortal da água que é uma imagem hidrofóbica da água que flui no núcleo central circular da represa do aterro. Mas quando a paz auditiva é restaurada com o chilrear dos pássaros e o agradável ondular aquático visões perturbadoras de fósseis poliestrata, terra estéril sem qualquer evidência de verdura, rochas vermelhas de laterita, um caminhão que despeja terra e o uivo de um barco isolado, são mostrados para dar aos espectadores um sentido do lugar contestado Kurdi. Além disso, à medida que várias pessoas são introduzidas, o conflito torna-se mais forte e evidentemente pronunciado.

As pessoas têm dois tipos de memórias: 1. A memória do espaço interior (akam) e 2. do espaço exterior (puram). Akam refere-se ao espaço familiar, resguardado e confortável da família − a interioridade de casa. O exterior refere-se ao terreno desconhecido e contestado, fora dos limites de familiaridade e interioridade do lar. A exterioridade começaria onde a familiaridade termina. Nesse sentido, akam poderia estender-se além dos limites da casa; a casa torna-se um espaço maior. Há um fio de interconexão entre akam e puram para manter o akam inerentemente pacífico e habitável. A interligação entre akam e puram é contributiva (Alex). Akam deixará de existir se puram for ameaçado ou adversamente afectado. A inundação de Kurdi tornou o lugar inabitável para os moradores. Há referências de akam afectado adversamente devido à destruição de puram. De acordo com o Sr. Sudon Gaonkar, o sacerdote da comunidade Gaonkar, os deuses são parte de akam, mas não podiam ser deslocados do lugar, porque o lugar pertence também ao deus. O abandono de deuses (que é uma maldição num contexto indiano) é uma preocupação que Sashikant Parikar levanta. Ele diz que “Deus é deixado ali (referência a Kurdi) e aqui (referência ao lugar onde as comunidades foram reassentadas) somos apenas nós”. Outras questões/experiências como a negação da educação (devido à política de casta), o abandono de gado doméstico, de casas, lojas, utensílios e até mesmo das suas terras agrícolas e culturas, são referências à destruição de akam. Deve ser entendido que todas as agências suas próprias comunidades, outras comunidades, outras sociedades, estruturas políticas e atividades de desenvolvimento se uniram para destruir puram e, finalmente, akam. No entanto, o “ritual” de re-visitar Kurdi não é apenas o reconhecimento da existência de suas terras (pelo menos debaixo de água), mas também uma afirmação a si mesmos de guardarem o seu akam e puram no presente com mais vigor e compromisso. Numa correspondência pessoal via e-mail com o realizador do filme, ele responde à questão sobre o que Kurdi significa para as pessoas, repondo algumas perguntas pertinentes que também os personagens no filme colocaram. E os deuses? E as memórias? E os túmulos dos antepassados? E a identidade de ser Kurdi-kar: sendo Kurdi onde eles sentem que realmente pertencem? (e todos os outros lugares adequadamente descritos por Sashikant como “hospedagem e embarque”) “(Sahi,” Re: Lembrando”). Kurdi não é meramente uma qualquer terra mas uma terra onde os seus antepassados viveram. O viver com os seus antepassados “mortos” e os seus deuses submersos (ironicamente, os deuses ainda vivem sob a água e na sua memória) é o que faz de Kurdi a sua terra ancestral um emaranhamento da Natureza (a terra), a cultura (o povo) e o sagrado (os deuses do povo e as memórias de seus antepassados).

No entanto, terão todos os Kurdikars grandes e agradáveis memórias de Kurdi? Não. Há injustiças sociais que as pessoas querem esquecer as aguçadas experiências de polaridades de casta, a negação de direitos e de respeito e, claro, a inacessibilidade da educação com subsequentes opressões sociais, culturais e políticas. Embora esta injustiça social deva ser vista no contexto mais amplo da Índia, que é mais relevante hoje em dia, Kurdi teve a sua participação na política de castas. O realizador do filme comenta a este propósito: “o povo de Kurdi realmente beneficiou da barragem. Na verdade, é a casta superior de proprietários que se queixa no filme. Por exemplo, Sushila Narvekar, um antigo senhorio, fala sobre a “injustiça” de todos se tornarem iguais, de até mesmo aqueles que historicamente nunca possuíram terra (os inquilinos, os tribais) terem recebido do governo uma casa e um terreno para cultivar, como compensação. Isto, a longo prazo, obviamente facilitou uma maciça mobilidade social ascendente para as comunidades que foram oprimidas durante séculos. Isto é o que Gokuldas Gaonkar refere a partir da perspectiva dos Gaonkars: “Estamos finalmente de pé nos nossos próprios pés” (Sahi, “Re: Lembrando”). Embora este elemento sensível da política de castas esteja subtilmente presente durante todo o filme, não aparece como um tema principal. Houve um esforço consciente do realizador para subestimar a política de castas, provavelmente para permanecer fiel ao prometido e destacado “aspecto de memória” de Kurdi. Uma característica intrigante de akam é aqui evidenciada. A política de castas poderia ser considerada um aspecto de puram já que traz o conflito às diferentes comunidades. Mas é fortemente evidente e proeminente que a política de castas se infiltra em akam. Shivdas Gaonkar revela a política de castas entre famílias vizinhas pertencentes a diferentes castas e religiões. Ele diz, “por vezes os seus porcos entraram nos nossos campos. Isto poderia causar brigas.” No entanto, a injustiça da casta não era prejudicial às suas vidas em Kurdi. Mas a injustiça social do deslocamento que fez os habitantes de Kurdi migrantes ambientais, foi prejudicial. É impossível ter um akam saudável quando puram se desmorona.

O editor de filme, Charudatt Kurdikar (geralmente o sobrenome é o nome de família, mas aqui, a família é nomeada após o lugar uma evidência do sentido de lugar como experiência de akam e identidade), refere “o lugar onde eu nasci existe mas não existe.” O lugar deixa de existir quando não há acesso a ele. No entanto, o próprio acto de re-conexão mantém as histórias vivas através das memórias. O que fazem essas memórias? A idosa Sra. Ruzada Rodrigues faz uma pergunta semelhante: “Lembro-me, mas de que serve?” O mais novo Gokuldas Gaonkar tem uma resposta a esta pergunta: “… nos últimos quinze anos começámos a defender-nos”. É essa memória, re-promulgação de rituais e revisitação de Kurdi, que dá força ao resto da geração para lutar pelos seus direitos e se defender a si mesma. As tentativas de arquivo dessas memórias, de várias formas, como este excelente filme (que em breve chegará aos festivais de cinema nacionais e internacionais), a música de Kurdi e fotografias sobre Kurdi, ou o trabalho académico mais efectivo, como a dissertação em Sociologia de MA Venisha Fernandes intitulada “Re-lembrar O Passado, Lugar e Memória Após o Deslocamento” manterão as memórias vivas num esforço para capacitar as gerações futuras. Nesse sentido, a interpretação poética da interconexão entre o povo e a sua terra, retratada com imagens impressionantes e sons surpreendentes, abre mais caminhos para uma compreensão ecológica deste evento social.

tradução Ilda Teresa Castro

References

Alex, Rayson K. “A akam do Quadro Cinemático: Questões Emergentes nos Estudos Indianos em Ecocinema / The akam of the Cinematic Frame: Raising Questions on Indian Ecocinema Studies.” Animalia Vegetalia Mineralia 3.6 (2016): 25-30.

Castree, Noel. “Place: Connections and Boundaries in an Interdependent World.” Key Concepts in Geography, eds. Sarah Holloway, Stephen P. Rice, and Gill Valentine. London: Sage, 2003. 165-83.

“Salaulim Dam.” Goa Tourism Department Corporation, 13 Aug. 2016, http://goatourism.com/GTDC-holidays/see-other-attractions-salaulim-dam.htm.

Sahi, Saumyananda. “Re: Remembering Kurdi.” Received by Rayson K. Alex, 17 Aug. 2016. Sahi, Saumyananda, director. Remembering Kurdi. Film Division of India, 2016.

.

Detalhes Técnicos do Filme
Duração: 64 minutos 14 segundos
Formato de filmagem: Cor HD
Som: 5.1 Surround Sound
Idiomas falados: Konkani, Marathi, Hindi, Inglês
Legendas: Inglês

Créditos
Realizador, Produtor Executivo e Director de Fotografia: Saumyananda Sahi
Produtor: Films Division of India
Assistente de Realização: Abhijit Patil
Montagem, Gravação de Som e Gaffer: Tanushree Das Sahi
Director de fotografia e Colorista Associado: Srikanth Kabothu
Design de Som: Christopher Burchell
Gravação Sonora: Christopher Burchell, Adrien Roche, Tanushree Das Sahi, Suspense Bob Nath, Bigyna Dahal
Exibição: Venisha Fernandes, Gurucharan Kurdikar
Para mais detalhes sobre o filme: http://skreenfilms.wixsite.com/website/copy-of-chikka-putta
Contacto do director do filme: saumyananda.skreenfilms@gmail.com

Agradecimentos
Gostaria de agradecer a Solano Da Silva e Alito Siqueira por me apresentarem o filme Lembrando Kurdi e ao realizador Saumyananda Sahi. Agradeço a. S. Susan Deborah o seu olho de falcão na edição de cópia e, finalmente, agradeço a Ilda Teresa de Castro pela sua paciência enquanto editora.

.

* Rayson K. Alex, Ph.D. é Professor Assistente do Departamento de Ciências Humanas e Sociais do Instituto Birla de Tecnologia e Ciências Pilani, K.K. Birla Goa Campus, Goa, Índia Ocidental. É um dos editores de Essays in Ecocriticism (Sarup e Sons, Nova Deli, 2007) e Culture and Media: Ecocritical Explorations (Cambridge Scholars Publishing, UK, 2014). Em parceria com S. Susan Deborah, K. Samuel Moses e Sachindev P.S., fundou ‘The Ecomedia Team’ em 2005, que gradualmente cresceu para o tiNai Ecofilm Festival (www.teff.in), um festival internacional de ecofilme dedicado a ecodocumentários. Como parte do festival, em colaboração com S. Susan Deborah, editou um volume intitulado Ecodocumentaries: Critical Essays  (Palgrave Macmiillan, Reino Unido e EUA, 2016). Interesses científicos nas áreas de estudos ecocêntricos, estudos em ecocinema e ecocriticismo.

.

.

The Poetics of Memory: Remembering Kurdi as an Ecodocumentary

 by Rayson K. Alex*

.

kurdi1

© Saumyananda Sahi

“Scatter, as from an unextinguish’d hearth

Ashes and sparks, my words among mankind!

Be through my lips to unawaken’d earth

The trumpet of a prophecy! O Wind,

If Winter comes, can Spring be far behind?”

                                                                                         “Ode to the West Wind,” P. B. Shelley

 

Memory “resurrects” a land. The 64-minute documentary directed by Saumyananda Sahi, narrates the story of a society’s lost land and the homes due to the construction of the Salaulim Dam in Goa. Ironically, though over 550 families belonging to “four” religious communities ̶ ̶ Hindus, Christians, Muslims and Velips (tribals) — were displaced, the Goa Tourism website depoliticizes and describes this contested place as “scenic and serene;” “A small island peeping out from the mirrored surface of the water and the backdrop of blue-mountains, make it an ideal picnic spot” (“Salaulim Dam”). But to the members of the communities, this place, whether literally or figuratively, is: a lost home, a commitment to their faith, an abode of their gods, an attachment to their original cultures and natures, the land of their caste politics and the subsequent politics of education, a land of domestic quarrels, the land where religious rituals were practiced and is like a dead mother who cannot be forgotten.

In a geographical sense, “place” has three meanings: 1. “Place as location – a specific point on the earth’s surface” (Castree) 2. “sense of place – the subjective feelings people have about places including the role of place in their individual and group identity” (Castree) and 3. “Place as locale – a setting and scale for people’s daily actions and interactions (Castree). While the first and the third refer to tangible spaces on earth, such as land, the first meaning could refer to an unknown, unvisited, land (earth’s surface) which exists and could even have access to, but may or may not be accessed. The third meaning brings an attachment to a specific land on earth which is appropriated by a cultural community. The second one when compared to the other two does not refer to a land or any other space, but the feeling of it. To most of the narrators in the film, Kurdi is an experienced place (a locale) but now exists only in memory (a sense of place). Thus the values attached to the place — the sense of place — by the tourists and the local communities are contradictory. Kurdi, therefore is a contested land, in memory. The article is an attempt to understand the basis of this contestation from an ecological perspective.

The film opens with a shot of Ms. Venisha Fernandes, a sociologist, in an extreme wide angle of the submerged land, which is an artistic representation of a battlefield in the memory. This irony is established in the very first shot where the viewers are not “allowed” to enjoy the stillness and sereneness of the water, trees and the mountains. Instead the sereneness is disturbed by the non-diagetic sounds of the cawing crows metaphorising the pain that Ms. Fernandes undergoes recollecting her constructed/reconstructed memories (as she herself has not seen the submerged place [here, place as location]) of the place that are buried under water. The cawing fades to a terrific and deadly flow of the water which is a hydrophobic image of water flowing into the circular central core of the embankment dam. But when the auditory peace is restored — with the chirping of the birds and pleasant waves of water — disturbing visuals of polystrate fossils, barren land without any evidence of greenness, red laterite rocks, a truck dumping soil and the isolated boat-rower’s howling are shown to give the viewers a sense of the contested place — Kurdi. Further, as various people are introduced, the conflict becomes stronger and evidently pronounced.

There are two kinds of memories that the people have: 1. The memory of the interior space (the akam) and 2. of the exterior space (the puram). The akam refers to the familiar, guarded and comfortable space of the family — the interiority of home. However, the exterior refers to the unfamiliar and contested terrain, outside the boundaries of familiarity and interiority of home. Exteriority would begin where familiarity ends. In that sense, the akam could extend beyond the confines of house; home becomes a larger space. There is a thread of interconnection between the akam and puram to keep the akam inherently peaceful and liveable. The interconnectedness between the akam and the puram is contributory (Alex). The akam will cease to exist if the puram is threatened or adversely affected. The flooding of Kurdi made the place inhabitable for the residents. There are references of the akam adversely affected due to the destruction of the puram. According to Mr. Sudon Gaonkar, the priest of the Gaonkar community, gods are part of akam, but could not be shifted from the place, because the place belongs to the god as well. The abandonment of gods (which is a curse in an Indian context) is a concern that Sashikant Parikar raises. He says “God is left over there (reference to Kurdi) and here (reference to the place where the communities were resettled) it is only us.” Other issues/experiences such as denial of education (due to the caste politics), abandonment of domestic cattle, houses, shops, utensils and even their agricultural lands and crops are references to the destruction of akam. It should be understood that all the agencies — their own communities, other communities, other societies, political structures and developmental activities — came together to destroy the puram and ultimately the akam. However, the “ritual” of re-visiting Kurdi is not only the acknowledgement of the existence of their lands (at least under water), but also an affirmation to themselves to guard their present akam and puram with more vigour and commitment. In a personal email correspondence with the director of the film, he responds to this issue of what Kurdi means to people by asking a few pertinent questions that the personae in the film have also asked. “What about the gods? What about the memories? What about the graves of their ancestors? What about the identity of being Kurdi-kar: Kurdi being where they feel they truly belong? (Everywhere else being aptly described by Sashikant as ‘lodging and boarding’)” (Sahi, “Re: Remembering”). Kurdi is not merely any land, but a land where their forefathers lived. Living with their “dead” (ironically, the gods still live under water and in their memory) ancestors and their submerged gods is what makes Kurdi their ancestral land — an entanglement of the nature (the land), culture (the people) and the sacred (the people’s gods and the memories of their ancestors).

However, do the Kurdikars have all great and pleasant memories about Kurdi? No. There are certain social injustices that the people want to forget — the acute caste polarities and experiences, denial of rights and respect and of course the inaccessibility of education and the subsequent social, cultural and political oppressions. Though this social injustice should be seen in the larger context of India, which is more relevant today, Kurdi has had its share of caste politics. The director of the film responds to this issue thus: “the people of Kurdi actually benefitted from the dam. In fact, it is the upper caste landlords who complain in the film. For example Sushila Narvekar, a former landlord, talks about the ‘injustice’ of everyone becoming equal, as even those who have historically never owned land (the tenants, the tribals) were given a house and a plot of land to cultivate by the government as compensation. This in the longer run has obviously facilitated a massive upward social mobility for communities that have been downtrodden for centuries. This is what Gokuldas Gaonkar means when he speaks from the perspective of the Gaonkars: ‘We are finally standing on our own feet’” (Sahi, “Re: Remembering”). Though this pricking element of the caste politics is subtly present throughout the film, it does not surface as a major theme. There has been a conscious effort from the director to underplay the caste politics probably to remain faithful to the promised and highlighted “memory aspect” of Kurdi. An intriguing feature of akam is evinced here. The politics of caste could be considered an aspect of puram as it brings the conflict between different communities. But the politics of caste is strongly evident and prominent that it seeps into the akam. Mr. Shivdas Gaonkar reveals the politics of caste between neighbouring families belonging to different caste and religions. He says “sometimes their pigs came into our fields. It would cause quarrels.” However, the injustice of caste was not detrimental to their lives in Kurdi. But the social injustice of displacement which made the dwellers of Kurdi, environmental migrants, was detrimental. It is impossible to have a healthy akam when the puram falls apart.

Film Editor, Charudatt Kurdikar (usually surname is the family name but here, the family is named after the place — an evidence for the sense of place as an experience of the akam and an identity), says “the place where I was born exists but it doesn’t.” The place ceases to exist when there is no accessibility to it. However, the very act of re-connection keeps the histories alive through memories. What do these memories do? The elderly Mrs. Ruzada Rodrigues asks a similar question “I remember, but what is the use?” The younger Gokuldas Gaonkar has an answer to this question. He says “… in the last fifteen years we have begun to stand up for ourselves.” It is this memory, re-enactment of rituals, and revisiting Kurdi that empowers the rest of the generation to fight for their rights and stand up for themselves. Attempts to archive these memories in various forms such as this excellent film (which will soon hit national and international film festivals), music and photographs on Kurdi, and most effectively academic work such as Ms. Venisha Fernandes’ M.A. Sociology dissertation entitled “Re-membering The Past, Place and Memory After Displacement” will keep the memories alive and strive to empower future generations. In this sense, the poetic rendition of the interconnection between the people and their land, portrayed as striking visuals and mind-blowing sounds, opens more avenues for an ecological understanding of this social event.

 .

References

Alex, Rayson K. “A akam do Quadro Cinemático: Questões Emergentes nos Estudos Indianos em Ecocinema / The akam of the Cinematic Frame: Raising Questions on Indian Ecocinema Studies.” Animalia Vegetalia Mineralia 3.6 (2016): 25-30.

Castree, Noel. “Place: Connections and Boundaries in an Interdependent World.” Key Concepts in Geography, eds. Sarah Holloway, Stephen P. Rice, and Gill Valentine. London: Sage, 2003. 165-83.

“Salaulim Dam.” Goa Tourism Department Corporation, 13 Aug. 2016, http://goatourism.com/GTDC-holidays/see-other-attractions-salaulim-dam.htm.

Sahi, Saumyananda. “Re: Remembering Kurdi.” Received by Rayson K. Alex, 17 Aug. 2016. Sahi, Saumyananda, director. Remembering Kurdi. Film Division of India, 2016.

.

Technical Details of the Film

Running Time: 64 minutes 14 seconds

Shooting Format: HD Colour

Sound: 5.1 Surround Sound

Languages Spoken: Konkani, Marathi, Hindi, English

Subtitles: English

The Film Crew

Director, Executive Producer & Cinematographer: Saumyananda Sahi

Producer: Films Division of India

Assistant Director: Abhijit Patil

Editor, Sound Recordist & Gaffer: Tanushree Das Sahi

Associate Cinematographer & Colourist: Srikanth Kabothu

Sound Design: Christopher Burchell

Sound Recording: Christopher Burchell, Adrien Roche, Tanushree Das Sahi, Susmit Bob Nath, Bigyna Dahal

Featuring: Venisha Fernandes, Gurucharan Kurdikar

For more details of the film: http://skreenfilms.wixsite.com/website/copy-of-chikka-putta

Contact the director of the film: saumyananda.skreenfilms@gmail.com

Acknowledgements

I would like to thank Mr. Solano Da Silva and Prof. Alito Siqueira for introducing me to the film, Remembering Kurdi and its director, Mr. Saumyananda Sahi. I am grateful to Dr. S. Susan Deborah for her hawk-eyed copy-editing. Finally, I am thankful to Dr. Ilda Teresa de Castro for her patience as an editor.

.

* Rayson K. Alex is Assistant Professor at the Department of Humanities and Social Sciences at Birla Institute of Technology and Sciences Pilani, K.K. Birla Goa Campus, Goa, West India. He is one of the editors of Essays in Ecocriticism (Sarup and  Sons, New Delhi2007) and Culture and Media: Ecocritical Explorations (Cambridge Scholars Publishing, UK; 2014). Along with S. Susan Deborah, K. Samuel Moses and Sachindev P.S., he founded ‘The Ecomedia Team’ in 2005 which gradually grew into tiNai Ecofilm Festival (www.teff.in), an international ecofilm festival dedicated to ecodocumentaries. As part of the festival S. Susan Deborah and he edited a volume on entitled Ecodocumentaries: Critical Essays (Palgrave Macmiillan, UK & USA; 2016). His academic interests are in the areas of ecoindigenous studies, ecocinema studies and ecocriticism.

.

.

A akam do Quadro Cinemático: Questões Emergentes nos Estudos Indianos em Ecocinema

por Rayson K. Alex*

No Ocidente, os Estudos em Ecocinema são uma área de pesquisa estabelecida sob a abrangência maior dos Estudos Ecocriticos. A “Introdução” ao livro Ecocinema Theory and Practice (2013)[i] intitulada “Cuts to Dissolves – Defining and Situating Ecocinema Studies”, fornece uma breve revisão da teoria do ecocinema [http://cupola.gettysburg.edu/cgi/viewcontent. cgi? article = 1001 & context = esfac]. Na Índia, os Estudos em Ecocinema estão ainda na sua infância, com o interesse de apenas um punhado de estudiosos. Apoiados por bolsas de estudos ocidentais, estes investigadores analisam do ponto de vista ecológico, os documentários ambientais indianos e os filmes regionais populares. O tiNai Ecofilm Festival-TEFF- (www.teff.in) possibilita acesso a esses documentários, organizando um evento onde os filmes são discutidos, debatidos e ponderados. Esta estrutura única nos estudos de ecocinema na Índia, promove ecodocumentários, facilita o encontro de realizadores de ecocinema, debate os seus filmes e sensibiliza a consciência ecológica entre os estudantes e a academia. Mas para alguns de nós, investigadores em ecocriticismo, os documentários oferecem substrato para a análise ecocritica. O festival é uma janela metafórica, através da qual os estudiosos de ecocinema indianos podem observar o ambiente. Para promover um maior envolvimento nos estudos de ecocinema na Índia, S. Susan Deborah, Sachindev P. S. e eu, editámos o livro intitulado Culture and Media: Ecocritical Explorations (2014), no qual alguns ensaios são dedicados a uma ecocritica de filmes indianos.

Rayson© tiNai Ecofilm Festival

Na perspectiva de uma visão geral dos objectivos e atividades dos Estudos em Ecocinema na Índia, proponho dois conceitos indianos: akam e puram. akam (interior; por dentro, dentro) é um gênero na Poesia Tamil Sangam (300 aC a 300 dC) retratando diferentes humores do amor e da vida. O outro gênero é puram (exterior; fora; sem) que significa o político e o social. Os temas populares na poesia puram são “a guerra”, “os extremos”, “o oceano distante”, “os reis” e “os códigos de conduta” (“Sangam”). akam e puram, geralmente são vistos como “oposições binárias”, considerando os seus temas diversos, “Mais interessante do que as oposições binárias habituais, pois contêm múltiplas oposições binárias: interior e exterior, eu e os outros, coração e partes externas do corpo, assentamentos humanos versus espaços na selva onde as pessoas não podem estar, terra e mar. Enquanto género, usualmente a poesia Akam é o amor poético, a poesia das coisas que acontecem entre um homem e uma mulher”(Shankaranarayana & Krishnaiah 94).

Gostaria de olhar para akam e puram como uma continuidade do outro, ao invés de como um binário; a razão é que akam e puram criam um nexo que é uma combinação, uma unidade entre interior e exterior, o dentro e o fora (como partes de um). Da mesma forma, o cinema é também uma continuidade da vida – humana ou não-humana. “[C]INEMA representa a vida, a própria vida se re-presenta como cinema…” (Parker & Cooper 220). Por outro lado, quando o cinema se argumenta para representar a vida, a ficção do cinema não pode ser ignorada.” [Todo o] cinema é fictício, uma vez que dispõe do poder da ilusão” (118). Murphy argumenta que “Devido à sua brevidade, os filmes quase sempre fracassam na resolução das questões ecológicas de uma forma adequada” (Murphy 34). Este é, aparentemente, um paradoxo. No entanto, as seguintes questões desafiam o conflito entre a realidade, a ficcionalidade e a factualidade. Será que todas as narrações são fictícias? É a ficção completamente imaginativa e não factual? Serão todas as representações, imprecisões? São todas as mediações, irreais? É evidente que esta discussão sobre a realidade/ficcionalidade do cinema é baseada num binário como o de akam e puram, entre muitos outros binários na discussão académica. Engajados na discussão sobre binários, muitas vezes falhamos a compreensão da continuidade que existe como parte de uma unidade maior. Como mencionado, a unidade maior, a que me refiro, é a unidade de todos os elementos da Terra. Isto é akam. Nesse sentido, o que é o exterior ou o puram? Não é apenas uma extensão de akam, “estritamente” entendido como um fenómeno espaço-temporal? Se akam é a unidade de todos os elementos da Terra, a forma como os seres humanos se relacionam com essas entidades ganham importância. Assim, qualquer inquérito sobre esta unidade nos conduz à ética. Mesmo os binários acima mencionados operam a partir do eixo da ética.

Qual é a ética de akam e puram nos estudos em ecocinema indianos? Continuamente colocamos esta pergunta de forma consistente para definir, redefinir e desafiar o(s) sentido(s) dos Estudos em Ecocinema indianos. Mas, ao invés de responder a esta pergunta, gostaria de colocar mais algumas questões para ponderação. Quais são as continuidades do ser humano nos outros organismos? Em contextos culturais específicos, como se relacionam os seres humanos com os outros organismos? Como é que o espaço define as relações entre os organismos e os outros elementos do espaço? Como é que a linguagem oferece perspectivas ecológicas? As representações cinematográficas dos organismos e das paisagens são romantizadas? Como criticar a romantização cinematográfica? Como pode a estrutura de um filme ser chamada ecológica? Como criar uma estrutura narrativa mais ecológica no filme? Como se pode chamar a estrutura do enredo de um filme, ecológica? A maioria dos filmes ambientais apresentam um problema específico de justiça. Quais os aspectos éticos da justiça ambiental, com referência a estas questões específicas? Quais as éticas envolvidas nas representações áudio e visuais da ecologia? Como são essas éticas transferidas para o público? O que é a pegada de carbono de um filme? Como se poderiam medir os aspectos ecológicos dos espectadores? Estas questões, irão ser úteis para situar o self (eu humano; akam) como antropocêntrico/ menos antropocêntrico/ biocêntrico / ecocêntrico.

[i] Ecocinema Theory and Practice, Stephen Rust, Salma Monani, Sean Cubitt (ed.), 2013.

Referências

Murphy, Patrick D. “Directing the Weather, Producing the Climate.” Rayson K. Alex, S. Susan Deborah & Sachindev P.S. Culture and Media: Ecocritical Explorations. Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2014. Print.

Gritti, Jules. “‘Specific’ Functions of Cinema and Television.” Jacques Kermabon & Kumar Shahani, eds. Cinema and Television: Fifty Years of Reflection in France. New Delhi: Orient Longman, 1991. Print.

Shankaranarayana, T.N. & S.A. Krishnaiah. “Interview with Prof. A.K. Ramanujan.” Jaydipsingh K. Dodiya, ed. Indian English Poetry: Critical Perspectives. New Delhi: Sarup & Sons, 2000. Print.

“Akam Conventions.” Sangam Tamil Literature. Web. 27 March 2016.

Parker, Martin & Robert Cooper. “Cyborganization: Cinema as Nervous System.” John Hassard & Ruth Holiday, eds. Organization-Representation: Work and Organizations in Popular Culture. London, Thousand Oaks and New Delhi: Sage Publications, 1998. Print.

.

* Rayson K. Alex é Professor Assistente do Departamento de Ciências Humanas e Sociais, em BITS Pilani, K.K. Birla Goa Campus, Goa, India.

tradução ilda teresa castro

.

.

The akam of the Cinematic Frame: Raising Questions on Indian Ecocinema Studies

by Rayson Alex*

Ecocinema Studies in the West is an established research area within the larger umbrella of Ecocritical Studies. The “Introduction” to the book Ecocinema Theory and Practice (2013) [i] entitled “Cuts to Dissolves – Defining and Situating Ecocinema Studies” provides a short review of the theory of ecocinema [http://cupola.gettysburg.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1001&context=esfac]. Ecocinema studies in India is in its infancy with only a handful of scholars. Learning from the western scholarship, the Indian scholars attempt to study Indian environmental documentaries and popular regional films from an ecological perspective. To procure and screen such documentaries, tiNai Ecofilm Festival―TEFF―(www.teff.in) is organized in India with an objective to create a platform where ecofilms are discussed, debated and deliberated. TEFF is a unique feature of ecocinema studies in India, promoting ecodocumentaries, facilitating the meeting of ecofilmmakers, discussing their films and in the process creating ecological awareness among students and the larger academia. But for practitioners of ecocriticism, like some of us, the documentaries provide ample fodder for ecocritical analyses. The festival is a metaphorical window through which the Indian ecocinema scholars could observe the environment. To further promote and engage with ecocinema studies in India, S. Susan Deborah, Sachindev P.S. and I brought out an edited volume entitled Culture and Media: Ecocritical Explorations (2014) in which a few essays are devoted for an ecocritique of Indian films.

Rayson© tiNai Ecofilm Festival

To provide an overview of the objectives and activities of Ecocinema Studies in India, I wish to discuss two Indian concepts, akam and puram. akam (interior; inside; within) is a genre in Tamil Sangam Poetry (300 BC to 300 AD) portraying different moods of love and life. The other genre is puram (exterior; outside; without) which signifies the political and societal. The popular themes in puram poetry are “war,” “extremities,” “farthest ocean,” “kings,” and “codes of conduct” (“Sangam”). akam and puram are usually viewed as “binary oppositions,” considering their diverse themes (Shankaranarayana & Krishnaiah 94). “It is more interesting than the usual Binary oppositions because it contains many binary oppositions. Beginning with interior and exterior, self and others, heart and outer parts of the body, human settlements and jungle where people cannot be or earth and sea. The whole genre of Akam poetry is usually love poetry, poetry of things which happen between a man and a woman” (Shankaranarayana & Krishnaiah 94).

I would look at akam and puram as a continuity of each other rather than a binary, the reason being akam and puram creates a nexus which is a combination, a unity of the interior and the exterior, the inside and the outside (as parts of one). Likewise, cinema is also a continuity of life―human or non-human. “… [C]inema represents life, life re-presents itself as cinema…” (Parker & Cooper 220). On the contrary, when cinema is argued to represent life, the fiction in it cannot be ignored. “…[A]ll cinema is fictitious, as it disposes of the power of illusion” (118). Murphy arguesthat “Because of their (films) brevity, movies almost invariably fail to address ecological issues in any adequate way” (Murphy 34). This is seemingly a paradox. However, the following questions challenge the conflict between reality, fictionality and factuality. Would all narration be fictitious? Is fiction completely imaginative and unfactual? Are all representations, misrepresentations? Are all mediations unreal? It is evident this discussion on the reality/fictionality of cinema is based on a binary like the akam and puram, among many other binaries in academic discussion. Engaging in the discussion on binaries, we often fail to understand the continuity that exists as part of a larger unity. As mentioned earlier, the larger unity, which I refer to, is the unity of all elements on earth. This is akam. In that sense, what is the exterior or the puram? Is it not merely an extension of akam, “strictly” understood as a spatio-temporal phenomenon? If akam is the unity of all elements on earth, the way humans relate to those entities gains importance. Thus any inquiry into this unity will lead us to ethics. Even the aforementioned binaries will operate from the axis of ethics.

What is the ethics of akam and puram in Indian ecocinema studies? All of us keep asking this question consistently to define, redefine and continuously challenge the definitions of Indian ecocinema studies. So rather than answering this question, I would raise a few more questions to ponder. What are the continuities of human self in other organisms? In specific cultural contexts, how do humans relate to other organisms? How does space define relationships between organisms and other elements of the space? How does language offer ecological perspectives? Are the cinematic representations of organisms and landscapes romanticized? How to critique cinematic romanticization? How can the structure of a film be called ecological? How can one create a more ecological narrative structure in film? How can one call the plot structure of a film, ecological? Most of the environmental films showcase a specific issue of justice. What are the ethical aspects of environmental justice, with reference to specific issues? What are the ethics involved in audio and visual representations of ecology? How are these ethics transferred to the audience? What is the carbon footprint of the film in question? How would one measure the ecological aspects of spectatorship? These questions will be helpful in locating the self (human self; akam) as anthropocentric / less anthropocentric / biocentric / ecocentric.

[i] Ecocinema Theory and Practice, Stephen Rust, Salma Monani, Sean Cubitt (ed.), 2013.

References

Murphy, Patrick D. “Directing the Weather, Producing the Climate.” Rayson K. Alex, S. Susan Deborah & Sachindev P.S. Culture and Media: Ecocritical Explorations. Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2014. Print.

Gritti, Jules. “‘Specific’ Functions of Cinema and Television.” Jacques Kermabon & Kumar Shahani, eds. Cinema and Television: Fifty Years of Reflection in France. New Delhi: Orient Longman, 1991. Print.

Shankaranarayana, T.N. & S.A. Krishnaiah. “Interview with Prof. A.K. Ramanujan.” Jaydipsingh K. Dodiya, ed. Indian English Poetry: Critical Perspectives. New Delhi: Sarup & Sons, 2000. Print.

“Akam Conventions.” Sangam Tamil Literature. Web. 27 March 2016.

Parker, Martin & Robert Cooper. “Cyborganization: Cinema as Nervous System.” John Hassard & Ruth Holiday, eds. Organization-Representation: Work and Organizations in Popular Culture. London, Thousand Oaks and New Delhi: Sage Publications, 1998. Print.

.

* Rayson K. Alex is Assistant Professor, Department of Humanities and Social Sciences, BITS Pilani, K.K. Birla Goa Campus, Goa, India.