2020-2021

.

.

multilingual

.

.

Lisboa Natura _ festival ecovideo em tempo de pandemia _ o quê, porquê e para quê

conversa com Ilda Teresa Castro _ por Vítor Rua

(entrevista _ festivais)

Florestas do Isolamento

por Hugo Fortes

Elogio das hortas e dos jardins comunitários. Paris-Lisboa 2020.

por Teresa Castro

Eu sou tu. Experiências ecocríticas

José Pinheiro Neves, Pedro Rodrigues Costa, Paula de Vilhena Mascarenhas, Ilda Teresa de Castro & Virginia Roman Salgado (Eds.) _ imagem capa Ilda Teresa Castro

(livros)

Da Caligrafia impossível

por António Barros

(exposições)

Falta de Ar

texto Luís Lima_imagem Elisa Scarpa

Imunidade, Sustentabilidade Pessoal e Biodiversidade

por Lourenço de Azevedo

Este Ano, no Brasil

texto Atílio Butturi Junior_desenho Paulo Anciães Monteiro

O Medo Vai-se Embora / The Fear Goes Away

por/by Rajele Jain

Natureza_Cultura / Nature_Culture

por/by Melody Owen

confinamento devolve Golfinhos ao Tejo / confinement returns Dolphins to the Tagus

(notícias/news)

Solstício de Verão em Stonehenge / Summer Solstice at Stonehenge

(notícias/news) por/by English Heritage

A pandemia veio expor a urgência de um novo pacto ambiental / The pandemic exposed the urgency of a new environmental pact

(notícias/news) por/by José Tolentino Mendonça

Juri_ Em Quarentena / Juri_ in QuarantÄne

texto/text Dania Neumann _ desenho/zeichnung André Ruivo

O Que É Preciso Mudar para Continuarmos Vivos_

Planet of the Humans_ mister Moore!!! A Verdade nas Energias Renováveis

por Ilda Teresa de Castro

Apelo Urgente Pelos Índios do Brasil _

Carta Aberta ao Presidente do Brasil e aos Líderes do Legislativo Judiciário

por Sebastião Salgado e Lélia Wanick Salgado

Menos 11000 Mortes na Europa_Menos 609 Mortes em Portugal_Nos Últimos 30 Dias

11000 Fewer Deaths in Europe From Pollution_Less Than 609 Deaths in Portugal Due to Pollution_In The Last 30 Days

por/by Ilda Teresa de Castro

Louvor da Vida

por Isabel Barros

O Ecrã Na Montanha _ Ou O Levar A Ópera À Selva

por António Barros

editorial_

Agora! Dia da Terra_Urgência Climática_Covid19_Sustentabilidade

Now! Earth Day_Climate Urgency_Covid19_Sustainability

Maintenant! Jour de la Terre_Urgence climatique_Covid19_Durabilité

por/by Ilda Teresa de Castro

.

.

Lisboa Natura _ festival ecovideo em tempo de pandemia _ o quê, porquê e para quê

conversa com Ilda Teresa Castro _ por Vítor Rua

10 de fevereiro 2021

O Festival Ecovideo Lisboa Natura aconteceu durante a pandemia. Que festival é este? É um festival dedicado especificamente aos domínios animal, vegetal e mineral da cidade de Lisboa. Precisamente domínios que a actual pandemia trouxe ao nosso pensamento com uma premência ainda maior, face à falência ambiental que vivemos enquanto civilização. É um convite à partilha de ideias sobre a Natureza em Lisboa. E a pensar esse espaço a partir do real mas também nos domínios do desejável e do imaginado.

Como foi esta primeira edição? Decorreu na Estufa Fria de Lisboa e foi um enorme privilégio desfrutar desse habitat e dessas plantas a quem nos juntámos na sua casa própria. São magníficas representantes desse reino Vegetalia ainda tão desconhecido para nós mas que nos tem sido tão generoso ao longo dos milhares de anos da nossa existência no planeta Terra. Aproveitei para lhes manifestar publicamente o meu Muito Obrigada!

Qual a motivação para a proposta deste Festival Ecovideográfico? Vivemos tempos estranhos e de risco, em que importa assinalar a importância e o valor destes reinos. É fundamental lutar pela sua preservação. Estamos a atravessar a sexta grande extinção em massa no planeta, e que é a primeira grande extinção de espécies que ocorre devido à acção humana. Mais do que nunca, é necessário rever prioridades e alterar o que for necessário para cuidar da Natureza na nossa realidade local, contribuindo para a realidade global. Observar, valorizar, preservar, recuperar e até salvar o mundo natural são prioridades dos tempos antropocénicos que vivemos. A documentação destes processos é importante. É tempo de pensar e sentir local, para construir o global. Esse é o desafio que lançamos a artistas, a activistas e à criatividade.

Os festivais de enfoque ecológico não costumam ser restritivos sobre um local mas este é especificamente sobre Lisboa. Com que objectivo? Este modelo de festival mais contido no seu olhar e menos globalista, traz-nos a casa, a pensar o global no local, a olhar o que está perto, a aprofundar… É algo que a situação actual acentua. E é um movimento necessário neste momento critico antropocénico. É necessário focarmos o olhar e a atitude sobre o espaço em que intervimos, aquele a que mais facilmente acedemos e que podemos influenciar. É esse também o intuito desta proposta. Nessa perspectiva, é um festival que deveria ser replicado no país e do mundo, conquistando atenção e cuidados em n lugares diferenciados, levando as populações a pensar e participar sobre o seu espaço de vida mais próximo, multiplicando-se numa disseminação transversal que poderia ser nacional e mundial.

O vídeo é uma ferramenta útil nesse programa de acção? O vídeo permite o registo e a preservação de memórias mas é também um suporte criativo. Esta proposta convida à documentação de realidades do mundo natural passado e presente, mas também à criação de novas paisagens, sentidos e conteúdos, possíveis ou idealizáveis. Por via da reportagem e da arte, é também possível alertar para o que está em risco e para metodologias que seja necessário corrigir. Ferramentas de registo e criação como o vídeo são, sem dúvida, muito úteis. No catálogo, foco especificamente essa mais-valia do audiovisual enquanto vector de influência e disseminador de mensagens.

Os filmes ficam acessíveis ao público após o festival? Sim, esse espólio fílmico é o início de um Arquivo Ecovideográfico sobre Lisboa, que está disponível online. A intenção é promover a memória do mundo natural da cidade e do trabalho artístico que o festival agora acolhe e venha a acolher no futuro. E que desejamos seja o testemunho do passado-presente-futuro de uma cultura em transformação e em re-elaboração das suas singularidades num registo cada vez mais ecológico.

Tiveram uma grande participação ou essa sofreu com os tempos de pandemia que vivemos? Na verdade, sendo uma primeira edição, num formato modesto, com prémios simbólicos, ambas situações de risco, esses foram acrescidos com o confinamento. Contudo, foi um projeto muito participado e acarinhado por público e concorrentes. Chegámos a pensar que não seria possível ser presencial mas tudo acabou por decorrer como previsto de raiz. A lotação esteve sempre esgotada nas quatro sessões, respeitando as restrições de distanciamento, e permitindo um total de 141 pessoas. Foram atribuídos 2 primeiros prémios ex-aequo e 5 menções honrosas (ver sessão de encerramento e premiados). A sessão de abertura dia 18, e a sessão de programa completo dia 19, foram também transmitidas e continuam online, permitindo o visionamento em casa. Foi gratificante produzir e realizar o festival onde e quando o tínhamos planeado e agendado. Acabou por ser um bom momento de 2020.

This slideshow requires JavaScript.

Quais os temas mais abordados? Houve uma grande variedade de abordagens estilísticas e de género. Houve uma marcada incidência temática sobre o humano, o vegetal e, alguma sobre o domínio mineral. Registámos uma particular ausência de enfoque sobre o animal não-humano, o que me deixou um pouco surpreendida.

O catálogo é bilingue, gratuito e pode ser consultado e descarregado online.
Exacto. O Catálogo, além da documentação sobre os filmes, inclui ensaios de especialistas dos Estudos Fílmicos e Ecocriticos e Ambientais que formaram o júri, em que me incluo com a Ana Paula Craveiro, a Inês Gil, e a Teresa Castro. Tal como a Teresa Castro referiu na sua página de facebook, “Por uma vez, calhou serem só mulheres a escrever.”

Sei que no âmbito Educativo criaram um projecto online com escolas. Criámos com as escolas, o desafio “Queres fazer um storyboard?”. É um projecto educativo e criativo que as crianças podem realizar na escola ou nas suas casas, com acesso a um computador. A priori é aplicável aos filmes premiados no festival mas pode ser usado com outros filmes e até tornar-se uma ferramenta criativa de raiz. Pode levar a desenvolver valências na criação de histórias visuais para imagem em movimento mas também para banda desenhada, por exemplo.

Quais são as expectativas para futuras edições do festival? Grande parte dos filmes desta edição tinha sido produzida para outros contextos. Tendo em consideração a situação extraordinária que vivemos no momento presente, todos os filmes que perfaziam as regras do festival foram selecionados. No futuro, gostávamos de contar com filmes pensados para esta proposta específica: a de olhar para Lisboa sob as perspectivas que enunciámos.

Para quando uma segunda edição? Estamos a trabalhar nisso…

Algum repto para deixar em aberto? Há uma ideia que me têm acompanhado nas últimas décadas, é da realizadora Margarida Cordeiro, sobre a metodologia que usava nos filmes que realizava com António Reis, em que ela diz “Para nós, no filme, a Natureza funciona como uma casa exterior. Há uma casa, com os seus espaços e os seus sons, mas os sons exteriores dão-nos a ideia de uma casa que é fechada sobre si própria e aberta sobre a Natureza, por fora também é casa, também está habitada.” Além da beleza que esta ideia transmite, parece-me que sintetiza esta proposta de trabalho sobre Lisboa. É muito importante esta lucidez aplicada ao filme porque é incontornável a capacidade de influência que a imagem em movimento tem sobre xs espectadorxs.

Mas Lisboa é um espaço urbano… É um espaço urbano onde se cruzam espaços, elementos e vidas naturais mais-que-humanas que importa cuidar e preservar. Pensamos a participação do fílmico no processo de valorização dessa relação humano/mais-que-humano. Este festival quer olhar a casa múltipla que é a nossa cidade. Olhar Lisboa como uma casa aberta sobre a Natureza, uma casa habitada por outras espécies, uma casa muitas vezes mais delas do que nossa, embora a maior parte das vezes não tenhamos essa percepção. São muitas casas variadas que se cruzam e interpenetram, como a casa própria vegetal onde decorreu o festival. Sabemos agora que é um reino onde comunicações e ligações profundas se estabelecem em redes subterrâneas e aéreas… e que há muito ainda para descobrir e conhecer.

.

Ilda Teresa Castro, é artista multidisciplinar, programadora do festival ecovideo Lisboa Natura e fundadora da Animalia Vegetalia Mineralia.

Vítor Rua, em 1980 forma o Grupo Novo Rock (GNR) e em 1982, cria os TELECTU juntamente com Jorge Lima Barreto, tendo actuado por todo o mundo. Projectou diversas situações para multimedia, performarte, teatro, dança, poesia, vídeo, cinema, com algumas das mais prestigiantes figuras da interarte. Guitarrista e polinstrumentista; produtor, designer, pintor, pedagogo, videasta, poliartista. A sua obra reflecte um recorte pósmoderno, preliminar, variegado, recusa empirista da confinação cultural, nas fronteiras estilísticas e idioletais do experimentalismo. Actividade diversificada como compositor desvinculado do estereótipo académico, procura outras situações texturais,  investiga inovações timbricas e rítmicas, inventa estruturas inéditas, numa atitude solitária, lírica e livre.

.

.

Florestas do Isolamento

por Hugo Fortes

28 de janeiro 2021

Desde março de 2020, uma significativa parcela de brasileiros passou a viver confinada em casa como forma de se proteger da pandemia do Covid-19, como ocorreu também em boa parte do mundo. Entretanto, diferentemente de outros países, no Brasil o enfrentamento da pandemia não só careceu de planejamento e organização, mas assumiu contornos genocidas através da política negacionista e irresponsável do governo de ultra-direita de Jair Bolsonaro. Ao invés de um lockdown sério e bem controlado, o que vivemos foi um autoisolamento voluntário de parte dos que podiam trabalhar à distância, enquanto uma grande quantidade de trabalhadores tinha que enfrentar as ruas, a falta de testes e de estrutura hospitalar, o desemprego e a perda de renda e a contra-informação obscurantista propagada pelo presidente e seus cupinchas, que além de não cumprirem seu dever perante à sociedade, ainda debochavam da doença e de suas vítimas.

Como se não bastasse, presos em nossas casas assistíamos incrédulos aos noticiários divulgarem cotidianamente o envolvimento da família presidencial com sórdidos casos de corrupção e bandidagem, a propagação da violência contra índios, negros e pessoas LGBTI+ inspirada pela agenda fascista governamental, o sucateamento das instituições culturais e de educação, o desabar da economia, a falta de respeito e ignorância oficial da diplomacia internacional brasileira e o avanço incontrolável da destruição da Amazônia e do Pantanal graças ao incentivo antiecológico do próprio Ministro do Meio-ambiente, entre outros escândalos.

No campo ambiental, a atuação do governo foi especialmente catastrófica, desmontando as instituições regulamentadoras, perseguindo as organizações não-governamentais que defendiam a ecologia, fomentando a exploração do território e apoiando madeireiros ilegais e latifundiários do agronegócio, negando os dados científicos e promovendo o assassinato de líderes indígenas . Embora o desmatamento já venha ocorrendo há vários anos, nunca ele foi tão incentivado e seu controle foi tão desregulamentado como no governo Jair Bolsonaro. Durante esses meses de pandemia, ouvimos em rede nacional a gravação de uma reunião entre ministros e presidente na qual o Ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles, fala descaradamente que o governo deve aproveitar que as pessoas estão distraídas com o Covid 19 para “passar a boiada” da desregulamentação das leis ambientais, ou seja, permitir intencionalmente o livre desmatamento e destruição ambiental enquanto o povo está preocupado com a doença. As imagens de queimadas em todo o Brasil e do desmatamento ilegal de proporções gigantescas tornaram-se cotidianas na vida dos brasileiros. Sem poder sair às ruas para poder protestar diante desta barbáries, sentíamo-nos prisioneiros de nossas próprias casas, condenados a ouvir diariamente estes despropósitos.

Cada um encontrou suas maneiras de reagir a isso. Alguns preferiam acreditar nas sandices do governo, ignorando a pandemia e lançando-se à própria sorte e à própria morte, sem máscaras e sem empatia pelo próximo. Outros buscavam se equilibrar como podiam, tentando se proteger, mas ao mesmo tempo buscando formas de sobreviver economicamente em meio a esse caos. Entre os que puderam permanecer em suas casas havia os que tiveram que conciliar o trabalho à distância com as exigências da vida em família, os que amargaram a solidão, os que viram a violência doméstica e as separações aumentarem, os que puderam encontrar mais tempo livre para tarefas prazerosas, os que tentaram aprender ou ensinar à distância, os que tiveram que distrair seus filhos enquanto davam conta dos afazeres domésticos e profissionais, os que se afundaram nos filmes, nos livros, na bebida ou nas drogas como forma de encontrar alívio, os que se tornaram experts em lives e comunicação digital, os que protestavam até cansar nas redes sociais e os que puderam encontrar momentos de interioridade para produzir arte.

Como artista, professor e pessoa, pude experimentar várias destas sensações, trafegando entre momentos de altos e baixos, mas agradecendo a possibilidade de poder permanecer protegido em casa e continuar exercendo minhas atividades. Em alguns períodos, encontrei tempo para desenvolver uma nova série de trabalhos artísticos, que chamei de Florestas do Isolamento.

This slideshow requires JavaScript.

Estes trabalhos são pinturas sobre papel inspiradas em fotografias que tirei durante uma residência artística realizada na Amazônia, em 2018. Somente 2 anos depois, pude me dedicar à produção destes trabalhos, que exigiam uma concentração difícil de ser atingida em meu cotidiano pré-pandemia. Além disso, a produção destes trabalhos me pareceu urgente neste ano em que nosso meio-ambiente foi destruído de forma tão avassaladora e irresponsável. Cansado de ver tantas imagens de queimadas e violências, me pareceu necessário como artista criar imagens que mostrassem a vida em seu esplendor amazônico, que mesmo sob ameaça germina e floresce. Seus tons verdes vibrantes parecem querer nos lembrar que ainda resta alguma esperança, que a floresta ainda pulsa e segue sua vida ignorando os humanos que pensam poder destruí-la, sem perceber que na verdade eles estão destruindo a si mesmos. Nascidas do isolamento do artista, estas florestas imagéticas puderam alcançar os olhos de outras pessoas através das redes sociais, trazendo assim um pouco de alívio e vida àqueles que estavam exaustos de imagens de morte, fogo e violência. Estas florestas imagéticas puderam assim fertilizar os lares daqueles que se encontravam isolados proporcionando a contemplação estética como forma de aumentar a conscientização ecológica.

As Florestas do Isolamento fazem tanto referência à selva amazônica real como ao adentramento no universo das tensões psicológicas causadas pelo distanciamento social. Ao mergulhar no isolamento, encontramos florestas íntimas, que às vezes nos parecem ameaçadoras, mas são também fomentadoras de vida, criadoras de pensamentos que talvez possam nos oferecer uma visão melhor de futuro, ainda que utópica. Plantando estas árvores artísticas, posso semear minhas selvas internas e oferecer àqueles que as observam a possibilidade de beber de sua seiva e respirar um pouco do oxigênio que elas exalam, permitindo que a luz seja filtrada por suas folhas nestes tempos tão sombrios, fertilizando novamente a terra de nossos pensamentos.

.

Hugo Fortes, é Artista Visual, Curador, Designer e Professor Associado da Universidade de São Paulo, Brasil. Já apresentou seu trabalho em mais de 15 países, em locais como George-Kolbe Museum Berlin, Galerie Artcore Paris, Columbus University USA, Assam State Museum India, Paço das Artes São Paulo, Brasil, Centro Cultural Recoleta, Argentina. De 2004 a 2006 viveu em Berlim, como bolsista DAAD para realização de estágio doutoral. Em 2006 defendeu a tese “Poéticas Líquidas: a água na arte contemporânea” na Universidade de São Paulo, onde atua como professor desde 2008. Sua pesquisa é voltada para as relações entre Arte e Natureza.

.

.

Elogio das hortas e dos jardins comunitários. Paris-Lisboa 2020.

por Teresa Castro

19 janeiro 2021

Durante o primeiro confinamento, a cidade de Paris esvaziou-se. Enquanto fazia as malas para deixar a cidade, uma amiga dizia-me pensar na avó, que um dia também tinha deixado a capital à pressa, enchendo o porta-bagagens não com roupas e livros, mas com as pratas da casa. No entanto, e ao contrário da avó, que fugia com a família do avanço inexorável da Wehrmacht, a minha amiga sabia que agora não havia zona livre e que o vírus com o qual o presidente Macron considerava estarmos em guerra se encontrava em todo o lado. Mas uma coisa é escondermo-nos dele num apartamento e outra numa casa com jardim, por quão pequeno seja.

Confinada em Paris durante os meses de março, abril e maio, também eu pensei muitas vezes no que seria abrir a janela de manhã e sentir o cheiro da alfazema. Melhor ainda: do mar. Mas a verdade é que para aqueles que ficaram, e que como eu têm a sorte de dispor dum teto e usufruir dum salário fixo, Paris reservou algumas surpresas. Ao abrirmos a janela, ouviam-se pássaros desconhecidos, outrora inaudíveis. Antes que nos restringissem drasticamente os movimentos, limitando as saídas a um passeio higiénico no raio máximo de um quilómetro, era possível percorrer de bicicleta toda a cidade sem cruzar vivalma. Na ilha de São Luís, os patos ignoravam as barreiras policiais que impediam o acesso aos cais do Sena e deambulavam connosco na ponte de la Tournelle. Em abril (um abril ameno e solarengo), os parques, encerrados por ordem governamental, encheram-se de flores que transbordaram dos canteiros geométricos. Como durante largas semanas nada foi podado, tufos de jasmim invadiram as grelhas e o seu perfume intenso espalhou-se pelas ruas. Nos interstícios dos passeios e das paredes começaram a crescer ervas e plantas: durante o confinamento, ninguém as arrancou.

Os pássaros, os patos, o jasmim, as plantas “daninhas”. Todos eles foram companheiros de confinamento e pequenas consolações face ao resto: a desorientação quotidiana do sem-abrigo que regularmente me perguntava porque não havia gente na rua, a agressividade assustadora do abstinente de crack, a solidão da vizinha privada do centro de dia, o desânimo dos alunos (um prelúdio ao abatimento generalizado que atravessamos hoje), a angústia dos amigos precários (um preâmbulo ao desespero atual), a visão regular da carrinha dos serviços fúnebres de Paris, os primeiros conhecidos vítimas diretas ou colaterais da Covid-19. E, claro, o policiamento incessante das vidas.

Nesses dias estranhos do primeiro confinamento, os nossos telefones encheram-se de memes, gifs e vídeos. Entre os mais populares, contavam-se as imagens de cidades vazias, quase sempre realizadas por drones. Barcelona deserta, Lisboa deserta, Roma deserta, Praga deserta. Paris deserta. Cidades subitamente despovoadas pelos humanos, onde os animais começaram a substituir os turistas ausentes: patos em Paris, veados em Londres, javalis em Ajácio, pinguins na Cidade do Cabo, cangurus em Adelaide. Somando-se à melancolia grandiloquente da visão aérea (endereçada a espetadores privilegiados, ávidos de imagens, de espetáculo, de distração), a súbita desinibição dos animais reconfortou alguns espíritos. Eis um mundo pós-apocalíptico, sem humanos (ou pelo menos com muito menos humanos)! Que bonito é! Entusiasmados, alguns comentadores avançavam que a pandemia era a primeira grande crise do Antropoceno: os mais otimistas antecipavam uma nova era de consciência ecológica. Afinal de contas, e como confirmavam as imagens de satélite, os níveis de poluição baixaram drasticamente (tão drasticamente como subiram alguns meses mais tarde). Outros, cada vez mais descarados e obscenos, ousaram insinuar que a Covid-19 era a cura para a “doença humana”: Corona is the cure, humans are the disease, lia-se em autocolantes falsamente atribuídos ao movimento Extinction Rebellion. No Reino Unido, a extrema-direita aproveitou a pandemia para desacreditar o grupo e promover o ecofascismo. À medida que as imagens de drones sugeriam que uma parte do mundo se tinha transformado numa zona de exclusão nuclear onde a natureza reclamava os seus direitos, por vezes ao som de música clássica, alguns aproveitaram a ocasião para defender que a saúde do planeta era mais importante do que algumas vidas humanas – em geral, vidas negras, indígenas e/ou precárias. Mas também as vidas daquelas e daqueles que ultrapassaram, ao que parece aos 70 anos de idade, uma qualquer data de validade estipulada pela lógica produtiva que rege as nossas tristes existências.

Em finais de abril, e ainda que os parques permanecessem fechados ao público, tornou-se outra vez possível frequentar o jardim comunitário do qual sou sócia. Paris não é uma cidade especialmente verde, mas esconde um sem-número de pequenas hortas e jardins que formam outras tantas comunidades de vizinhos e redes de entreajuda, por sinal bastante ativas durante o confinamento. Contra a desolação dos dias passados diante dos écrans ou a velar as más notícias no telefone, era agora possível, durante uma hora!, revolver a terra com o ancinho, prepará-la para a plantação de flores e de pimentos, encher de água os recipientes de barro que, enterrados no solo, nos servem para regar as árvores e as plantas. Contrariamente a outros, o jardim partilhado do qual faço parte não tem uma função de subsistência, ainda que nos seja possível colher ervas aromáticas ou presentear todos os aderentes com doce de tomates verdes cultivados a dois passos do Centro Georges Pompidou. Este ano levámos para casa flores de curgete e alcachofras de Jerusalém. Para além de nos permitir compostar o lixo orgânico, o jardim partilhado é um ponto de encontro onde antes da pandemia as crianças das escolas da freguesia vinham aprender a fazer bombas de sementes ou a plantar legumes. Mas o jardim partilhado é sobretudo um lugar de fruição, de prazer, de encantamento. O aroma da salva-ananás, a vivacidade das capuchinhas e a sensação de enterrar os dedos na terra húmida podem ser arrebatadores. Mas são também uma forma de contrariar a constante neutralização da política ambiental e ecológica com que somos bombardeados. As imagens aéreas de cidades despovoadas são exatamente isso: uma perigosa neutralização senão uma estetização da política, como diriam Walter Benjamin ou Siegfried Kracauer.

No começo de junho regressei a uma Lisboa deserta num avião quase vazio. Os jacarandás estavam em flor e no dia 6 as ruas do centro encheram-se durante algumas horas com tantos desses corpos que alguns gostariam de ver excluídos dum planeta “curado” pela pandemia. Durante mais de três meses percorri outros jardins e, sobretudo, muitas hortas. Lisboa é uma cidade de hortas, ainda que a agricultura urbana escolha cada vez menos por abrigo os logradouros e terrenos baldios que associamos aos arrabaldes saloios e cada vez mais os parques hortícolas geridos pela Câmara Municipal. Graça, Benfica, Campolide, Carnide, Lumiar, Chelas. Por trás da Avenida José Malhoa, no Jardim da Amnistia Internacional, duas amigas criaram num talhão hortícola um pequeno jardim de ervas aromáticas, associando “plantas amigas”. Desse jardim trouxe um dia, juntamente com tantas outras ervas, um pé de hortelã. Não reparei, mas vinha nele um casulo. Alguns dias depois nasceu na minha marquise uma borboleta cauda-de-andorinha, uma Papilio machaon.

As borboletas cauda-de-andorinha são comuns em Portugal, mas vê-la foi um momento de maravilhamento. Face aos inúmeros desastres que enfrentamos e que a pandemia apenas tornou ainda mais complexos, sentir espanto, encanto e admiração, maravilhar-se com uma borboleta parece quase ingénuo. E, no entanto, se houve altura em que me pareceu essencial conceber a atenção não nos termos duma economia, mas duma ética que englobe também o não humano (o “mais que humano”, para evitarmos dualismos fundados sobre a contradição), esse tempo é hoje. Por um lado, nunca se falou tanto da “nossa” vulnerabilidade; por outro, maravilhar-se com (e não diante de) é uma questão de atenção. E em português, atenção e cuidado são sinónimos.

This slideshow requires JavaScript.

Como veio perversamente recordar aos mais alheados um documentário da Netflix, The Social Dilemma (2020), a atenção é hoje o recurso raro que se disputam os gigantes das redes sociais (e os media, e os craques da publicidade e do marketing, e os spin doctors, e as plataformas de streaming tipo Netflix, etc.). O capitalismo, seja ele tardio, avançado, ou global, é também hoje um capitalismo da atenção. Desde finais do século XIX que a atenção foi pensada em termos económicos e quantitativos. No seio dum sistema regido por imperativos de produtividade, um sujeito mais ou menos atento (mais ou menos distraído) é um sujeito mais ou menos eficaz e, logo, mais ou menos rentável. Mas a atenção tornou-se também num regime disciplinar, numa categoria normativa: algumas “disfunções” da atenção, como a perturbação de hiperatividade, tornaram-se patologias. É deste paradigma económico que desejo afastar-me, sugerindo (em particular na senda da filósofa ecofeminista Val Plumwood), que a atenção pode também ser pensada como uma ética do cuidado, em particular no que diz respeito aos mais que humanos. Maravilhar-se com uma borboleta – ou com as beldroegas que teimam em crescer nos passeios de Lisboa – é, antes de mais, aderir a um modo de percepção. Tornar-se disponível para acolher o “outro”, seja ele humano ou mais que humano, aquele(s) que nos habituámos a relegar para o fundo dos cenários e para as margens do nosso campo sensitivo. Aquele(s) a quem chamamos desdenhosamente de “aquilo”, condenando-os à condição de objeto, de produto, de recurso. Aqueles que consideramos menos que humanos (inferiores), mas que devemos aprender a encarar como mais que humanos, valorizando as diferenças que nos separam e resgatando-as de sistemas de valores obsoletos e mortíferos. Aqueles a quem teimamos recusar os dons da intencionalidade e da inteligência.

Se a atenção é uma forma de zelo e de dedicação, as hortas e os jardins comunitários são desde há muitos os laboratórios em que se ensaia, por vezes, o alargamento do cuidado com a vida humana ao cuidado com todas as vidas. Nesse sentido, a atenção é um gesto político. Ao longo dos meses em que percorri os jardins e as hortas de Lisboa, umas vezes sozinha, outras acompanhada pelas amigas cúmplices ou por duas crianças convertidas aos encantos do vegetal, maravilhei-me tanto com o perfume da verbena como com a destreza e ternura das mãos que cuidam da terra. Perante os desastres que são os nossos, entre os quais o do desânimo, dir-me-ão que a atenção pode pouco, ou quase nada. Talvez. Mas pelo menos a atenção recorda-nos que viver num planeta ferido significa cuidar de todas as vidas.

Teresa Castro, é Professora associada no departamento de estudos cinematográficos da Université Sorbonne Nouvelle. Foi investigadora de pós-doutoramento no museu do quai Branly (Paris) e investigadora convidada no Max Planck Institute for the History of Science (Berlim). Publicou La Pensée cartographique des images. Cinéma et culture visuelle (2011), coordenou vários dossiers temáticos e livros coletivos – entre os quais Puissance du végétal et cinéma animiste. La vitalité révélée par la technique (2020) – e é autora de mais de cinquenta textos e ensaios, publicados em diferentes países. Em paralelo das suas atividades académicas, desenvolve também um trabalho de crítica e de programação.

.

.

Eu sou tu. Experiências ecocríticas

José Pinheiro Neves, Pedro Rodrigues Costa, Paula de Vilhena Mascarenhas, Ilda Teresa de Castro & Virginia Roman Salgado (Eds.) _ imagem capa Ilda Teresa Castro

14 janeiro 2021

(livros)

Torna-se urgente “uma recomposição das práticas sociais e individuais (…) segundo três rubricas complementares – a ecologia social, a ecologia mental e a ecologia ambiental – sob a égide éticoestética de uma ecosofia” (Guattari, 1990, p. 23). Foi esta “urgência” que nos levou a organizar este livro. A necessidade foi a de reunir, para propagar e ecoar, um conjunto de fundamentos para uma ecologia político-social, que responda às problemáticas levantadas pelos diversos movimentos (feministas, urbanistas, LGBT, ecologistas, neo-anarquistas, artivistas, netativistas, entre outros); um conjunto de fundamentos para uma ecologia mental e psico-corporal, tendo em conta a necessidade de alertar para as novas formas de individuar, para novas subjetividades e para novos modos de responder aos diversos desafios da atual contingência; e um conjunto de fundamentos para uma ecologia sócio-ambiental, que se centre mais na relação com ecossistemas não antropocêntricos constituídos por minerais, vegetais e animais (agro-ecologia, permacultura, eco-aldeias, políticas florestais, agricultura biológica, agricultura de proximidade, horticultura terapêutica, entre outros). Os textos aqui reunidos vão neste sentido, apelando a um “eu sou tu” mais próximo de uma experiência verdadeiramente ecológica.” (p. 301)

ensaios de Vítor Rua, José Pinheiro Neves, Jorge Leandro Rosa, Ilda Teresa de Castro, Martín Roldán Vera, Pedro Andrade, Astrid Maribel Pinto Durán, Omar Felipe Giraldo, Jacinto Rodrigues, Maria Luiza Cardinale Baptista, Jorge Moreira, Domingos Vaz, Edmundo Cordeiro, Albertino Gonçalves, Dalila Monteiro, Paula de Vilhena Mascarenhas, Ángel Roldán Parrodi, José Bragança de Miranda, Moisés de Lemos Martins, Bruno Latour, Pedro Rodrigues Costa.

ISBN digital: 978-989-8600-96-7
DOI: 10.21814/1822.68550

Descarregar o livro Eu Sou Tu  _ Descarregar os ensaios 

.

.

Da Caligrafia impossível

por António Barros

14 dezembro 2020

(exposições)

Da Caligrafia impossível é uma viagem no alfabeto durante a Primeira Guerra Mundial Pandémica onde quatro pensadores no além, se encontram na quadratura da mesa. As letras resultam de uma revisitação de vivenciações geradas em programas que convocaram leitura de obras diversas.

A de Ruben A, anteriormente apresentado na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, hoje pode ser re_lida no CADC em Coimbra, à Couraça de Lisboa. Zygmunt Bauman, antes enunciado formalmente em “Alvoro” no MUDAS_Museu, hoje integra a peça escultórica original, retrato. A colecção deste museu no mar Atlântico, dá-nos a letra B. O retrato de Albert Camus, a letra C, foi gerado na revista Mediapolis, da FLUC. Herberto Helder, letra H, esteve em escultura_retrato no CAAA_Guimarães e MUDAS_Museu, e terá publicação em “Vulcânico PaLavrador_Elegia a António Aragão”, em 2021. De pé, a letra P, de Fernando Pessoa surge na peça “África_uma lágrima de Amália com P de Portugal ao fundo”, agora apresentada na Galeria António Prates, Lisboa.

Há quem leia a lágrima P, de Amália, hoje no seu centenário de nascimento, como uma resolução de luto às vítimas pandémicas. P de pandemia, e P de planeta. Planeta que os quatro à mesa _ A+B+C+H _ manifestam surpresa ao olharem de longe. Como a Humanidade deixou chegar nosso Planeta, a este estado.

Humanidade _ reinventando-se no pós-guerra, urge. Urge fazer da fraqueza uma força, como nos enuncia Paul Valéry em “Alfabeto”.

Da Caligrafia impossível, ao dizer que as letras já não são capazes de dizer palavras bastantes, obriga o gesto. Gestos. Progestos. Atitudes assertivas. Artitudes.

_Salvar o que dita a letra P. Todas as letras. Alfabetizando.

This slideshow requires JavaScript.

.

António Barros, 2019-2021: Humanidade, 23’ Semana Cultural da Universidade de Coimbra [Identidade Visual];  Multiplicidade da Experiência: António Aragão (1921-2008) Antena Receptiva”; Mágoa_Water Event, Museu da Água, Coimbra, tributos de António Aragão, Augusta Villalobos, Ernesto Melo e Castro, Yoko Ono e Simone Weil; Dissonâncias, MNAC_Museu do Chiado, Lisboa; CEH_ Water Event, YOKO ONO _O jardim da aprendizagem da liberdade, MuseuSerralves, Porto; Alvoro, MUDAS_Museu; International Symposium Joan Brossa_The Portuguese Context: Experimental Poetry With(out) Brossa, Rui Torres, Universidade de Barcelona.

Publicações: Vulcânico PaLavrador, MUDAS_Museu, 2021; Obgesto_Livro | Arte da Acção, Museu da Água, 2021; Uma Luva na Língua, MVM | Artitude:01, 2021.

.

.

Falta de Ar

texto Luís Lima_imagem Elisa Scarpa

9 dezembro 2020

a hominização é a exteriorização funcional das experiências individuais e singulares que se transmitem àqueles que, no mesmo lance, se tornam herdeiros: os descendentes.

Bernard Stiegler, Da Miséria Simbólica

Na catástrofe de Tchernobyl, os sentidos humanos já não serviam para nada, pois não podiam aperceber-se do perigo incorpóreo. Toda a catástrofe é uma interrupção, uma suspensão. O que nela se passa nesse tempo circular, aiónico, é um acontecimento. A reacção à catástrofe resulta geralmente numa coreografia social orquestrada por um inconsciente político, muitas vezes por palavras de ordem devidamente codificadas na novilíngua.

O movimento imanente da quietude de todo o confinamento e quarentenas é a profundidade da superfície cinética: uma coreo-política que confina a micro-biosferas confinadas por tecno-esferas à medida. Atmo-terrorismo (ou conflito de atmosferas) em que se morre pelo simples facto de respirar, é a extensão de uma guerra fria económica e ideológica entre diversas polaridades geopolíticas.

Independentemente das estratégias de policiamento, de ordem discursiva e de comunicação propagandística, todos podem culpar quem morrer: ora porque cumpriu as ordens do(s) governo(s) mas chegou tarde de mais, ou tinha já debilidades intrínsecas ao seu frágil corpo (comorbilidades) quase sempre culpado de ter vivido demasiado tempo e estar envelhecido. Ora, são culpados por ter desrespeitado as regras decretadas pelo(s) governo(s): foi leviano, foi leviana, foram levianos. Nunca o discurso se conjuga na primeira pessoa do plural e muito menos na do singular. Em suma, é culpado porque foi ele quem respirou: respirou em família, respirou no funeral, respirou no metro, respirou na manifestação, respirou no local de trabalho, respirou na festa.

O que veicula hoje o ar bom e o ar mau. Ter bom ar é preciso, ir apanhar é só para quem puder. Invisível é o vírus coroado (anarquia coroada?) que veicula não o gás Zyklon B, anti-parasitário, invisível e inodoro para as câmaras colectivas, invisível é o vírus que isola e mata a sós que é, afinal, como sempre se morre. Mas se há um ar mortífero, há também um ar salvítico: o ar que salva.

Esse ar que salva não é, porém, livre: o último bem universalmente comum, precisa de ser certificado. E não está aí. Vem por via de uma máquina que ajuda a respirar. Uma máquina cara que ajuda a respirar. Respirar ao ar livre (livre de quê, livre de quem) é condenável, pode asfixiar socialmente.

Há toda uma aerologia, lógica do ar, que advém com o atmo-terrorismo. É que o ar já nada tem de puro. Tal como a água do mar ou o curso dos rios… E não se trata de um Éden perdido, de uma pureza originária para sempre desaparecida. É mesmo uma questão de pureza no sentido da não-culpabilidade, ou seja, da inocência. Ou seja, é uma questão moral. Mas poder-se-á acusar ou culpar o ar? A inocência do ar é tão inefável quanto a conspurcação da terra. É antes o dispositivo que está em crise, o dispositivo respiratório está em crise. Desamparado, precisa da tecnologia mais avançada, isto é, do capital respiratório da indústria hospitalar.

Depois do ar forçado e do ar condicionado existe o ar contaminado e o seu contraponto, o ar ventilado. Na medida em que é a última propriedade comunal, até o mais pobre pode apanhar ar, é preciso regulamentar o ar e fazer com que entre no circuito da criação de valor mercantil, ou seja, de superavit, de lucro, o ar passa a ser um produto. E se o ar é um composto e nunca foi puro, também nunca foi determinado mediante a sua qualidade em função de quem tem dinheiro (ou Serviço Nacional de Saúde) para o poder consumir.

Palavras sintomáticas e quase proféticas (I can’t breath) de George Floyd. Falta de Ar do poeta E. Ethelbert Miller: Se ao menos pudesse ter mais um segundo/ contigo agora, um momento cheio da tua/ respiração e beleza debaixo dos cobertores. Confiscação das palavras, das vozes, do pensamento e da livre respiração (prana) e expiração, que é a livre expressão.

Excecionalidade e normalidade, pólos (aparentemente opostos) tão simplesmente dialéticos do movimento sintético que anula o poder do desvio, a possibilidade de fuga. Novilíngua entre a disforia do fim do mundo e a temporária euforia do fim de um mundo que pode dar origem a um outro mundo. Idêntico movimento dialético que impede a actualização de um mundo sempre por vir e a sua construção no tempo imanente do agora, que está sempre entre esses dois tempos: o antes e o depois.

Do ser-para-o-mercado ao ser-para-o-telemercado, nada muda, apenas se aprimora e compartimenta segmentos para melhor maximizar o servilismo que sempre leva a actos de sobrevivência pelo consumo escravo. Tele-mercado, tele-escola, tele-trabalho, tele-sexo, tele-medicina, tele-concerto, tele-pensamento, enfim, telecomando generalizado: higienizado em todo o caso.

No meio da catástrofe do sufoco generalizado o sussurro vem sempre das trevas, que é de onde apenas se pode ver a luz. A falta de ar de uma vida subtraída equivale sempre às trevas onde demasiadas vezes não se consegue permanecer, inoperante, até conseguir ver luz. Ser inoperante custa muito dinheiro. Por mão-de-humano irá chegar-nos a todos o ar, ou o que dele resta, como bem raro, e produto de luxo. Ou melhor, algures entre luxo e lixo, o ar que respiramos dependerá da nossa capacidade de agir em apneia.

Luís Lima
25 de Setembro de 2020

.

Luís Lima, é doutorado em Filosofia – Estética –, pela FCSH/Universidade Nova de Lisboa. Jornalista – Volta ao Mundo, Revista National Geographic, Arte Ibérica, Arte Capital, etc. Docente e Coordenador da Pós-Graduação em Ilustração na Universidade Autónoma de Lisboa. Docente na Escola Superior de Design do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, em Teorias da Imagem, Escrita Criativa, Estética e Escrita Literária e Comunicação e Digital Storytelling. Coordenador da Pós-Graduação em Ilustração na UAL. Tradutor freelancer (Rancière, Didi-Huberman, Truffaut, Stiegler, Mondzain, Klossowski, Ghérasim Luca, etc.). Investigador colaborador no ICNova (Cultura, Média e Artes) e integrado no CEAA (Arte e Estudos Críticos). Integra a comissão científica da CONFIA – Conferência Internacional de Ilustração e Animação.

.

Elisa Scarpa, nasceu a 7 de janeiro de 1964 e há-de morrer.

.

.

Imunidade, Sustentabilidade Pessoal e Biodiversidade

por Lourenço de Azevedo

28 novembro 2020

.

.

Lourenço de Azevedo, iniciou os seus estudos em Medicina Chinesa em 1998. Inspira-o a busca de uma visão de medicina que atravessa fronteiras e que é transversal a todas as culturas. A sua investigação tem como ponto central a tradução e descodificação de práticas de movimento e de fortalecimento interno assim como hábitos saudáveis e alimentação, que possam adaptar-se e melhor servir cada ser humano no seu propósito de vida. Ensina em diversos institutos nacionais e internacionais e publicou em 2017 pela editora Marcador o livro Regenerar, Manual de Bem-Estar para viver de acordo com as estações do ano. É co-fundador juntamente com a sua mulher, Marta Ribeiro, do projecto com o mesmo nome, Regenerar, sediado online em http://regenerar.pt. Vive numa área rural no concelho de Vila Verde, que lhe permite estudar, criar e ensinar a partir de uma vivência que incorpora o potencial da vida em família, a educação doméstica e a influência da Natureza. 

.

.

Este Ano, no Brasil

texto de Atilio Butturi Junior

desenhos de Paulo Anciães Monteiro

17 novembro 2020

(1)

Quando Michel Foucault, no seu Vigiar e Punir (2), descreveu o funcionamento da prisão, aproximou dois modos de enfrentamento da doença: por um lado, o modelo da lepra, coletivo e excludente; do outro, o modelo da peste, individualizante e minucioso. O que o século XVIII teria permitido era criar um vértice entre os dois modelos: ao mesmo tempo em que aparta certos corpos e certos sujeitos, permite ainda criar uma série de práticas de inspeção, repartição, contagem e observação.

Um ano mais tarde – e a narrativa já é de muitos conhecida –, Foucault (3) descreverá a biopolítica pela primeira vez, segundo outro vértice: entre o corpo individual e o corpo coletivo, a aparição de um poder que incide sobre a própria vida (zoé) e a insere na cena pública como um problema político que demanda modalidades de governo da vida – e aí aparecem os serviços universais de saúde pública, as campanhas de vacinação em massa e o rol de práticas estatísticas que normalizam, regulamentam e governam a vida.

Esse tema da biopolítica – e suas variações e ampliações – , como se sabe, é um dos motes com que hoje munimos nossas lentes para entender o que se passa na pandemia. Um vírus, como descreveu Esposito (4), é a um só tempo biologia e política. Com a crise sanitária, isso parece ter se tornado mais palpável e esse efeito tátil trouxe consigo um outro, qual seja: o de lançar luzes sobre as formas de qualificar e desqualificar as vidas e levar o governo da vida ao seu limite – aquela tanatopolítica anunciada como constitutiva de toda política da vida.

This slideshow requires JavaScript.

Eu escrevo sobre isso do Brasil. Aqui, o governo da vida mostrou-se uma espécie de paradigma da própria crise do governamentalidade que Lazzarato (5), há pouco sugeriu: o capitalismo tardio, esse projeto liberal de um governo de ultra-direita brasileiro (um eufemismo, aliás, a que assistimos, incrédulos), é o epítome de um fracasso de governamentalidade. A crise da Covid-19, então, seria uma longa cena dessa incapacidade de gestão da vida e, a partir daí, parece que as políticas de extermínio daquilo que vive ganhou espaço. Malgré Foucault, diria.

Vivemos hoje, no Brasil, num presente que se estende há quase oito meses. O “país do futuro”, essa miragem com que nos acostumamos a ler o Brasil, agora (e agora é mais um modo de fincar o pé num presente atávico) revolve-se num grande dia – que se estende, como num filme catástrofe. O noticiário, nesse caso, parece apenas ampliar o ubuesco do que, já de muito, chamamos de “desgoverno”: há um ataque à Amazônia e ao Pantanal, negado peremptoriamente; há um ataque aos direitos das minorias, afirmado constantemente e motivo de regozijo; há um ataque às populações mais pobres, as mais afetadas pela epidemia.

Como se não bastasse, essa suspensão do tempo e esses ataques hipostasiaram o mínimo pacto de convivência em que nos constituímos, os brasileiros que se queriam cordiais. Há, ainda aqui, um novo “povo”. E há os outros. Na crise sanitária, esse novidadeiro “povo” tomou as ruas, exigiu a reabertura (de tudo o que se imagina) e vociferou, as máscaras usadas no queixo: não há a pandemia; a pandemia é coisa de frescos; a pandemia é esquerdopata.

Enquanto escrevo este breve texto, o presidente de ultra-direita reencontra esse povo, como se estivéssemos, novamente, num só tempo presente, inaugurado na eleição de 2018. A pesquisa mais recente, de 24 de agosto, enuncia uma perplexidade: o maior índice de aprovação do capitão. A explicação que todos buscam estaria na distribuição de parcelas de seiscentos reais a boa parte da população e, daí, ao crescimento da popularidade daquele que, por muitas vezes, materializou uma política da indiferença: porque era apenas uma gripezinha, porque as pessoas morrem e é assim a vida. E daí?

Essa indiferença já se deu, por aqui, em outros momentos. É um lastro histórico. No início do século XX, a tuberculose, por exemplo, era doença de pobres. Não era um problema da Velha República. Mais tarde, na década de oitenta, o governo do então José Sarney fez vistas grossas ao aparecimento do hiv entre nós – e foi pela pressão da sociedade organizada, médicos e organizações não-governamentais (com a participação das pessoas que viviam com hiv) que permitiu criar políticas de enfrentamento que, mais tarde, foram consideradas exemplares (6).

Não estamos na ordem dos exemplos mais. Nesse nosso presente, estamos na asfixia. Nossos dispositivos-máscara não são os mesmos da China: são costurados, em sua maioria, nas moradas das famílias. São vendidos por camelôs. Nossos dispositivos-respiradores não são suficientes e são superfaturados em diversas cidades espalhadas pelo país. A asfixia é a modalidade com que, no Ocidente, iniciamos o século XX, como nos conta Sloterdijk (7): nas guerras usando gases tóxicos, na produção das câmaras de gás ou da pena de morte por asfixia. Nossos não-humanos prestam-se à ecologia do Terror, que possibilita a morte em grandes escalas: no Brasil, neste 25 de setembro de 2020, são mais de cento e quarenta mil mortos.

Volto ao tempo, como se pudesse dar um fim à narrativa. Porque contamos o tempo que uma vida pode ser vivida. Invertemos o “fazer viver” e só nos interessa a vida produtiva: os velhos são um problema econômico, como já disse uma representante do governo brasileiro, para quem a morte é também uma solução de gestão. A floresta e seu tempo, um desperdício de dinheiro, de pasto, de garimpo.

Ora, ronda esse tempo numérico de controlatos um fantasma. Sua lógica é de disjunção: o tempo se desfaz num átimo. Um bug nesse tempo, uma promessa do início do século XXI que sonda a vida do Brasil. Esse espectro, antes sombrio, talvez seja – nessa nosso extenso agora – um modo de repensar uma constituição colonial, racista, sexista homotransfóbica. Contra o tempo ubuesco em que vivemos, contra o tempo de uma história que é sempre exclusão.

This slideshow requires JavaScript.

Roland Barthes (8), nos anos sessenta, disse que o passado (o passé composé) do romance era o par do sujeito e a coerência de uma identidade. Nosso tempo oferece, ao menos, isso: a obviedade de um presente colocado no abismo do absurdo, de um desgoverno fora-do-tempo; e um espectro de abertura, sobre a qual pouco se sabe, mas que funciona como uma implicação e uma demanda por transformação.

(1) Aqui, o eco circular do tempo de Resnais e Robbe-Grillet, de L’année dernière à Marienbad.

(2) FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Trad. Raquel Ramalhete. 41.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.

(3) FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. 19.ed. Trad. Maria Thereza Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2009 [1975].

(4) ESPOSITO, R. Bios: biopolítica e filosofia. Trad. M. Freitas da Costa. Lisboa: Edições 70, 2010.

(5) LAZZARATO, M. em É o capitalismo, estúpido!. Trad. Bratriz Sayad. São Paulo: n-1, 2020.

(6) NASCIMENTO, D. R. do. As pestes do século XX, tuberculose e aids no Brasil, uma história comparada. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005.

(7) SLOTERDIJK, P. Terror from the air (foreign agents) (semiotext(e) / foreign agents). Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2009.

(8) BARTHES, R. Novos ensaios críticos seguidos de O grau zero da escritura. 2.ed. Trad. Heloysa de Lima Dantas, Anne Arnichand e Álvaro Lorencini. São Paulo: Cultrix, 1972.

.

Atilio Butturi Junior, é Doutor em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012). Realizou estágio pós-doutoral na Faculdade de Filosofia da Ciência da Universidade Nova de Lisboa (2017-2018), com bolsa da CAPES-Brasil, sob supervisão do Prof. Dr. José Luís Câmara Leme. É professor Adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina, líder do Grupo de Estudos no Campo Discursivo e membro do Grupo A condição Corporal. É editor-chefe da revista Fórum Linguístico, docente do Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFSC (que coordenou entre 2018 e 2020) e, atualmente, bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq (PQ2), com pesquisa voltada ao dispositivo crônico da aids no Brasil.

Paulo Anciães Monteiro, nasceu em Barcelos mas vive no Porto.
Estudou Direito em Coimbra mas abandonou para fazer o Curso Superior de Desenho na ESAP com o mestre Sá Nogueira. Desenhou roupa desportiva e lecionou desenho de moda. Desenhou para livros de autor, jornais e revistas. Colaborou com bandas de rock ( 3 Tristes Tigres, Bruta ). Editou “ Livro-te” “ Errata” “ Palavrário” e “ Roupa Anterior”. 
Expôs em individuais e colectivas, “ Palavódromo “ “Olhar a folha com olhos de fala “ entre outras. Desenha como forma moderna de feitiço.

.

.

O Medo Vai-se Embora

por Rajele Jain

28 Outubro 2020

Em Dezembro de 2019, lancei a minha primeira “Campanha Kickstarter” para mobilizar algum apoio para o projecto cinematográfico que preparei lentamente ao longo de décadas. Preparar lentamente, significa experienciar o assunto antes de fazer o documento sobre o mesmo — há quem lhe chame documentação.

A campanha falhou. Os meus amigos e familiares tiveram de entregar alguns dados privados à plataforma de crowdfunding para mostrar a sua vontade de contribuir com uma quantia específica de dinheiro, mas não estavam habituados a trabalhar em rede, a divulgar a notícia e a apoiá-la através de recomendações pessoais.

Assim, em vez da quantia sonhada de 3000 colaboradores doando 5 euros cada — que me tinha parecido realista —  acabei por incomodar os meus amigos e pedir-lhes, involuntariamente, dinheiro! O dinheiro tinha sido confundido com energia, com inter-conectividade.

Foi então que inesperadamente, todos os meus protagonistas desejados se reuniram no momento certo, no lugar certo. Por isso, tive mesmo de partir.

Na selva profunda da Índia do Sul, passei algum tempo com o mestre que desde há 37 anos tem sido capaz de proteger a verdadeira essência do yoga da comercialização. Comprou esta selva juntamente com a sua esposa — a performer e autora Anjali, com quem vive há 40 anos —, a fim de proteger, também a selva, da comercialização. Ali, fundaram um lugar onde a arte, o yoga e a Natureza se podem encontrar, ou melhor, podem ser encontrados.

Este texto, entre outros, tirei-o da Anjali:

Não quero adorar o meu corpo,
Quero adorar as forças que o integram,
entendê-las como parte da ordem cósmica
que está constantemente a curar-se a si própria.

Por essa altura, ainda não tínhamos ouvido falar do novo vírus que já estava a atacar. Ainda estávamos a falar de como permanecer saudáveis em vez de como nos curar… saudáveis na mente e não apenas no corpo. Assim, discutíamos o papel do medo na vida humana e como este pode ser conquistado pelas práticas iogues.

Cercados pelas árvores e sons da selva, a comer da grande horta e a respirar ar pleno de oxigénio, as nossas conversas pareciam muito afastadas da vida urbana que conhecíamos de outro modo — quem faria ali esta experiência na vida quotidiana! Pensei no meu filme e em como as pessoas o poderiam achar quase utópico — se não kitsch.

Depois da selva passei por Chennai para encontrar amigos íntimos que não vejo há anos. 12 milhões de pessoas (não registadas) numa cidade, uma cidade que eu amo — normalmente entre os 25 e 40 graus Celsius de temperatura. Agora têm entregas de Sushi, disse-me o meu amigo, tentando indicar-me as principais mudanças. São principalmente para as empresas estrangeiras que se estabeleceram aqui, explicou-me.

E depois, fui para os Himalaias, o lugar da minha guru Ayurveda. Nunca lá tinha estado antes, mas ela sempre me tinha descrito as plantas, as árvores e o rio, o rio. Quando comprou esta terra, disse-me, o Ganges era selvagem e grande. Agora tinham construído uma barragem a alguns quilómetros de distância, e eu conseguia ver as pedras mágicas.
Poderá acontecer a alguém apaixonar-se por uma pedra?
Aconteceu-me a mim.

Falámos e falámos durante dias. Cozinhámos, fermentámos, cozemos e trabalhámos — proto-científico, diriam alguns. É claro que, científico, disse ela, é apenas mais uma noção de ciência, não a reducionista mas a holística. Durante este tempo, as notícias ficaram repletas de actualizações sobre o novo vírus que desafia a saúde humana. A saúde, o principal tema da ciência ayurvédica e da sua vida. Ela explicou-me que

eles estão a fazer investigação no meu centro para as 99,9% de pessoas que ainda não estão doentes,

e continuou,

mas fazendo tudo para ficarem doentes.

Antes disto, tendo obtido dois doutoramentos, ela trabalhou como cientista médica numa empresa farmacêutica na Europa. E um dia, pensou,

será melhor trabalhar na saúde do que na doença — porque ali, sabes, foi sempre doença…

Especializou-se em medicina preventiva Ayurvédica e ensinou por todo o mundo como cada qual pode cuidar da sua própria saúde. Foi uma tarefa difícil porque as pessoas tendem a soluções fáceis, demasiado preguiçosas para manter uma disciplina. Talvez por isso me tenha respondido como respondeu no nosso último dia, depois de dias cheios de notícias sobre a crescente pandemia. Perguntei-lhe que conselho daria se alguém adoecesse com este vírus. Respondeu-me,

simplesmente morra.

Tudo pode ser demasiado tarde.
Se ao menos tivéssemos sabido. Se ao menos tivéssemos ouvido.

Também conheci um casal de vaidyas, médicos Ayurvédicos que praticam medicina e trabalham com pessoas doentes. São a 8ª geração de vaidyas. Ser um vaidya significa compreender a Natureza. Um vírus é Natureza, o que ele faz ao ser humano, também é Natureza.

Estas foram as suas sentenças:

A ciência baseia-se em factos reprodutíveis.
Não existem factos reprodutíveis na medicina.
Apenas no século XII começaram a identificá-la como científica.
Antes era um serviço médico, era apenas um serviço,
baseia-se na observação. Está sempre a mudar completamente,
em cada minuto continua a mudar, a fisiologia está a mudar.
É por isso que dizemos que não se pode medir a saúde.

A medicina moderna atingiu a sua saturação.
Não pode ir mais longe, eles perderam todas as opções sobre produtos químicos.
Por isso, a química agora acabou. Agora o jogo é apenas com a física.
…chegará o dia em que a inteligência artificial a substituirá
e depois, pensam, já não vão precisar de médicos.
Podem fazer scan e fazer qualquer tratamento. Isso será uma limitação.

Mas a ciência mudou.
Mudou do modelo Newtoniano para o modelo Quântico.
Tudo é apenas energia.
Mas a ciência médica não quer alinhar com a ciência moderna.
Não é lucrativa.

Quando se começa a ter clareza
sobre o que é realmente a saúde,
o medo vai-se embora.
E toda a indústria vive do medo.

O primeiro festival que aceitou o meu filme está localizado em Rameshwaram, o local onde Deus Hanuman ajudou Lord Rama a chegar ao Sri Lanka para encontrar a sua esposa. Hanuman é o patrono de Ayurveda. Ajudou Rama a ir para o Sri Lanka, juntando todos os seus companheiros, inter-conectando com uma ponte viva.

Nunca é demasiado tarde.
Se ao menos pudéssemos saber. Se ao menos pudéssemos ouvir.

Rajele Jain, Lisboa, Outubro 2020

p.s. Gostaria de expressar a minha gratidão a R. Sriram, Anjali Sriram, Dr. Vinod Verma, Dr. A. Sudheer, Dr. G. Meera Sudheer

.

The Fear Goes Away

by Rajele Jain

28th October 2020

In December 2019, I launched my very first “Kickstarter Campaign” to raise some support for my film project. A work that I had prepared slowly throughout decades. Slowly prepared means, to experience the subject first before making a document – some may call it a documentation – about it.

The campaign failed. My friends and family members had to deliver some private data to the crowdfunding platform in order to show their willingness to contribute a specific amount of money to my film project, but they were not used to networking, to spread the news around and supporting it by personal recommendations. So instead of my dreamt- of quantity of 3000 contributors donating 5 euro each – something realistic, I thought – I had just bordered my friends and kind of asked them involuntarily for money!
Money had been confused with energy, with interconnectivity.

But then, unexpectedly, all my desired protagonists were at the right time in the right places, so I simply had to go there.

In the deep jungle of South-India I spent time with the teacher who, since 37 years, was able to protect the true essence of yoga from commercialisation. He had bought this jungle together with his wife, performer and author Anjali, with whom he lives since 40 years, in order to protect it from commercialisation as well. There, they founded a place where art, yoga and nature can meet, or better, can be met.

This text I have taken from Anjali, among others:

I don’t want to worship my body,
I want to worship the forces within it,
understand them as part of the cosmic order
that is constantly healing itself

We had still not heard about the new virus that was already attacking. We were still talking about how to stay healthy instead of how to heal us… healthy in mind, not only in body. So we discussed the role of fear in human life and how it can be conquered by yogic practices.

Surrounded by the jungle trees and sounds, eating food from the big vegetable garden and breathing air that was full of oxygen, those conversations seemed to be far removed from the urban life we knew otherwise. Who would ever make this experience in daily life over there. I thought of my film and that people might find it almost utopian – if not kitsch.

After the jungle I passed by in Chennai to meet my close friends whom I haven’t seen since years. 12 million (unregistered) people in one city, a city that I love. Usually between 25 and 40 degrees Celsius in temperature. Now they have Sushi deliveries, my friend told me, trying to indicate the main changes. It is mainly for the foreign companies who settled here, he explained.

And then I went to the Himalayas, the place of my Ayurveda guru. I had never been there before but she had always described to me the plants, trees and the river, the river. At the time she had bought this land, she told me, the Ganga was wild and big. Now they had built a dam some miles away, and I could see the magic stones.

Can one fall in love with a stone? It happened to me.

We talked and talked for days. We cooked and brewed and baked and worked – protoscientific, some would say. Of course scientific, she said, it’s just another notion of science, not the reductionist but the holistic. During this time, the news filled with updates on the new virus challenging human health. Health, the major topic in Ayurvedic science, and of her life. She explained to me that they are

doing research in my centre for the 99,9% people who are still not sick,

and continued,

but doing everything to become sick.

Before that, having obtained two Ph.D., she had been working as a medical scientist in a pharmaceutical company in Europe. One day she thought,

it was better to work in health than in disease — because there, it was always disease, you know…

The preventive medicine of Ayurveda she specialised in, and so she was teaching around the world how to take care of one´s own health. It was a difficult task because people tend to easy solutions, too lazy for a discipline. Maybe that is why she replied to me like that on our last day, after days full of news about the growing pandemic. I asked her what advice she would give if one fell ill with this virus. She answered,

just die.

All can be too late.
 If only we had known. If only we had listened.

I also met this couple, vaidyas, Ayurvedic doctors, they practice medicine and work with ill people. They are the 8th generation of vaidyas. To be a vaidya means to understand nature. A virus is nature, what it does to human, is nature, too.

These were their sentences:

Science is based on reproducible facts.
There are no reproducible facts in medicine.
In the 12th century only they started to identify it as scientific.
Before is was a medical service, it was service only,
it is based on observation. It completely keeps changing,
every minute it keeps changing, the physiology is changing.
That’s why we say, you cannot measure health.
 
Modern medicine has reached its saturation.
It cannot go further, they have lost all options on chemicals.
So the chemistry is over now. Now the game is only with the physics.
…the day will come when artificial intelligence will take over
and then they think, they won’t need a physician anymore.
You can scan and do any treatment. That will be a limitation.
 
But science has changed.
It changed from the Newtonian model to the Quantum model.
Everything is just energy.
But the medical science doesn’t want to go along with the modern science.
It’s not lucrative.
 
Once you start getting the clarity
what actually your health is,
the fear goes away.
And the entire industry runs on fear.
.

The first festival that accepted my film is located in Rameshwaram, the place where God Hanuman helped Lord Rama to reach Sri Lanka to find his wife. Hanuman is the patron of Ayurveda. He helped Rama to go to Sri Lanka by putting all his fellows together, interconnecting to a living bridge.

It is never too late.
 If only we could know. If only we could listen.

Rajele Jain, Lisboa, October 2020

p.s. I would like to express my gratitude to R. Sriram, Anjali Sriram, Dr. Vinod Verma, Dr. A. Sudheer, Dr. G. Meera Sudheer

.
Rajele Jain, filha de pai indiano e mãe alemã, vive em Portugal desde 2005. Desde 1993, cria projectos artísticos que retratam frequentemente temas interculturais, transculturais e interdisciplinares. Acaba de terminar o seu recente filme “Annapakta – One Who Can Digest Food | Yoga and Ayurveda – Science of Life”. Uma breve descrição pode ser encontrada aqui:
https://filmfreeway.com/Annapakta-OnewhocandigestfoodYogaandAyurveda-ScienceofLife

Rajele Jain, daughter of Indian father and German mother, lives in Portugal since 2005. She creates artistic projects since 1993 that are often depicting intercultural, transcultural and interdisciplinary themes. She just finished her recent film “Annapakta – One Who Can Digest Food | Yoga and Ayurveda – Science of Life”. A short description can be found here:
https://filmfreeway.com/Annapakta-OnewhocandigestfoodYogaandAyurveda-ScienceofLife

.

.

Natureza _ Cultura

por Melody Owen

12 Outubro 2020

Mudei-me para a Austrália em Outubro – pouco antes dos históricos incêndios florestais que devastarem o país e matarem 3 bilhões de animais não-humanos. Em Março, quando o fumo se começou a se dissipar e entrámos no Outono do hemisfério Sul, a pandemia global do corona estourou. Tive então de passar 6 meses numa sala de 8 pés por 15.

Isso não me incomodou muito. Fazia caminhadas e de qualquer modo, parte significativa da minha vida é vivida virtualmente. Concluí um seminário obrigatório em sessões via Zoom. Enqaunto o fazia, desenhei este esboço de mim mesma e de como me sentia na grade dos rostos.

Tinha uma exposição marcada para Julho. Por isso, tive que fazer um conjunto de colagens. Normalmente, coloco páginas rasgadas de livros e considero como remontá-las movendo pilhas, recortando, colocando e recolocando, com tempo. Mas como neste meu quarto cabia apenas uma mesa e um sofá que à noite desdobrava para fazer de cama, tive de fazer e desfazer os meus pedaços de papel todos os dias. Fiz pastas e trabalhei numa mesa desdobrável.

É uma maneira diferente de trabalhar. Pela primeira vez, as minhas colagens iam também dormir, todas as noites. Estes são os resultados.

This slideshow requires JavaScript.

Não abordam diretamente a pandemia que estava a começar de parecer uma realidade em Abril, quando os criei. Em vez disso, tratam de conexões entre Natureza e Cultura, de como se ligam uma à outra, num vaivém recíproco.

Embora muitxs de nós acreditemos no excepcionalismo humano, existe cultura na Natureza e Natureza na nossa cultura.

Baleias cantam canções. Pássaros fazem arte.

A nossa arte humana é obcecada pelo mundo natural. A tecnologia é como a ponta dura de uma tesoura porque é brilhante e mágica mas também é afiada. E fascina-me.

Somos ainda como crianças neste planeta. Não sabemos o que fazemos.

Agora, os incêndios florestais começaram no outro lado do mundo – no Oregon e na costa oeste da América – a minha casa. Sinto-me rasgada de novo – como as páginas que arranco dos meus livros.

.

Nature _ Culture

by Melody Owen

12th October 2020

I moved to Australia in October – just before historic wildfires ravaged the country and killed 3 billion non-human animals. In March, as the smoke began to clear and we moved into the autumn of the southern hemisphere, the global corona pandemic broke. I was then to spend 6 months in an 8 by 15 foot room. For me, it is not so bad. There are walks and I live a lot of my life virtually anyway. I finished a required class by Zoom meetings and while doing so, made this sketch of myself and how I felt in the grid of faces.

I was set to have a show in July, so I had to make a set of collages. Normally I lay out pages torn from books and consider how I may reassemble them over time, moving piles around, cutting, placing and replacing. But as my room would only fit a table and a couch that I fold out into a bed at night, I had to pack and unpack my scraps of paper each day. I made folders and worked on a folding card table. It is a different way of working for me and the first time I had to put my collages to bed every night. These are the result.

This slideshow requires JavaScript.

They are not directly about the pandemic which was just starting to seem real in April when I made them. Rather, they are about connections between nature and culture, how one leaks into the other and back and forth.

Though, many of us believe in human exceptionalism, there is culture in nature and nature in our culture.

Whales sing songs. Birds make art.

Our human art is obsessed with the natural world. Technology is like the hard edge of a scissor and I am fascinated by it – because it is bright and magic – but it is also sharp.

We are like children still on this planet. We do not know what we are doing. Now the wildfires have started on the other side of the world – in Oregon and the West coast of America – my home. So, I feel torn again – like the pages I tear from my books.

Melody Owen

.

Melody Owen, é uma artista conceptual multidisciplinar em novos mídia e ecologia, de Portland, Oregon. Trabalha em vídeo, colagem, som, instalações e mundos virtuais. Atualmente, explora a realidade virtual num cruzamento com os estudos animais e a ecologia enquanto investigadora em doutoramento na UNSW em Sydney, Austrália. É representada pela Elizabeth Leach Gallery em Portland e tem um MFA em Electronic Integrated Arts, bem como um MA em Environmental Arts and Humanities.  https://www.melodyowen.net

Melody Owen, is an ecologically minded conceptual new media and multi-disciplinary artist from Portland, Oregon. Her mediums include video, collage, sound, installation, and virtual worlds. She is currently exploring virtual reality and animal studies/ecology as a PhD candidate at UNSW in Sydney, Australia. She is represented by Elizabeth Leach Gallery in Portland and has a MFA in Electronic Integrated Arts as well as a MA in Environmental Arts and Humanities. https://www.melodyowen.net

.

.

confinamento devolve Golfinhos ao Tejo / confinement returns Dolphins to the Tagus

(notícias/news)

7 de Agosto 2020

23 de Junho 2020

Desde Fevereiro que têm sido avistados grupos de golfinhos a nadar e brincar no Tejo. Identificados como sendo golfinhos comuns que nadam em águas mais profundas (20m) do que os mais habituais golfinhos roazes (2m), este  grupo foi noticiado estar no Tejo há pelo menos dez dias. A primeira semana de Junho teve uma quantidade sem precedentes de golfinhos avistados no rio Tejo, num total de 5 avistamentos gravados em vídeo e compartilhados nas redes sociais, 4 deles em dias consecutivos.

Since February, groups of dolphins have been spotted swimming and playing in the Tagus. Identified as common dolphins that swim in deeper waters (20m) than the most common bottlenose dolphins (2m), this group was reported to have been in the Tagus for at least ten days. The first week of June saw an unprecedented number of dolphins spotted on the Tagus River, in a total of 5 sightings recorded on video and shared on social networks, 4 of them on consecutive days.

info Golfinhos no Tejo

.

Solstício de Verão em Stonehenge / Summer Solstice at Stonehenge

(notícias/news)

pôr-do-sol_20 de Junho 2020 / sunset _ 20th of June 2020

Este ano, devido à pandemia, a presença de público foi restrita a poucas dezenas de pessoas em Stonehenge ao contrário dos habituais milhares que visitam o monumento neolítico em Wiltshire, Inglaterra. Embora Stonehenge esteja encerrado devido às restrições sanitárias actuais, pela primeira vez o acontecimento foi acessível em streaming. O evento teve início com o  pôr do sol no dia 20 de Junho (20:26) e prosseguiu com o nascer do sol no dia 21 de Junho (03:53).

This year, due to the pandemic, the public presence was restricted to a few dozen people in Stonehenge as opposed to the usual thousands who visit the Neolithic monument in Wiltshire, England. Although Stonehenge is closed due to current health restrictions, for the first time the event was accessible in streaming. The event started with the sunset on the 20th of June (20:26) and continued with the sunrise on the 21st of June (03:53).

nascer-do-sol_21 de Junho / sunrise _ 21st of June 2020

English Heritage

.

A pandemia veio expor a urgência de um novo pacto ambiental / The pandemic exposed the urgency of a new environmental pact

(notícias/news)

José Tolentino Mendonça

10 de Junho 2020_frame 19:19 a 20:50

Reforçar o pacto comunitário implica também um olhar novo sobre a Ecologia. A pandemia veio expor a urgência de um novo pacto ambiental. Hoje é impossível não ver a dimensão do problema ecológico e climático que tem uma raiz sistémica. Não podemos continuar a chamar progresso àquilo que para as frágeis condições do planeta ou para a existência dos outros seres vivos tem sido uma regressão. Num dos textos centrais deste século XXI, a encíclica Laudato si´, o Papa Francisco exorta a uma ecologia integral, onde o presente e o futuro da nossa humanidade sejam pensados a par do presente e do futuro da grande casa comum. Precisamos de construir uma Ecologia do Mundo, onde em vez de senhores despóticos apareçamos como cuidadores sensatos, praticando uma ética da criação que tenha expressão efectiva nos tratados transacionais mas também nos nossos estilos de vida, nas escolhas e nas expressões mais domésticas do nosso quotidiano.

Reinforcing the community pact also implies a new look at Ecology. The pandemic exposed the urgency of a new environmental pact. Today it ´s impossible not to see the scale of the ecological and climatic problem that has a systemic root. We cannot continue to call progress to what has been a regression for the fragile conditions of the planet or for the existence of other living beings. In one of the central texts of this 21st century, the encyclical Laudato si´, Pope Francis urges an integral ecology, where the present and the future of our humanity are thought alongside the present and the future of the great common house. We need to build an Ecology of the World, where instead of despotic lords we appear as sensible caregivers, practicing an ethics of creation that has an effective expression in transactional treaties but also in our lifestyles, choices and the most domestic expressions of our daily lives.

.

José Tolentino Mendonça, poeta, sacerdote e professor. Doutorado em Teologia Bíblica, em Roma, e docente e vice-reitor da Universidade Católica de Lisboa. Desde 2018, é responsável pela Biblioteca Apostólica e pelo Arquivo Secreto do Vaticano. Em 2019, foi elevado a Cardeal pelo Papa Francisco. Integra a antologia de poetas portugueses, Panorama da Moderna Poesia Portuguesa, da Lacerda Editores, 1999. Tem publicado a sua poesia na Assírio & Alvim e a sua obra ensaística na Quetzal. Os seus livros têm sido distinguidos com vários prémios, entre eles o Prémio Cidade de Lisboa de Poesia (1998), o Prémio Pen Club de Ensaio (2005), o italiano Res Magnae, para obras ensaísticas (2015), o Grande Prémio de Poesia Teixeira de Pascoaes APE (2016), o Grande Prémio APE de Crónica (2016) e, mais recentemente, o prestigiado Prémio Capri-San Michele (2017). Acredita que «a poesia é a arte de resistir ao seu tempo».

José Tolentino Mendonça, is a poet, priest and teacher. PhD in Biblical Theology, Rome, and professor and vice-rector of the Catholic University of Lisbon. Since 2018, he has been responsible for the Apostolic Library and the Vatican Secret Archive. In 2019, he was elevated to Cardinal by Pope Francis. Integrates the anthology of Portuguese poets, Panorama da Moderna Poesia Portuguesa, by Lacerda Editores, 1999. He has published his poetry in Assírio & Alvim and his essay work in Quetzal. His books have been distinguished with several prizes, among them the Prize Cidade de Lisboa de Poesia (1998), the Pen Club de Ensaio Prize (2005), the Italian Res Magnae, for essay works (2015), the Grand Prize of Poetry Teixeira de Pascoaes APE (2016), the APE Chronicle Grand Prix (2016) and, more recently, the prestigious Capri-San Michele Prize (2017). He believes that «poetry is the art of resisting its time».

.

.

Juri_ Em Quarentena/ Juri_ in QuarantÄne

.

texto Dania Neumann _ desenho André Ruivo

28 Maio 2020

Por causa da propagação do vírus, as pessoas devem ficar em casa. Os cães podem ser passeados, as compras também são possíveis e também é possível fazer ginástica, o que acontece nas cidades, onde as pessoas nos parques esticam visivelmente as pernas para trás, para frente ou para os lados, duma maneira dançante ou como um exercício de Yoga, ou também fazem flexões e isso quase tocando o chão, mas sem nunca chegar totalmente a fazê-lo.

O que faz um solteiro ou uma solteira que mora sozinho ou sozinha e que não tem um animal de estimação que possa ser passeado?
Ou se cria um novo negócio, que se poderia chamar “aluguer de cão para passeio corona“ ou, como imaginei agora, vou passear o meu cão invisível, seguindo o lema “vírus invisível conhece cão invisível”.

No encontro com o primeiro polícia acontece o seguinte: “Por que razão está a dar um passeio? Está a fazer compras? Tem uma máscara? Por que está aqui no parque? Solicito-lhe que siga caminhando e não fique por aqui.”
A minha resposta: “Não posso ir para casa ainda. Não vê como o cão puxa a trela, ele ainda precisa de correr ao ar livre!”. Estico o braço para a frente, aperto a trela com os dedos e dou a entender que me é difícil resistir ao puxar do cão.
“Um cachorro forte” o meu buldogue! “Yuri, é o nome dele”, digo rindo.

O policia olha para mim como se já estivesse contaminada pelo vírus e de repente toma a distância prescrita em relação mim, algo que não fez anteriormente – tinha chegado muito perto de mim, perto demais, mesmo para os tempos antes dos tempos do Corona.
E então ele diz, um tanto triste ou confuso: ”Compreendo. Por favor, continue assim. Siga o seu cão. Se é bom para si e para a sua saúde…”
Abana a cabeça, bate com o dedo na testa e continua fazendo um alto-falante na frente da boca e anunciando em voz alta:
“Todo mundo com ou sem cão, vá, por favor, para casa … não fiquem aqui parados” assim, a voz do policia rugindo pelo parque.

Deixo-me continuar puxada pelo meu cão invisível, corro atrás de galinhas, galos e patos que estão alegremente brincando no parque, levantamos ao mesmo tempo a perna, ele para fazer chichi, eu para fazer ginástica.
Sim, sento-me debaixo de uma árvore em flor, ele deita-se no chão e estica as quatro pernas para o ar e então começo a ladrar de alegria.
De repente, o meu cão pergunta: “Estás bem? Está tudo normal contigo? Desculpa, é só para perguntar“ e bate na sua testa de buldogue com a pata, abana a cabeça e diz:”Estranho, realmente, muito estranhos, estes seres humanos.“

.

Juri_ in QuarantÄne

text Dania Neumann _ zeichnung André Ruivo

Da sich das Virus ausbreitet, soll der Mensch zu Hause bleiben. Hunde dürfen spaziert werden, einkaufen darf man auch und es ist auch möglich gymnastisch tätig zu sein, was in Städten so auffällt, dass Menschen in Parks ihre Beine nach rückwärst, vorwärst seitwärts in Tänzermanier oder als Yogaübung ausstrecken, oder Liegestütze machend das Gras und den Boden beinahe berühren, ohne ganz anzukommen.
Was macht ein oder eine Single, der oder die alleine lebt und der oder die kein Haustier hat, das spazieren geführt werden darf ? Entweder es entsteht eine neues Geschäft, das man „Hundeverleih zum Coronaspaziergang“, nennen könnte, oder, so wie ich mir das nun vorgestellt habe, ich gehe mit meinem unsichtbaren Hund spazieren.

Nach dem Motto: „Unsichtbares Virus, trifft unsichtbaren Hund.“
In der Begegnung mit dem ersten Polizisten, passiert dann Folgendes: „Weshalb gehen sie spazieren? Waren sie einkaufen? Haben sie eine Maske? Weshalb halten sie sich hier im Park auf? Ich fordere sie dazu auf weiterzugehen und hier nicht herumzustehen.“ Meine Antwort: „Ich kann noch nicht nach Hause gehen, sehen sie nicht, der Hund zieht an der Leine, er braucht noch Auslauf !“ Ich strecke meinen Arm nach vorne, klammere meine Finger an die Leine und gebe vor dem Zug des Hundes mühsam zu widerstehen.
„ Ein kräftiger Kerl“ meine Bulldogge! „ Juri , heisst er, sage ich lachend.
Der Polizist sieht mich so an als wäre ich bereits „virusverseucht“ und nimmt plötzlich den vorgeschriebenen Abstand zu mir ein, etwas was ihm zuvor nicht geglückt war. Da kam er mir nämlich beträchlich nahe, zu nahe, auch für Zeiten vor Corona .
Dann meint er, etwas betrübt oder verwirrt: „Ich verstehe. Bitte gehen sie trotzdem weiter. Folgen sie ihrem Hund. Wenn es ihnen gut tut, für ihre Gsundheit? Er schüttelt den Kopf, tippt sich dann auf die Stirn und geht weiter, einen Lautsprecher vor seinem Mund und laut verkündend: „Alle mit oder ohne Hund, weitergehen, bitte nach Hause gehen .. nicht herumstehen..“ so dröhnt die Stimme des Polizisten durch den Park.

Ich lasse mich nun weiter von meinem unsichtbaren Hund ziehen, laufe den Hühnern, Hähnen, und Enten, die sich freudig im Park tummeln nach, hebe mit ihm gemeinsam das Bein, er pinkelt , ich turne , ja, setzte mich unter einen blühenden Baum, er legt sich auf den Boden und streckt alle vier Beine in die Luft und dann beginne ich vor Freude zu bellen.
Plötzlich fragt mein Hund: „Gehts dir denn gut? Alles ok? Entschuldige, wollte nur mal nachfragen“ und er tippt sich mit der Pfote auf die Stirn, schüttelt den Bulldoggenkopf und meint: „Seltsam, wirklich sehr seltsam diese Menschen.“

.

Dania Neumann, dançoterapeuta /analista do movimento. Austríaca em Portugal desde 1994, desenvolveu trabalho pioneiro na área mediante terapias individuais, workshops, seminários e cursos, nomeadamente no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) e no Hospital Júlio de Matos. Organizadora da formação profissional em Portugal com o fundador do método, Cary Rick. Investiga reabilitação psiquiátrica num hospital de Doenças Psicossomáticas na Austria. Autora do livro Movimento é Acção. Orientada pela intersubjectividade no plano verbal e não-verbal, pelo “momento presente“ e pela resolução de “Conflitos de Incorporação“ através da “Nova Experiência e Percepção de Si em Movimento“. http://www.danianeumann.com

.

André Ruivo, nasceu em Lisboa em 1977, tirou a licenciatura em Design de Comunicação na FBAUL e o Mestrado em Cinema de Animação no Royal College of Art em Londres. Trabalha como ilustrador (eg. Porque canta um pequeno coração, José Pedro Moreira, Lisboa, não-edições, 2019) e publicou vários livros de desenhos com as editoras Stolen Books (eg. Zzzzzzzzzz, 2019), STET (eg. Abraços, 2018), Bedeteca de Lisboa (eg. Bug, 2001), Chili Com Carne (eg. Mystery Park, 2012) e Mmmnnnrrrg (eg. Break Dance, 2015). Realizou filmes de animação com as produtoras Animanostra (A Fantasista, 2003 ; Januário e a Guerra, 2007) e Animais (Diluvio, 2011; O Campo à Beira Mar, 2015; Circo, 2017). A sua edição mais recente: O Semáforo Amarelo. The inspector cheese adventures, 2020.

.

.

O Que É Preciso Mudar Para Continuarmos Vivos

Planet of the Humans_mister Moore!!! A Verdade nas Energias Renováveis

por Ilda Teresa de Castro

19 Maio 2020

Planet of the Humans, documentário que Michael Moore, na véspera do Dia da Terra, anunciou estar disponível no Youtube durante 30 dias — ainda restam dois —, está a provocar choques nos espectadores e uma alargada discussão sobre as energias renováveis.

O filme foi-me recomendado por um amigo que assumidamente desolado me escreveu “o Planet of the Humans diz que as energias renováveis, frequentemente apresentadas como alternativas credíveis aos combustíveis fosseis, também são altamente nocivas para o meio ambiente. Se esta informação estiver mais ou menos correcta fico muito decepcionado por me terem apresentado uma solução que não serve para nada.”

Vi o filme e também fiquei consternada.

Alertei na minha pesquisa de 2015 para o risco de manipulação política e económica dos interesses ambientais, problema que Gregory Bateson identificou na segunda metade do séc. XX como canalização das ideias ecológicas para o domínio comercial e político. Que Dave Foreman classificou de «profissionalização» do movimento ambiental. Isabelle Stengers de rentabilização económica da questão climática. E, já no séc. XXI, Pablo Sólon designou de mercantilização da Natureza em que se pode tornar a «economia verde».

Muitos têm sido os alertas para o perigo de planos estratégicos dissimulados como sanguessugas no seio dessa economia; para manobras que são logros morais, éticos e ecológicos, com o objectivo de viabilizar a continuidade das condições do sistema capitalista e dos fluxos de lucro instituídos.

Neste momento histórico, os atrasos na consciencialização e na tomada de medidas efectivas promovidos por esse tipo de estratégias, podem ter resultados irreversíveis para a vida humana e para a de muitas outras espécies, num futuro muito próximo.

Passando pelos governos, organizações e instituições, todos temos de ser pro-activos e intervenientes na prevenção desses bastidores. Já sabíamos que não basta reciclar, mas também não basta investir em energias alternativas, é preciso uma vigilância atenta sobre o modo como são desenvolvidas. Nunca poderia ser seguro uma confiança cega em estruturas económicas e políticas comprometidas com o lucro. É necessário antecipar os ardis da «economia verde».

Resumindo, não são as energias renováveis que são fraudulentas, como o filme de Jef Biggs advoga. A aliança desse projecto com os interesses capitalistas comprometidos com o crescimento contínuo e lucrativo é que é uma enormérrima fraude.

Ora, sobre isto estamos entendidos.
Estamos? Não sei se estamos.

Porque, se com a introdução de tecnologias amigas do ambiente se pretende manter a economia e o consumo em permanente crescimento, então de facto, não servem para nada. São apenas mais um embuste fatal que compromete o futuro da vida a breve prazo.

Manter esse modelo inviabiliza o re-equilíbrio e a sustentabilidade que desejamos.

E parece que é assim que se planeia a recuperação Pós-Covid19.

É assim que temos vindo a descansar à sombra do “calmante” investimento nas energias renováveis e continuamos a manter estilos de vida antigos. E assim não vamos longe. Apenas caminhamos para o mesmo fim desolador e letal mas caprichosamente equipados com tecnologias amigas do ambiente.

Não há futuro se não mudarmos o nosso estilo de vida.

Então, o que é necessário?
É necessário desacelerar a economia, a produção e o consumo.
É necessário produzir local e consumir local.
Reduzir a exploração das matérias-primas e recursos terrestres.
Reduzir o consumo de energia.
Reduzir o investimento em tecnologias e altas tecnologias cada vez mais dependentes de energia.
Reduzir os aeroportos, as auto-estradas, as viagens.
Suspender novos consumos, novas modas, novos gadgets, novos gastos.
Substituir o automóvel pela bicicleta e pela marcha.
Substituir o avião pelo comboio.
Reutilizar.

É preciso regressar ao básico e ao essencial.

Inventar soluções, mecanismos, objectos e estruturas com gasto energético zero. Regressar à terra, ao cultivo e consumo de alimentos locais. Regressar a modos de vida sustentáveis. Ensinar nas escolas como é que isso se faz realmente, ao invés de esboços fantasistas. Ensinar também fora das escolas como é que isso se faz porque nunca aprendemos ou já esquecemos.

É preciso pensar local para pensar global e vice-versa.

É necessário aliar a ciência e a tecnologia, e a arte e a cultura, no ajustamento das mecânicas adequadas às necessidades reais com base em esforços concretos na resolução dos problemas.

É necessário mudar a Economia.
É necessário mudar a nossa zona de conforto.
É necessário seriedade, responsabilidade e honestidade com a situação que enfrentamos.
Criar novas regras de comportamento são.
E passar da teoria à prática.

Quanto ao documentário Planet of the Humans: Não, mister Moore, as energias renováveis não são uma fraude! O filme anuncia que as subsidiadas em larga escala energias renováveis o têm sido apenas de nome. Mas algumas análises e artigos publicados nas últimas semanas, desmontam que aparte duas ou três coisas certas, foi construído sobre informação desactualizada e deturpação de situações.

Foi, porém, bastante eficaz em provocar uma onda de esclarecimentos sobre o assunto e isso, é necessário e é de aproveitar!

Deixo uma lista de ligaações abaixo.

– está na hora ?

– já estamos atrasados!

.

LIGAÇÕES sobre a Verdade nas Energias Renováveis e o Planet of the Humans:

Films for Action Statement on Planet of the Humans
Film Review: Forget About Planet of the Humans
Skepticism Is Healthy, but Planet of the Humans Is Toxic – A Critical Review
Planet of the humans: A reheated mess of lazy, old myths
Why “Planet of the Humans” is crap
Planet of the Humans: a film review
Bill McKibben’s Response to Planet of the Humans Documentary
Responding to “Planet of the Humans”: An interview with Leah Stokes with contributions from Michael Mann and Zeke Hausfather
“Planet of the Humans” documentary misleads viewers about renewable energy
REFERÊNCIAS
Biggs, Jeff, Planet of the Humans, 100´, 2019
Castro, Ilda Teresa, Eu Animal – argumentos para uma mudança de paradigma – cinema e ecologia, Zéfiro ed., 2015
.
Ilda Teresa de Castro, artista e investigadora em ecoarte e ecomedia, e curadora em cinema e video. Post-doc em ecomedia e arte & ecologia. PhD em ciências da comunicação/cinema e televisão. Autora de Eu Animal − argumentos para uma mudança de paradigma – cinema e ecologia (2015) e da trilogia de Cinema Português : Animação Portuguesa, conversas com … (2004); Cineastas Portuguesas, conversas com … (2001); Curtas Metragens Portuguesas, conversas com … (1999). Criadora e editora da plataforma e revista http://www.animaliavegetaliamineralia.org. Criadora e programadora do festival ecovídeo Lisboa Natura.

.

.

Apelo Urgente pelos Índios do Brasil

Carta Aberta ao Presidente do Brasil e aos Líderes do Legislativo e Judiciário

por Sebastião Salgado e Lélia Wanick Salgado

7 Maio 2020

APELO URGENTE AO PRESIDENTE DO BRASIL E AOS LÍDERES DO LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO

Os povos indígenas do Brasil enfrentam uma grave ameaça à sua própria sobrevivência com o surgimento da pandemia do Covid-19. Há cinco séculos, esses grupos étnicos foram dizimados por doenças trazidas pelos colonizadores europeus. Ao longo do tempo, sucessivas crises epidemiológicas exterminaram a maioria de suas populações. Hoje, com esse novo flagelo se disseminando rapidamente por todo o Brasil, comunidades nativas, algumas vivendo de forma isolada na Bacia Amazônica, poderão ser completamente eliminadas, desprovidas de qualquer defesa contra o coronavírus.
Sua situação é duplamente crítica, porque os territórios reconhecidos para uso exclusivo de populações autóctones estão sendo ilegalmente invadidos por garimpeiros, madeireiros e grileiros. Essas operações ilícitas se aceleraram nas últimas semanas, porque as autoridades brasileiras responsáveis pelo resguardo dessas áreas foram imobilizadas pela pandemia. Sem nenhuma proteção contra esse vírus altamente contagioso, os índios sofrem um risco real de genocídio, por meio de contaminações provocadas por invasores ilegais em suas terras.
Diante da urgência e da seriedade dessa crise, como amigos do Brasil e admiradores de seu espírito, cultura, beleza, democracia e biodiversidade, apelamos ao Presidente da República, Sua Excelência Sr. Jair Bolsonaro, e aos líderes do Congresso e do Judiciário a adotarem medidas imediatas para proteger as populações indígenas do país contra esse vírus devastador.
Esses povos são parte da extraordinária história de nossa espécie. Seu desaparecimento seria uma grande tragédia para o Brasil e uma imensa perda para a humanidade. Não há tempo a perder.

Respeitosamente,
Sebastião Salgado
Lélia Wanick Salgado

Sebastião Salgado e Lélia Salgado, Brasil, Paris. Fundaram a  Amazonas images. Trabalham desde os anos 90 na recuperação do meio-ambiente de uma pequena parte da Mata Atlântica. Devolveram à Natureza uma parcela de terra que possuiam e em 1998 esta terra foi transformada numa Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN. Neste mesmo ano, criaram o Instituto Terra que tem como objetivo principal a recuperação e a preservação da floresta, educação ambiental e desenvolvimento sustentável.

.

.

11000 Fewer Deaths in Europe From Pollution_Less Than 609 Deaths in Portugal Due to Pollution_In The Last 30 Days

Menos 11000 Mortes na Europa_Menos 609 Mortes em Portugal_Nos Últimos 30 Dias

por/by Ilda Teresa de Castro

1 Maio 2020_1st May 2020

.

.

Louvor da Vida

por Isabel Barros

30 Abril 2020

Dia 11 de Março de 2020, tinha o primeiro ensaio da nova criação. Dado o estado de pandemia, esse foi o dia de reunir a equipa e decidir que todos íamos ficar em casa sem data de regresso prevista.

Assim começou ou terminou o Louvor da Vida, nome da nova criação.

Meses antes de iniciar os ensaios dessa criação, ainda em fase de pesquisa, sentia um estado geral de tensão, como se algo estivesse próximo de explodir.
Entretanto assaltaram-me a casa e pensei que isso era o culminar do que eu sentia.
No mesmo momento, desativei a minha página do facebook e voltei a jardinar.
Os meses de Janeiro, Fevereiro até 11 de Março, foram extraordinários para mim, estava a preparar-me para mergulhar numa nova peça que refletia, do meu ponto de vista um estado geral de urgência em relação ao mundo, algo que eu estava a tentar entender e parecia-me cada vez mais urgente entender.
De um dia para o outro, o coronavírus COVID-19, foi nos apresentado e de uma forma inesperada, tudo ficou diferente.

O mundo “parou”!
Continuei a jardinar e solitariamente a ver o mar, o mar de dentro, aquele que me habita.
O Louvor da vida, tinha como sob título: vida boa não tem propósito, ou talvez seja o contrário e partia de muitas ideias e de uma necessidade imensa de as transformar com a equipa em alguma “coisa” que neste caso pudesse despertar a reflexão da passagem dos humanos na terra. Um questionamento sobre o propósito ou não propósito da vida. Questionar o que para nós tantas vezes é inquestionável.

Desta experiência por terminar, ficam peças, para já soltas e que talvez um dia voltem a encontrar lugar e sentido para se reformularem, de momento, estão soltas e por isso as deixo aqui e as lanço.
Dessas peças soltas ficam algumas palavras: muro, guerra, fronteira, arma, barreira, terra, silêncio, paz, choro, distância, tragédia, marionetas, humanos, urgência, alerta, árvore…
Ficam algumas imagens: plantar a terra, tratar um jardim zen, vento no deserto, pessoa (marioneta miniatura) a cantar dentro de uma caixa preta, a cantar uma canção de amor…

Ficam algumas frases:
– Quem começa?
– O que é que te faz feliz?
– O que pensas quando acordas?
– Cantas-me uma canção de amor?
– O que é te faz mesmo falta?

Fiquem bem!
Isabel Barros
Praia da Granja
24 de Abril de 2020

Isabel Barros, coreógrafa, encenadora e performer. Cofundadora do balleteatro (1983), Diretora artística do Teatro de Marionetas do Porto desde 2010 e do Museu das Marionetas do Porto inaugurado em Fevereiro de 2013. Tem um vasto percurso de criação artística, no qual destaca o cruzamento de linguagens, nomeadamente dança, teatro e marionetas. Em 2018 recebeu a Medalha Municipal de Mérito – Grau Ouro. O Porto é a sua cidade de origem e de eleição, na qual desenvolve o seu trabalho com sentido de urgência e forte dimensão social.

.

.

O Ecrã Na Montanha _ Ou O Levar A Ópera À Selva.

.

.

por António Barros

28 Abril 2020

António Barros, 2019-2020: CEH_ Water Event, YOKO ONO _O jardim da aprendizagem da liberdade, Museu Serralves; com VACLAV HAVEL_Cravos e Veludo, Prague City Gallery / Museu do Chiado, Lisboa; Um outro olho da terra _para Hélder Folgado, Em viagem, Q_Magnólia, Funchal; Alvoro, MUDAS_Museu; International Symposium Joan Brossa_The Portuguese Context: Experimental Poetry With(out) Brossa, Rui Torres, Universidade de Barcelona.

.

.

.

AGORA

Dia da Terra_Urgência Climática_Covid19_Sustentabilidade

editorial

por Ilda Teresa de Castro

22 Abril 2020

Todos os dias me interrogo sobre como reter e implementar os aspectos positivos que o presente risco de contágio e confinamento infligiu às sociedades em que vivemos. Como impedir que com a retoma económica e o “regresso à normalidade”, regressem os anteriores sistemas de funcionamento — de consumo e de produção — com os mais-do-que evidentes sintomas de esgotamento dos recursos da vida planetária e das espécies. Como evitar o retorno aos mesmos e identificados erros do “passado” e aos modelos que nos conduzem em velocidade acelerada para uma distopia climática sem precedentes?

As gentes do dinheiro e do poder – os 1% que detêm 90% da riqueza e respectivos acólitos – já pressionam a tradicional retoma, receosos com a perda de lucros e com eminentes ou subreptícias mudanças na própria estrutura do sistema. Porque algumas manifestações estão à vista e jamais serão esquecidas.

A situação mundial excepcional que vivemos durante estes meses, sem igual no nosso tempo histórico, permitiu testar numa dimensão global, possibilidades que pareciam impossíveis fora de um quadro utópico: restrição da produção (e do consumo) quase só a bens essenciais; suspensão do modelo de progresso em permanente crescimento; redução da exploração de recursos com risco ambiental; e paralisação de tudo o que é supérfluo. Com isto, a poluição atmosférica baixou a níveis há muito não vistos em todo o mundo = o planeta respira e as outras espécies tranquilizam.

Todas estas medidas e menos do que estas, tantas vezes indicadas como imprescindíveis face à falência climática e à sustentabilidade do planeta e da vida, foram repetidamente negadas e apodadas de utopia impossível de concretizar. E afinal, é possível. Está a ser possível e é necessário entender o que fazer com estas possibilidades.

A abertura para uma mudança sensata e inteligente que acompanhe a mutação ecológica está aqui para ser aproveitada. Como re-orientar o sistema e retirar desta experiência trágica os ensinamentos que proporciona?

Não estamos a liderar o processo e não temos essa jurisdição nas mãos mas podemos questionar a retoma de metodologias comprovadamente erradas. Podemos questionar a validade de métodos e objectivos que foram temporariamente suspensos e não servem o futuro planetário que desejamos. Podemos pressionar com a reflexão, discussão e tomada de consciência, com dados e factos. Podemos fazer a diferença e concretizar mudanças pela palavra, pela presença, pela criação, pela acção.

Podemos fazer algo em vez de fazer nada.

É preciso começar por algum lado. Bruno Latour convida a que cada qual avance com um conjunto de auto-questões como ponto de partida (1). São questões que imediatamente assomam à ideia de quem queira pensar ou discutir o assunto. Portanto, são comprovadamente válidas. Podemos começar por aí.

Um inventário para ajudar ao discernimento:

1º quais as actividades actualmente suspensas e que gostaria que não fossem retomadas?
2º descreva : a) porque considera essa actividade prejudicial/supérflua/perigosa/incoerente ; b) em que é que a sua supressão/suspensão/substituição tornaria mais fáceis e coerentes outras actividades que vos parecem mais pertinentes? (escrever um parágrafo para cada resposta listada em1)
3º que medidas sugere para que trabalhadores/empregados /agentes/empresários que não possam continuar nas actividades que suprimiu transitem para outras actividades?
4º quais as atividades agora suspensas que gostaria que fossem desenvolvidas/retomadas ou que deveriam mesmo ser inventadas em substituição?
5º descreva : a) porque é que essa actividade lhe parece positiva ; b) porque torna mais fáceis/ harmoniosas/ pertinentes outras atividades que prefere ; c) porque permite combater as que considera desfavoráveis. (escrever um parágrafo para cada resposta listada na pergunta 4).
6º que medidas preconiza para ajudar os trabalhadores/empregados/agentes/empresários a adquirir as capacidades/meios/receitas/instrumentos para retomar/ desenvolver/criar essa actividade?

podemos acrescentar mais alguns pontos:

7º a) qual deveria ser a intervenção de cada país nesse processo de re-avaliação e mutação da retoma económica?; b) que medidas sugere para o posicionamento de cada país nesse contexto?
8º a) como gerir os conflitos de interesses com os países para quem a mudança não seja desejada/conveniente?; b) como salvaguardar os interesses dos países apostados na mudança perante os outros países?
9º a) que participação podem/devem ter as associações ambientalistas e as organizações de defesa climática?; b) que participação podem/devem ter as organizações intergovernamentais como as Nações Unidas (ONU)?
10º que acções/propostas/projectos podem ser criadas e desenvolvidas para divulgar estas ideias aos mais cépticos nas nossas sociedades?
11º descreva outras possibilidades que aqui não estejam listadas.

A comparação e cruzamento de respostas de n participantes permite desenhar linhas de conflito, alianças e controvérsias. Mapear cenários agora possíveis. E avançar para novos entendimentos e acções.

Não menos importante, permite pensar e agir sobre aquele que é, até à data, o momento mais determinante das nossas vidas em conjunto COM o planeta.

Enquanto a engrenagem monstruosa não recomeça, é agora o momento de fazer um ponto de situação por muito incrédulos que sejamos quanto à nossa capacidade de persuasão dos poderosos de que falava acima — a apatia não conduz a soluções. Na verdade, ninguém sabe o que está para vir, como o prova a actual pandemia. A possibilidade de sermos surpreendidos existe. Assim sendo, é melhor sabermos a quantas andamos, o que gostaríamos de fazer e o que queremos fazer. Para a qualquer momento percebermos o que podemos fazer.

Comemora-se hoje o Dia da Terra, uma efeméride criada para chamar a atenção de desatentos e de desinteressados. E embora confinados, podemos participar a partir das nossas casas num conjunto de iniciativas digitais globais que alertam e observam a conjuntura ambiental (2). Antevejo que muitas imagens e estudos comprovem as alterações ambientais que refiro acima e o interesse na mudança.

Esta nova edição da Animalia Vegetalia Mineralia em 2020-2021, será temática e dedicada a reflexões sobre a experiência de viver em tempo de CoVid19 que é também tempo de repensar o presente e o futuro perante a urgência climática.

Este é um convite a propostas — escritas, visuais, sonoras ou audiovisuais — relacionadas com o tema. O desenvolvimento dos trabalhos é livre e acompanhado de nota biográfica (máx. 100 palavras) com link optativo.

Dadas as condições actuais, as obras serão publicadas ao longo dos meses, à medida que os projectos forem recepcionados e o pulso/pulmão editorial accionados.

Este número é multilingue e a re(flex)(cepç)ão está aberta a partir deste momento.

Força e Saúde!

.(1) “Imaginer les gestes-barrières contre le retour à la production d’avant-crise”, Bruno Latour, A paraître dans AOC, Dimanche 29-03-2020 — http://www.bruno-latour.fr/sites/default/files/downloads/P-202-AOC-03-20.pdf
(2) eg. https://www.earthday.org/earth-day-2020

Ilda Teresa de Castro, artista e investigadora em ecoarte e ecomedia, e curadora em cinema e video. Post-doc em ecomedia e arte & ecologia. PhD em ciências da comunicação/cinema e televisão. Autora de Eu Animal − argumentos para uma mudança de paradigma – cinema e ecologia (2015) e da trilogia de Cinema Português : Animação Portuguesa, conversas com … (2004); Cineastas Portuguesas, conversas com … (2001); Curtas Metragens Portuguesas, conversas com … (1999). Criadora e editora da plataforma e revista http://www.animaliavegetaliamineralia.org. Criadora e programadora do festival ecovídeo Lisboa Natura.

NOW

Earth Day_Climate Urgency_Covid19_Sustainability

editorial

by Ilda Teresa de Castro*

22th April 2020

Every day I ask myself how to retain and implement the positive aspects that the present risk of contagion and confinement has inflicted on the societies in which we live. How can we ensure that the economic recovery and “return to normality” will not mean a return to the previous systems of functioning – consumption and production – with the more than obvious symptoms of depletion of the resources of planetary life and species? How can we avoid returning to the same already identified errors from the “past” and models that lead us at an accelerated speed towards an unprecedented climatic dystopia?

The people of money and power – the 1% that hold 90% of the wealth and their acolytes – are already pressing for the traditional recovery, fearful of the loss of profits and of imminent or surreptitious changes in the very structure of the system. Because some manifestations are in sight and will never be forgotten.

The exceptional world situation we have experienced during these months, unparalleled in our time, allowed us to test, in a global dimension, possibilities that seemed impossible outside a utopian framework: restriction of production (and consumption) almost only to essential goods; suspension of the model of progress based on permanent growth; reducing the exploitation of resources with environmental risk; and stopping all that is superfluous. As a result, air pollution has dropped to levels not seen in the world for a long time = the planet breathes and the other species are reassured.

All these measures and even less than these, so often indicated as essential in the face of climate failure and for the sustainability of the planet and of life, have been repeatedly denied and seized upon as a utopia impossible to achieve. After all, it is possible. It is possible and it is necessary to understand what to do with these possibilities.

The opening for sensible and intelligent change that accompanies ecological mutation is here to be tapped. How can the system be reoriented and draw from this tragic experience the teachings it provides?

We are not leading the process and we do not have that jurisdiction in hand, but we can question the resumption of methodologies that are proven to be wrong. We can question the validity of methods and objectives that have been temporarily suspended and do not serve the planetary future that we want. We can press with reflection, discussion and awareness, with data and facts. We can make a difference and make changes through words, presence, creation, action. We can do something instead of doing nothing.

You have to start somewhere. Bruno Latour invites everyone to come forward with a set of self-questions as a starting point. These are questions that immediately come to mind for anyone who wants to think about or discuss the subject. Therefore, they are valid. We can start here.

An inventory to aid discernment:
1. which activities currently suspended would you like not to be resumed?
2. describe: a) why you consider this activity harmful / superfluous / dangerous / incoherent; b) how would its removal / suspension / substitution make other activities that seem more pertinent to you easier and more coherent? (write a paragraph for each answer listed in 1)
3. what measures do you suggest so that workers / employees / agents / entrepreneurs who are unable to continue in the activities that you have suppressed will be able to transition to other activities?
4. Which activities that are now suspended would you like to see being resumed / developed or even invented instead?
5. describe: a) why that activity seems to you to be positive; b) how does it make other activities easier / harmonious / pertinent; c) why it allows you to combat those you consider unfavorable.
6. what measures do you recommend to help workers / employees / agents / entrepreneurs to acquire the skills / means / revenues / instruments to resume / develop / create this activity?

we can add a few more points:

7 a) what should be the intervention of each country in this process of reassessment and change in the economic recovery? b) what measures do you suggest for each country to take in this context?
8 a) how to manage conflicts of interest with countries for whom change will not be desired / convenient? b) how to safeguard the interests of countries committed to change in relation to other countries?
9 a) what participation can/should environmental associations and climate defense organizations play? b) what participation can/should intergovernmental organizations such as the United Nations (UN) play?
10. what actions/proposals/projects can be used to disseminate these ideas to the most skeptical in our societies?
11 describe other possibilities that are not listed here.

The comparison and crossing of responses from the participants engaging with these questions allows to draw lines of conflict, alliances and controversies. Map scenarios now possible. And move on to new understandings and actions.

Not least, it allows us to think and act on what is, to date, the most decisive moment of our lives together WITH the planet.

Before the monstrous machine restarts, in this pause, now is the time to make a point, however incredulous we may be, regarding our ability to persuade the people in power of which I spoke above — apathy does not lead to solutions. No one knows what is coming, as the current pandemic proves. So, it’s better to know how far we are, what we would like to do and what we want to do, so we are ready when the opportunity arises.

Today, Earth Day is celebrated, an event created to call the attention of inattentive and disinterested people. And although confined, we can participate from our homes in a set of global digital initiatives that observe and draw attention to the environmental situation. I expect there will be many images and studies showing the environmental situation we are facing and the interest in the solutions.

The edition of Animalia Vegetalia Mineralia 2020-2021 will be thematic and dedicated to reflections on the experience of living in a time of CoVid19 which is also a time to rethink the present and the future in the face of climate failure.

This is an invitation for proposals – written, visual, sound or audiovisual – related to the theme. We encourage any type of works and they must be accompanied by a biographical note (max 100 words) or a link.

Given the current conditions, the works will be published over the months, as the projects are received and the editorial pulse / lung activated.

This edition is multilingual and we are accepting proposals from this moment.
Wish you strength and health!

(1) “Imaginer les gestes-barrières contre le retour à la production d’avant-crise”, Bruno Latour, A paraître dans AOC, Dimanche 29-03-2020 — http://www.bruno-latour.fr/sites/default/files/downloads/P-202-AOC-03-20.pdf
(2) eg. https://www.earthday.org/earth-day-2020

Ilda Teresa de Castro, artist and eco-art media researcher, film and video curator. Post-doc in Art, Media and Ecology. PhD in Communication Sciences/Cinema and Television. Author of Eu Animal − argumentos para uma mudança de paradigma – cinema e ecologia (2015) and on Portuguese Cinema: Cinema Português : Animação Portuguesa, conversas com … (2004); Cineastas Portuguesas conversas com … (2001); Curtas Metragens Portuguesas conversas com … (1999). Founder and editor  http://www.animaliavegetaliamineralia.org. More info http://www.ildateresacastro.wordpress.com.

MAINTENANT

Jour de la Terre_Urgence climatique_Covid19_Durabilité

éditorial

par Ilda Teresa de Castro *

22 Avril 2020

Chaque jour, je me demande comment conserver et mettre en œuvre les aspects positifs que le risque actuel de contamination et d’enfermement a infligé aux sociétés dans lesquelles nous vivons. Comment éviter que avec la reprise économique et le «retour à la normalité», ils reviennent les précédents systèmes de fonctionnement – consommation et production – avec aussi les plus qu’évidents symptômes d’épuisement des ressources de la vie planétaire et des espèces. Comment éviter de revenir aux mêmes erreurs identifiées du “passé” et à des modèles qui nous conduisent à une vitesse accélérée vers une dystopie climatique sans précédent?

Les gens d’argent et de pouvoir – les 1% qui possèdent 90% des richesses et leurs acolytes – font déjà pression sur la reprise, craignant la perte de profits et des changements imminents ou subreptices dans la structure même du système. Parce que certaines manifestations sont en vue et ne seront jamais oubliées.

La situation mondiale exceptionnelle que nous avons connue au cours de ces mois, sans précédent dans notre temps historique, nous a permis de tester dans une dimension globale, des possibilités qui semblaient impossibles en dehors d’un cadre utopique: restriction de la production (et de la consommation) presque uniquement aux biens essentiels; réduction de l’exploitation des ressources à risque environnemental; l´arrêt de tout ce qui est superflu; et suspension du modèle de progrès en croissance permanente. En conséquence, la pollution de l’air a chuté à des niveaux jamais vus dans le monde depuis longtemps = la planète respire et les autres espèces sont rassurées.

Toutes ces mesures et moins que celles-ci, si souvent indiquées comme essentielles face à l’insuffisance climatique et à la durabilité de la planète et de la vie, ont été à maintes reprises déniées et saisies d’une utopie impossible à réaliser. Après tout, c’est possible. C’est possible et il faut comprendre quoi faire de ces possibilités.

L’ouverture pour un changement sensible et intelligent qui accompagne le changement écologique est ici à exploiter. Comment réorienter le système et tirer les enseignements de cette tragique expérience?

Nous ne dirigeons pas le processus et nous n’avons pas cette compétence en main, mais nous pouvons remettre en question la reprise de méthodologies éprouvées. Nous pouvons remettre en question la validité des méthodes et des objectifs qui ont été temporairement suspendus et ne servent pas l’avenir planétaire que nous voulons. Nous pouvons nous appuyer sur la réflexion, la discussion et la sensibilisation, sur des données et des faits. Nous pouvons faire une différence et apporter des changements à travers les mots, la présence, la création, l’action.

Nous pouvons faire quelque chose au lieu de ne rien faire.

Il faut commencer quelque part. Bruno Latour invite chacun à un ensemble de questions comme point de départ (1). Ce sont des questions qui s’ajoutent immédiatement à l’idée de quiconque veut réfléchir ou discuter ce sujet. Par conséquent, ils ont prouvé leur validité. On peut commencer par là.

1. Quelles activités actuellement suspendues souhaiteriez-vous ne pas reprendre?
2. décrivez: a) pourquoi vous considérez cette activité nocive / superflue / dangereuse / incohérente; b) comment son retrait / suspension / substitution rendrait-il d’autres activités qui vous semblent plus pertinentes plus faciles et plus cohérentes? (écrivez un paragraphe pour chaque réponse indiquée en 1)
3. Quelles mesures proposez-vous pour que les travailleurs / employés / agents / entrepreneurs qui ne sont pas en mesure de poursuivre les activités que vous avez supprimées passent à d’autres activités?
4. Quelles sont maintenant les activités suspendues que vous aimeriez développer / reprendre ou qui devraient même être inventées à la place?
5. décrivez: a) pourquoi cette activité vous semble positive; b) pourquoi cela rend les autres activités que vous préférez plus faciles / harmonieuses / pertinentes; c) pourquoi il permet de combattre ceux que vous jugez défavorables. (écrivez un paragraphe pour chaque réponse donnée à la question 4).
6. Quelles mesures recommandez-vous pour aider les travailleurs / employés / agents / entrepreneurs à acquérir les compétences / moyens / revenus / instruments pour reprendre / développer / créer cette activité?

nous pouvons ajouter quelques points supplémentaires:

7e a) quelle devrait être l’intervention de chaque pays dans ce processus de réévaluation et d’évolution de la reprise économique? b) quelles mesures proposez-vous pour positionner chaque pays dans ce contexte?
8e a) comment gérer les conflits d’intérêts avec les pays pour lesquels le changement n’est pas souhaité / pratique? b) comment sauvegarder les intérêts des pays déterminés à changer vis-à-vis des autres pays?
9e a) quelle participation les associations environnementales et les organisations de défense du climat peuvent-elles ou devraient-elles avoir? b) quelle participation les organisations intergouvernementales comme les Nations Unies (ONU) peuvent-elles ou devraient-elles avoir?
10º Quelles actions / propositions / projets peuvent être créés et développés pour diffuser ces idées auprès des plus sceptiques de nos sociétés?
11 décrivent d’autres possibilités qui ne sont pas énumérées ici.

La comparaison et le croisement des réponses de n participants nous permettent de tracer des lignes de conflit, d’alliances et de controverses. Des scénarios cartographiques sont désormais possibles. Et passez à de nouvelles compréhensions et actions.

Non moins important, il nous permet de penser et d’agir sur ce qui est, jusqu’à présent, le moment le plus déterminant de nos vies avec la planète.

Tant que l’engin monstrueux ne recommence pas, il est temps de montrer à quel point nous pouvons être incrédules en ce qui concerne notre capacité à persuader les personnes puissantes dont j’ai parlé ci-dessus – l’apathie ne mène pas à des solutions. En fait, personne ne sait ce qui s’en vient, comme le prouve la pandémie actuelle. La possibilité d’être surpris existe. Par conséquent, il vaut mieux savoir combien nous avons marché, ce que nous aimerions faire et ce que nous voulons faire. Pour chaque fois que nous réalisons ce que nous pouvons faire.

Aujourd’hui, le Jour de la Terre est célébré, un événement créé pour attirer l’attention des gens distraits et désintéressés. Et bien que confinés, nous pouvons participer depuis nos foyers à un ensemble d’initiatives numériques mondiales qui alertent et observent la situation environnementale (2). Je prévois que de nombreuses images et études prouvent les changements environnementaux auxquels je fais référence ci-dessus et l’intérêt pour le changement.

Ilda Teresa de Castro, artiste et chercheur en art & écologie et ecomedia, et curateur en cinéma et vidéo. Post-doc en EcoArte, EcoMedia et Ecologia. Doctorat en sciences de la communication / cinéma et télévision. Auteur d’Eu Animal − argumentos para uma mudança de paradigma – cinema e ecologia (2015) et de la trilogie du cinéma portugais: Animação Portuguesa, conversas com … (2004); Cineastas Portuguesas conversas com … (2001); Curtas Metragens Portuguesas conversas com … (1999). Créateur et éditeur de la plateforme et magazine ecomedia_ecocritica_ecocinema http://www.animaliavegetaliamineralia.org. Plus d’informations sur http://www.ildateresacastro.wordpress.com.

.

.

.