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.português / english

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A Casa é Negra e a Floresta Cinzenta

por João Pedro Soares

(ensaio / essay – no. XIII . 2023-2024)

Alvorada Vermelha, conversa com João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata / Red Dawn, interview with João Pedro Rodrigues and João Rui Guerra da Mata

por / by Ilda Teresa de Castro

comentário por / comment by Maria Carbonária e Ricardo Andrade

(entrevista/ interview – no. VIII . 2016-17)

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A Casa é Negra e a Floresta Cinzenta

por João Pedro Carolino Dias de Brito Soares*

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resumo: Este ensaio procurou estabelecer uma relação entre a presença de lepra nas comunidades de esquilos vermelhos do Reino Unido e as comunidades de leprosários iranianas nos anos 60. Para isso fez-se uma análise da importância histórica do esquilo vermelho a nível comercial, alimentar e doméstico. Falou-se da tradição pictórica da representação deste animal durante a idade média até ao séc. XVIII e relacionou-se isto com o filme The House is Black (1963) da realizadora iraniana Forugh Farrokhzad, onde esta documenta a vivência num leprosário iraniano. Através da partilha comum desta doença entre humano e animal, foi apresentada uma reflexão acerca do dualismo humano/natureza proposto por Val Plumwood.

palavras-chave: Forugh Farrokhzad; Val Plumwood; The House is Black; Esquilo Vermelho; Lepra;

abstract: This essay sought to establish a relationship between the presence of leprosy in UK red squirrel communities and Iranian leprosarium communities in the 1960s. For this, an analysis was made of the historical importance of the red squirrel at a commercial, food and domestic level. The pictorial tradition of representation of this animal during the Middle Ages until the 18th century was analysed and a relationship was established with the film The House is Black (1963) by Iranian director Forugh Farrokhzad, where she documents her experience in an Iranian leper colony. Through the common sharing of this disease between human and animal, was presented a reflection on the human/nature dualism as proposed by Val Plumwood.

keywords: Forugh Farrokhzad; Val Plumwood; The House is Black; Red Squirrel; Leprosy;

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On every new thing there lies already the shadow of annihilation. For the history of every individual, of every social order, indeed of the whole world, does not describe an ever-widening, more and more wonderful arc, but rather follows a course which, once the meridian is reached, leads without fail down into the dark. 

W.G Sebald in The Rings of Saturn (p.24)

Há milhões de anos atrás, algures numa possível floresta um esquilo voava de árvore em árvore em busca de alimento. Dotado desta capacidade extraordinária – algo que o mundo humano sempre cobiçou – este pequeno animal conseguia planar no ar em voos rápidos e sucessivos, deambulando pela área vegetativa, calculando com precisão o melhor sítio onde aterrar. Uma boa aterragem poderia consistir num local importante para esconder sementes, ou até numa planta ou flor comestível (1), sendo que a importância ontológica do esquilo nos ecossistemas sempre esteve intimamente ligada a uma modelagem da composição vegetativa, através das sementes que espalham pelo habitat e da vegetação que consomem. 

Hoje em dia, a biologia evolutiva ainda debate acerca da filogenia do esquilo voador, tendo como pistas a recente descoberta em 2007 de um fóssil de Hesperopetes thoringtoni (um dos exemplares mais antigos da família Sciuridae), que permitiu localizar este espécime algures num período entre o Eoceno tardio até ao Mioceno. Devido à antiguidade desta família de mamíferos roedores no nosso planeta, actualmente existe uma grande diversidade de esquilos e por isso a família Sciuridae é vasta e abrange um grande território geográfico, sendo uma espécie autóctone nas Américas, na Eurásia e em África.

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Holótipo de Hesperopetes thoringtoni. Escala da barra 1 mm. Emry, Robert & Korth, William. (2007). A New Genus of Squirrel (Rodentia, Sciuridae) from the Mid-Cenozoic of North America. Journal of Vertebrate Paleontology. 27. 693-698.

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Não será por isso uma surpresa compreender que as relações entre esquilos e humanos foram constantes ao longo da história da humanidade, sendo o esquilo uma fonte de alimento abundante e as suas peles utilizadas para o fabrico de utensílios e vestuário pelos nossos antepassados. Devido a isto, dentro da família Sciuridae existe uma subespécie com particular importância histórica: o esquilo vermelho (Sciurus vulgaris), um “primo” do esquilo voador, que adquire uma importância histórica devido ao facto de ser a subespécie mais abundante na Europa e na Ásia, onde a apreciação do esquilo vermelho ultrapassa o consumo alimentar e têxtil, de tal modo que desde a idade média até ao séc. XVIII, o esquilo vermelho se torna um animal de estimação popular e com isso uma forte tradição pictórica acompanha esta tendência, tal como Kathleen Walker-Meikle refere no seu livro Medieval Pets:

“Certos animais de estimação, como esquilos […] são frequentemente transformados numa metáfora sexual, representando o amante, e isso é enfatizado em grande parte da iconografia secular, em que um pequeno animal de estimação está intimamente associado ao corpo da senhora, sentado ao seu colo, agarrado junto do seu peito ou sentado servilmente a seus pés em adoração.” (2)

Estas representações metafóricas ganham particular expressão em Inglaterra, onde este tipo de pintura era comissariado por famílias abastadas inglesas, encontrando-se nos quadros de Hans Holbein O Jovem (-1543), Lady with a pet squirrel and starling, um exemplo disto. Embora se possa fazer uma leitura metafórica da pintura de Holbein, existem historiadores de arte que declaram que o esquilo poderia ser um brasão da família, tal como Walker-Meikle indica: “O esquilo neste retrato foi visto por alguns historiadores de arte como um possível símbolo da família Lovell, que tinha esquilos no seu brasão.” (WALKER-MEIKLE: 2013:64) Não obstante, este tipo de retrato em muito se assemelha a outro exemplo de Joseph Highmore (1692-1780), Portrait of a boy with a pet squirrel, onde também se observa a figura humana acompanhada de um esquilo vermelho. É importante salientar um detalhe: Nos dois quadros, os esquilos encontram-se acorrentados, naquilo que com escárnio Walker-Meikle diz demonstrar que “a prática de manter esquilos de estimação em correntes estava bem estabelecida” (WALKER-MEIKLE: 2013:64). A ironia figura-se nesta tentativa de caracterizar simbolicamente e metaforicamente estes esquilos, ignorando completamente a sua agência. Nos quadros eles tornam-se mero cenário, devotos de vida, parecem estátuas inócuas.

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quadro 2

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Lady with a pet squirrel and starling, de Hans Holbein O Jovem

Portrait of a boy with a pet squirrel, de Joseph Highmore

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Por contraste, existem também representações naturalistas do esquilo vermelho, por exemplo: ainda em Inglaterra, Thomas Stothard (1755-1834) desenha num pergaminho ornamental a sua obra Squirrels among the foliage, onde através de pinceladas soltas em tons sépia, num estilo que lembra a aquarela, observam-se esquilos num conjunto de folhagem, representados como parte de um todo, fundem-se com o cenário.

Outro caso, talvez o mais famoso – e curioso – no que toca a representações pictóricas de esquilos vermelhos, pode ser encontrado no quadro do pintor iraniano Abu’l Hasan (1589-1630), Squirrels in a plane tree datado de 1610. Esta pintura parece evidenciar a querela entre as diferentes representações, da metafórica à naturalista, onde os esquilos vermelhos são caracterizados como um símbolo de liberdade ao mesmo tempo que são representados de um modo natural. Eles fogem do caçador que tenta subir à árvore, observam-no alerta e desconfiados dos altos ramos, habitam o espaço sem estarem acorrentados. O que torna este quadro curioso é o facto de os esquilos representados na pintura de Abu’l Hasan não serem autóctones da India Mugal de então. Tal como o escritor de arte Christopher Jones indica sobre este quadro:

“[…] na Pérsia ou na Índia Mugal, os esquilos normalmente não eram caçados para alimentação ou cativeiro. Nem o tipo de esquilo retratado aqui – especialmente com orelhas tufadas – encontrado na Índia na época. Os naturalistas confirmaram que a espécie retratada é um esquilo vermelho comum, encontrado na Europa e no norte da Ásia.”(3)

Assim sendo, como é que Abu’l Hasan obteve conhecimento acerca dos esquilos vermelhos? Christopher Jones indica que “as companhias europeias estavam activas em todo o império Mugal, e os objetos e bens culturais eram amplamente comercializados.” (JONES:2022) No entanto, esta explicação parece-me incompleta face a um pormenor importante na história deste pintor iraniano: Abu’l Hasan era pintor na corte do imperador Jahangir, e sabe-se que este último era colecionador de animais exóticos, e que historicamente foi durante o seu reinado que o império britânico recebeu permissão para negociar com o império Mugal.  Se por um lado é lógico afirmar que Abu’l Hasan poder-se-á ter cruzado com alguns esquilos vermelhos através de trocas comerciais, nomeadamente de quadros, que de alguma forma lhe permitiram ter um conhecimento da pintura europeia; parece também plausível assumir que teve contacto com esquilos vermelhos através da colecção de animais do imperador Jahangir, que caso tivesse esquilos vermelhos, certamente os teria adquirido de Inglaterra devido às negociações que ocorriam entre os dois impérios.

O quadro de Abu’l Hasan torna-se assim um objecto particularmente complexo quando analisado tendo em vista toda esta contextualização em torno da representação pictórica dos esquilos vermelhos, pois se por um lado durante a idade média até ao século XVIII existia um apreço por esta espécie (embora por uma “moda” de época, e pelo estatuto que ter um esquilo dava ao seu portador), agora, nos tempos correntes através da acção humana, os esquilos vermelhos encontram-se em perigo em Inglaterra e em diversas áreas do Reino Unido; num território onde durante séculos o esquilo vermelho habitou em abundância, actualmente a população tem estado em grave declínio. Por um lado, devido à introdução do esquilo cinzento (Sciurus carolinensis) em 1876 oriundo da América do Norte, que sendo mais forte e maior, possui melhor capacidade adaptativa e compete pelos mesmos recursos que o esquilo vermelho. Por outro, devido à redução de área florestal e ao crescimento urbano verificado no Reino Unido nas últimas décadas.

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quadro 3

Squirrels among the foliage de Thomas Stothard

Squirrels in a plane tree de Abu’l Hasan

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Devido à “grande aceleração” formalizada após o crescimento populacional e industrial do período após a Segunda Guerra Mundial, nos tempos que correm a humanidade é a principal força geológica do planeta, e a falta de cuidado para com o ambiente e demais ecossistemas, tem vindo a prejudicar de um modo geral o mundo natural, e, em particular, neste caso concreto, as populações de esquilos vermelhos no Reino Unido. Eles tornam-se um exemplo microscópico do efeito devastador que as acções humanas têm na biosfera quando não mediados por uma ética de atenção, ou por um enquadramento de ecologia política. É neste sentido que a afirmação de Jennifer Fay se torna tão elucidativa:

“A humanidade do Antropoceno e as suas atividades de construção do mundo são a nova natureza que aparece para nós na forma de eventos climáticos e condições ambientais extremas que são mais violentas, erráticas e ameaçadoras do que qualquer coisa na nossa história colectiva. “Nós”, uma suposta humanidade universal, somos atormentados pela força geológica que é a humanidade.”(4)

Com efeito, concordo com a declaração de Fay, deixando a autora nas entrelinhas que o necessário para se combater este estado de coisas é compreender uma nova forma de “fazer mundo”, que subverta a actual “construção do mundo”. Neste novo entendimento – e adequado ao presente ensaio – isto implicaria ver os esquilos vermelhos num plano de semelhança, num frente a frente com o humano, onde se possam encontrar pontos de contacto comuns que existam para além de uma história de coabitação conjunta na Terra. Isto é: fazer mundo é ver o esquilo vermelho para além de um animal que existe no nosso planeta, que é representado pictorialmente, que é comido, que é vestido, que é símbolo de status e objecto de colecção. Fazer mundo é procurar o que existe em comum entre o ser humano e os seres mais-que-humanos, neste caso, formalizado na questão: que partilha comum existe entre a humanidade e o esquilo vermelho?

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Este gráfico da Wild Life Trust mostra a distribuição de esquilos vermelhos entre 1945 e 2010, num espaço de tempo de 65 anos, mais de metade da população desapareceu.

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Descobriu-se recentemente em 2017 num crânio datado do período Pré-Normando, retirado de um jardim em Hoxne, Suffolk, uma estirpe de Mycobacterium Leprae (M. leprae), a bactéria que causa lepra. Isto é curioso pois oferece uma explicação para a possível epidemia de lepra que existiu em Inglaterra durante o período medieval. Tal como um artigo publicado pela Universidade de Cambridge no seu website contextualiza:

” ´A Mulher de Hoxne` é mais uma de um número crescente de casos de lepra medievais identificados em restos humanos encontrados em East Anglia ou em torno dela no início do período medieval e normando. Os investigadores sugerem que uma explicação para a prevalência da lepra na área pode ser encontrada no comércio medieval, possivelmente em peles, que teria incluído a de esquilos – um animal conhecido por transmitir a doença.”(5)

Por questões narrativas, ainda não tinha sido mencionado neste ensaio que a subespécie de esquilos vermelhos (Sciurus vulgaris) é suscetível à lepra, sofrendo sintomas semelhantes aos dos humanos: inchaços, perda de pelagem, crostas nos olhos, orelhas e genitália. Com esta informação em mente, a importância da “mulher de Hoxne” demonstra que os esquilos vermelhos partilham a mesma bactéria infeciosa que os humanos na contração da doença. Isto verifica-se, pois, uma população de esquilos vermelhos da região de Brownsea afectados com lepra, possuem a mesma estirpe que a verificada no crânio de Hoxne:

“O último caso de lepra humana nas Ilhas Britânicas ocorreu há mais de 200 anos, mas um estudo recente demonstrou infecção por lepra em esquilos vermelhos na ilha de Brownsea, em Dorset. A doença afecta os esquilos da mesma forma que os humanos – resultando em lesões nos seus focinhos, orelhas e patas. O sequenciamento da estirpe M. leprae no esquilo vermelho moderno mostrou que ela está intimamente relacionada à detectada na mulher de Hoxne.”(6) 

Neste sentido, Sarah Inskip – a principal investigadora em torno desta questão –afirma: “É questionável quanto tempo a bactéria poderia ter sobrevivido em peles ou carne, mas é de salientar que os esquilos às vezes também eram mantidos como animais de estimação.”(7) Por conseguinte, não será coincidência que a prevalência de esquilos vermelhos como animais de estimação entre a idade média e o século XVIII, coincida com o surgimento de lepra no período medieval. Embora ainda se debata como é que a lepra entrou no Reino Unido vinda da Europa, com diversas teses, desde o fenómeno dos esquilos como animais domésticos, até às rotas de comércio entre a Inglaterra e os países escandinavos, sobretudo com o comércio de peles de animais. É sabido que a doença: 

“Foi espalhada no ano 500 a.C. por comerciantes da Índia e China para a Pérsia e depois pelas tropas persas sob Dário e Xerxes para a Ásia menor […] a doença era muito comum na idade média no médio oriente, enquanto poucos casos foram registados na Europa. Foi trazida para a Europa pelos cruzados.”(8)

Actualmente ainda se encontram resquícios desta epidemia do passado, existindo prevalência de casos de lepra em África, na Índia e no Médio Oriente em populações humanas, e em Inglaterra e em algumas partes do Reino Unido nas populações de esquilos vermelhos. Esta partilha comum de uma patologia entre a humanidade e os esquilos vermelhos, torna-se interessante se a observarmos dentro de uma lente de ética da atenção, no sentido em que a lepra é uma doença totalmente possível de ser prevenida se existir cuidado e atenção social nos primeiros estágios da doença. Infelizmente, os casos actuais de lepra decorrem em locais esquecidos numa escala global, e negligenciados numa escala local. Um plano de conservação para o esquilo vermelho no Reino Unido só foi traçado em 2009, e actualmente, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, cerca de 208 mil pessoas ainda são infectadas com lepra anualmente. São problemas que como observamos ao longo deste ensaio, vêm de há muito tempo atrás, mas que sem as devidas acções continuam ainda por resolver na totalidade, perdendo-se na névoa dos dias.

Em 29 de Janeiro de 1959 um nevoeiro histórico assolou a Inglaterra, de acordo com a BBC na época: “O nevoeiro denso – o pior em sete anos – paralisou o transporte rodoviário, ferroviário e aéreo em muitas partes da Inglaterra e do País de Gales.”(9)  Parecia a premonição do que viria a começar nesse mesmo ano, uma longa marcha para a extinção, algo que já em 1998 o Lord Inglewood vaticinava na Câmara dos Lordes:

“Desde 1959, que o esquilo vermelho tem vindo a ser empurrado para fora de West Country, da maior parte do País de Gales, da maior parte de East Anglia e de quase todo o Lancashire, Yorkshire e Midlands. […] A maré está a avançar com segurança e sem remorsos, levando lentamente a adorável criatura à extinção na Inglaterra.”(10)

Com o nevoiro de 1959, os esquilos vermelhos começaram a desaparecer impetuosamente, mas talvez Forugh Farrokhzad tenha chegado a Inglaterra nesse mesmo ano, ainda a tempo de avistar alguns. E, quem sabe, poderá ter tido conhecimento do quadro do seu conterrâneo Abu’l Hasan, guardado na British Library em Londres. Tudo isto, claro, é especulativo, os factos cingem-se à cineasta e poetisa iraniana ter estudado cinema em Inglaterra entre 1959 e 1960, tendo após isto regressado ao Irão, onde veio a realizar um dos filmes mais importantes do cinema iraniano, e, por conseguinte, da história do cinema.

Em 1962 Farrokhzad realiza The House is Black, um filme documental/ensaístico que acompanha uma comunidade de leprosos em Tabriz. Como foi mencionado anteriormente, a lepra era muito comum no médio oriente, pelo que nos anos 60 existiam diversas comunidades de leprosos espalhadas pelo Irão. Fruto da ignorância política, da descriminação social, e de preconceitos motivados por religião, as pessoas infectadas com lepra eram excomungadas do seio sociocultural, e confinadas em comunidades fechadas. Famílias inteiras habitavam estes espaços, com várias gerações de pais, filhos e outros familiares enquanto moradores. Algumas comunidades tinham barbeiro, hospital, escola primária, esquadra da polícia e até cinema, como no caso da comunidade de Behkadeh Raji. No entanto, apesar da existência destas infraestruturas, os leprosos continuavam a ser exilados dos centros sociais e comunitários para coabitarem este tipo de espaços. Estas comunidades autossustentáveis, apesar de serem modelos sociais interessantes, perpetuavam uma falta de resposta sistémica à crise da lepra no Irão, e de algum modo desviavam as atenções do público geral para com o governo iraniano, que procurava isolar e distanciar o problema da lepra do debate público.

Neste sentido, The House is Black torna-se um filme fundamental na altura para a sensibilização da questão da lepra no Irão, e, em vista disso, no resto do mundo. O filme foi uma encomenda feita em 1962 pela Society for Assisting Lepers uma instituição de caridade que prestava auxílio aos doentes de lepra no Irão. Durante 12 dias Farrokhzad e a sua equipa filmaram a comunidade de Bababaghi, conseguindo uma grande proximidade com os seus habitantes, resultando em imagens íntimas do quotidiano destas pessoas. A propósito disto, Joanna Scutts escreve o seguinte para a revista “The Paris Review”:

“O filme mostrar-se-ia transformador tanto criativamente quanto pessoalmente. Depois de uma visita inicial a um leprosário no condado de Tabriz, ela [Farrokhzad] voltou três meses depois com uma equipa de cinco pessoas e viveu entre os residentes por doze dias, observando e registando as suas vidas em filme.”(11) 

Estes registos, de um ponto de vista formal, caracterizam o filme de Forugh Farrokhzad dentro do género ensaístico, tal como Timothy Corrigan o define nas suas três vertentes:

“(1) geralmente – mas não necessariamente – um assunto de documentário curto, (2) a falta de uma organização narrativa dominante (embora a narrativa possa fornecer um dos vários padrões no filme) e (3) a interação de uma voz ou visão pessoal, às vezes na forma de uma narração. No filme-ensaio, a interação dessa perspectiva subjetiva com a realidade diante dela torna-se um teste ou questionamento de ambas, e a estrutura do filme, como a do ensaio literário, segue o movimento indeterminado desse diálogo.”(12)

 Nesse sentido, The House is Black corresponde a esta definição pois é um filme de curta-duração (apenas 21 minutos), não possui uma narrativa dominante (o filme mostra-nos diferentes enquadramentos da vida das pessoas nesta comunidade) e existe um voice-over que nos direciona na voz que declama poemas (os poemas são da autoria da própria Farrokhzad). Por conseguinte, este filme não nos oferece propriamente um enquadramento narrativo, antes a estrutura narrativa parece assemelhar-se a uma deambulação – à semelhança deste ensaio – onde o filme de Farrokhzad assemelha-se a um voo onde nós leitores/espectadores procuramos de alguma forma compreender onde aterrar.

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Sequência inicial de The House is Black, o voice-over indica-nos o seguinte:
“Neste ecrã vai aparecer uma imagem de feiura, uma visão de dor, que nenhum ser humano cuidadoso deve ignorar. Para curar esta fealdade, para ajudar a atenuar esta dor, e para aliviar as vítimas é o motivo por detrás da realização deste filme.” [00:00:57 – 00:01:20]

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A proposta da realizadora sobre o local onde aterrar é simples e directa: trazer atenção para uma questão esquecida ou ignorada na esfera pública, reconduzir a consciência coletiva a uma preocupação com uma doença que era – e continua a ser – fortemente estigmatizada, e que, na verdade, é facilmente prevenível através de cuidado e atenção no diagnóstico precoce e na facilitação médica, não sendo hoje em dia necessário o isolamento dos doentes. Tendo isto em mente, o filme mostra-nos um conjunto de pessoas à deriva, perdidas no tempo e na repetição monótona dos dias no leprosário. Vemos as aulas matinais sobre um escrutínio religioso severo, o qual Farrokhzad parece subtilmente criticar, pois compreendemos que as crianças doentes no leprosário culpam a sua doença em Deus, numa ideia de pecado/castigo perversa e perturbadora. Acompanhamos os tratamentos médicos, os pensos e fisioterapia. Vemos algumas festividades e jogos. Mas sabemos sempre que estamos diante de uma prisão, e mais importante ainda, talvez na tónica mais “activista” do filme: sabemos através do voice-over que a lepra é tratável, basta tomarmos atenção à situação destas pessoas. 

Neste sentido, é interessante observar um dualismo que surge no filme a um dado momento com a presença do mundo natural, pois Farrokhzad intercala na montagem planos de pássaros com planos de pessoas. Numa leitura superficial poder-se-ia dizer que isto representa a vontade de escapar por parte dos leprosos, um desejo de cura e de fuga perante a doença que os assola. Embora isto seja verdade, parece-me também interessante reflectir com base neste momento da montagem sobre o dualismo entre o humano e a natureza, tal como Val Plumwood o apresenta:

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quadro 4

O momento da montagem em The House is Black, que convoca um dualismo entre humano e natureza.  [00:13:16 – 00:13:26]

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“O dualismo humano/natureza concebe o humano não apenas como superior, mas também diferente em espécie do não humano, que é concebido como uma esfera puramente física não consciente e não comunicativa inferior que existe como um mero recurso ou instrumento para o humano superior. A essência humana não é o lado ‘animal’ ecologicamente incorporado do eu, que é melhor negligenciar, mas o elemento desencarnado superior da mente, razão, cultura e alma ou espírito. O outro lado disso é a redução da natureza que faz parte da formação dualista. De um lado dessa Hiper separação, colocamo-nos nitidamente separados de tudo o mais como seres essencialmente conscientes. Por outro lado, temos o conceito de natureza como matéria morta, todos os elementos da mente e da inteligência foram contraídos ao humano. A ideia da natureza como matéria morta, à qual algum condutor separado deve acrescentar vida, organização, inteligência e design, faz parte do dualismo humano/natureza.”(13)

O ponto de vista de Plumwood torna-se pertinente pois se por um lado este dualismo existe, na medida em que o humano nega o seu lado “animal” e reconhece o mundo natural como inferior, através precisamente daquilo que a autora caracteriza ser um fenómeno de “Hiper separação”. Por outro, em situações extremas, o humano procura amparo no mundo natural para mediar a sua aflição. Parece que Farrokhzad justapõe através da montagem este último ponto. Ao vermos cães, galos e galinhas, os pássaros que voam no céu, seguidos dos doentes de lepra no leprosário e vice-versa, temos um contraste entre a brutalidade que é estar infectado com lepra e o que a doença provoca no corpo, e a “pureza” do mundo natural perante este estado de coisas.

Mas, além disto, uma terceira dimensão é criada com esta montagem, precisamente aquilo que Plumwood descreve como “o lado “animal” ecologicamente incorporado do eu”, isto é: ao vermos os doentes com lepra, seguidos dos animais, existe um ethos implícito de que nós somos também animais, quer o consideremos ou não, e nós seres “desencarnados”, “superiores da mente, razão, cultura, alma, ou espírito”, somos também infectados por bactérias que nos corroem de dentro para fora. As mesmas que infectam esquilos vermelhos, criaturas que dentro deste pensamento dualista são “inferiores” ao humano.

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Um exemplo da justaposição entre o mundo natural e o humano, constitutivo do dualismo humano/natureza formulado por Plumwood.  [00:12:19– 00:12:31]

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Por conseguinte, The House is Black torna-se um filme essencial dentro da história do cinema do Irão, tornando-se influente na criação da nova vaga de cinema iraniano. Aterramos assim deste pequeno voo ensaístico, através do olhar único que o filme de Farrokhzad oferece, à data pioneiro sobre a vida de pessoas afectadas com lepra no Irão, permitindo através da sua montagem, formular questões relativas ao dualismo humano/natureza, e com isto estabelecer uma ponte de ligação face aos esquilos vermelhos, afectados pela mesma doença e possivelmente capazes de a transmitir aos humanos. Neste sentido, o filme de Forugh Farrokhzad oferece uma possibilidade de descentralização deste dualismo entre humano e natureza, convidando a uma nova reformulação dialógica e a uma nova ética entre espécies. Isto é, verificar que a comunidade de esquilos vermelhos no Reino Unido sofre lepra e se encontra por isso em vias de extinção, do mesmo modo que a comunidade de Bababaghi empobrecida e ignorada definha no leprosário com a mesma doença, é reconhecer que existe uma necessidade de novas formas de “fazer mundo”. É compreender que travar a lepra se torna sinónimo de salvar humanos e impedir que os esquilos vermelhos sejam extintos. Tal como Plumwood indica:

“Vivemos num mundo […] onde o domínio tecnológico extingue tanto a natureza quanto as culturas menos tecnologicamente “racionais”, onde enfrentamos a perspectiva iminente de perda das florestas do mundo, juntamente com a maior parte da sua diversidade de espécies e diversidade cultural humana, onde já muitas culturas tiveram toda a base de antigos padrões de sobrevivência destruídos por uma espécie de desenvolvimento e “progresso” que produz desigualdade tão inexoravelmente quanto produz poluição e desperdício, e onde o domínio do homem “racional” ameaça, em última análise, produzir os resultados mais irracionais, a extinção da nossa espécie junto com a de muitas outras.”(14) 

Temos assim que criar um diferente modo de racionalidade, um modelo de pensamento menos antropocêntrico e mais harmonioso face ao mundo natural e à nossa relação com ele, no qual se destrua o paradigma dualista, e se funda um novo alicerce monista entre homem e natureza como partes integrantes de um todo, tal como James Lovelock formulou na sua “hipótese Gaia”. Só assim podemos viver num planeta de equilíbrio e de esperança, pois se nada se faz e nada se tenta, a casa é negra e a floresta cinzenta.

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Notas:

1 Existe especulação de que os esquilos possam também servir uma função polinizadora nos ecossistemas, embora ainda estejam por se comprovar estas hipóteses. Sobre isto consultar: Yumoto, Takakazu e Momose, Kuniyasu e Nagamasu, Hidetoshi. (2000). A New Pollination Syndrome-Squirrel Pollination in a Tropical Rainforest in Lambir Hills National Park, Sarawak, Malaysia. Tropics. 9. 147-151.

2 Walker-Meikle, Kathleen. Late Medieval Pet Keeping: Gender, Status and Emotions, University College London, 2013. Pág.41.

3 Jones, Christopher. A Fine Example of a Beautiful Mughal Painting: The virtues of nature over mankind, 2022, [https://christopherpjones.medium.com/a-fine-example-of-a-beautiful-mughal-painting-6cc6a4224c6b].

4 Fay, Jennifer. Inhospitable World – Cinema in the time of Anthropocene, Oxford University Press, 2018. Pág.17.

5 Retirado do website sciencedaily e redigido pelo St John’s College, University of Cambridge: Could squirrel fur trade have contributed to England’s medieval leprosy outbreak? – [https://www.sciencedaily.com/releases/2017/10/171025103109.htm].

6 Ibid. Ambas as citações prestam referência directa ao trabalho de Sarah Inskip, G. Michael Taylor, Sue Anderson, Graham Stewart. Leprosy in pre-Norman Suffolk, UK: biomolecular and geochemical analysis of the woman from Hoxne. Journal of Medical Microbiology, 2017

7 Retirado de um artigo em https://archaeology.co.uk/Could squirrels have contributed to the spread of leprosy in Great Britain, 2018

8 Kohout E, Hushangi T, Azadeh B. Leprosy in Iran, International journal of leprosy and other mycobacterial diseases: official organ of the International Leprosy Association. 1973. Pág. 1

9 A notícia pode ser lida na totalidade em: [http://news.bbc.co.uk/onthisday/hi/dates/stories/january/29/newsid_2506000/2506057.stm]

10 A intervenção do Lord Inglewood pode ser consultada aqui: [https://hansard.parliament.uk/Lords/1998-03-25/debates/a565750b-b919-46dd-a322-e370afae38cf/RedSquirrels].

11 Scutts, Joanna. Feminize Your Canon: Forough Farrokhzad, theparisreview.org, 2020. Além disto, de tal modo o filme foi impactante para a realizadora, que ela adoptou uma criança do leprosário no final da rodagem.

12 Corrigan, Timothy. The essay film, film and literature: an introduction and reader. Upper saddle river, NJ: Prentice-Hall, 58, 1999.

13 Plumwood, Val. Nature in the Active Voice, 2009. Pág. 5.

14 Plumwood, Val. Feminism and the mastery of nature, Routledge, 1993. Pág.18.

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Bibliografia:

Fay, Jennifer. Inhospitable World – Cinema in the time of Anthropocene, Oxford University Press, 2018

Plumwood, Val. Feminism and the mastery of nature, Routledge, 1993 [https://warwick.ac.uk/fac/arts/english/currentstudents/undergraduate/modules/fulllist/first/en122/lecturelist2017-18/plumwood.pdf], acedido em: 26/06/23.

Nature in the Active Voice, 2009
[https://lo.unisa.edu.au/pluginfile.php/2717291/mod_resource/content/1/Nature%20in%20the%20Active%20Voice.pdf], acedido em: 25/06/23

Walker-Meikle, Kathleen. Late Medieval Pet Keeping: Gender, Status and Emotions, University College London, 2013

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Publicações:

Corrigan, Timothy. The essay film, Film and Literature: An Introduction and Reader. Upper Saddle River, NJ: Prentice-Hall, 58, 1999

Emry, Robert & Korth, William. A New Genus of Squirrel (Rodentia, Sciuridae) from the Mid-Cenozoic of North America. Journal of Vertebrate Paleontology. 27. 693-698. 2007

Yumoto, Takakazu e Momose, Kuniyasu e Nagamasu, Hidetoshi.  A New Pollination Syndrome-Squirrel Pollination in a Tropical Rainforest in Lambir Hills National Park, Sarawak, Malaysia. Tropics. 9. 147-151. 2000

Kohout E, Hushangi T, Azadeh B.  Leprosy in Iran, International journal of leprosy and other mycobacterial diseases: official organ of the International Leprosy Association. 1973 – PDF em [http://ila.ilsl.br/pdfs/v41n1a09.pdf]

Sarah Inskip, G. Michael Taylor, Sue Anderson, Graham Stewart. Leprosy in pre-Norman Suffolk, UK: biomolecular and geochemical analysis of the woman from HoxneJournal of Medical Microbiology, 2017

Scutts, Joanna.  Feminize Your Canon: Forough Farrokhzad, 2020 Retirado de: [https://www.theparisreview.org/blog/2020/11/19/feminize-your-canon-forough-farrokhzad/], acedido em: 27/06/23

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Imagens:

Hasan, Abu’l. Squirrels in a plane tree (1610)

[https://christopherpjones.medium.com/a-fine-example-of-a-beautiful-mughal-painting-6cc6a4224c6b]

Highmore, Joseph. Portrait of a boy with a pet squirrel (1700)

[https://www.bridgemanimages.com/en-US/highmore/a-portrait-of-a-boy-with-a-pet-squirrel-18th-century/nomedium/asset/52784]

Holbein, Hans (O Jovem) Lady with a pet squirrel and starling (1526-1528)

[https://www.nationalgallery.org.uk/paintings/hans-holbein-the-younger-a-lady-with-a-squirrel-and-a-starling-anne-lovell]

Stothard, Thomas. Squirrels among the foliage (data desconhecida)

[https://www.tate.org.uk/art/artworks/stothard-ornamental-scroll-squirrels-among-the-foliage-t09971]

gráfico da Wild Life Trust

[https://www.wildlifetrusts.org/saving-species/red-squirrels]

Filmes Citados:

Farrokhzad, Forough. The House is Black – 1963, Irão, 20 minutos, Preto e Branco, mono, 1.37:1

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* João Pedro Soares concluiu licenciatura em Artes e Humanidades na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Após isso, finaliza o mestrado em Desenvolvimento de Projeto Cinematográfico, com especialização em Dramaturgia e Realização, na Escola Superior de Teatro e Cinema. Realizou duas curtas-metragens: “Retrato de um homem enquanto ilha” (2020) e “A Incessante Conquista da Escuridão” (2021), exibidas em festivais nacionais e internacionais. Actualmente é doutorando em Estudos Artísticos na FCSH (Universidade Nova de Lisboa), estando neste momento a trabalhar no seu projecto de doutoramento que procura investigar o Antropoceno no Cinema Português. Os seus interesses variam entre cinema, literatura e agricultura.

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Alvorada Vermelha

conversa com João Pedro Rodrigues* e João Rui Guerra da Mata*

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por Ilda Teresa de Castro*

comentário por Maria Carbonária* e Ricardo Andrade*

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Alvorada Vermelha foi proibido na China. O fax oficial que receberam da Associação Internacional da Cultura Chinesa (China International Culture Association), dizia: Esta obra é passível de provocar uma experiência desconfortável e emoções negativas no público chinês. (This work is likely to cause an uncomfortable sensory experience and negative emotions to chinese audiences). Como entendem essa proibição face ao conteúdo do filme e ao que ele documenta?

− Foi uma medida de uma enorme hipocrisia, visto que o filme mostra imagens do quotidiano do Mercado Vermelho em Macau, muito semelhantes à maior parte dos mercados na China Continental. Esta forma de comercializar animais vivos para consumo era práctica corrente na Europa até há relativamente pouco tempo e justifica-se pela simples razão da conservação e frescura dos alimentos. Na China, esta práctica continua a fazer parte do dia a dia de grande parte da população que procura os alimentos mais frescos e de melhor qualidade.

O filme documenta um encontro interespécies humano/ não-humano que envolve o confronto com a morte em vida de animais não-humanos, esquartejados vivos para prover alimentação a humanos. [ nota: concretamente e para quem não conheça o filme, peixes vivos a que o vendedor corta o pedaço que o cliente pede e continuam vivos nas bancadas, movendo-se sem uma parte do corpo, até que surja um cliente seguinte que compre mais um bocado desse corpo.] Esse confronto esteve presente na vossa motivação para filmar este conteúdo ou o que moveu a vontade de fazer este filme?

− A vontade de fazer o filme veio do desejo de registar em filme (ou video, neste caso, mas continuamos a chamar-lhe um filme) a forma tradicional de comercializar os alimentos, animais ou não, num mercado tipicamente chinês. Estes tipos de mercado têm tendência a desaparecer com as novas formas de comercialização dos alimentos no mundo de hoje, com a prevalência dos supermercados, dos produtos embalados, do vácuo… O Mercado Vermelho pertence ao passado do João Rui e a forma de o fazermos continuar a existir no nosso presente, agora comum, foi filmá-lo: os gestos e as rotinas de um dia de mercado, desde a abertura até ao fecho. Claro que esta concentração, num único dia, que respeita a unidade de tempo e lugar das formas clássicas de contar histórias, foi fabricada na montagem, pois filmámos muitos dias naquele mercado até encontrar os momentos “justos”, aqueles que, para nós, melhor contam uma página da vivência do dia a dia em Macau.

A sereia Jane Russell poderia cumprir uma função entre o humano e o não-humano como projecção de um outro (tempo e) relacionamento entre as espécies.

− A Jane Russell é a protagonista do filme “Macao” (1951) de Josef von Sternberg (terminado por Nicholas Ray). Nesse filme, faz de uma aventureira que se refugia em Macau, território que nos é apresentado como uma espécie de terra sem lei onde tudo é permitido, refúgio de criminosos, opiómanos e expatriados. Uma das muitas representações do mito do Extremo Oriente Hollywoodesco. O “Alvorada Vermelha” foi filmado enquanto estávamos em Macau a filmar “A última vez que vi Macau”, a nossa longa-metragem “asiática”. Durante as filmagens, o João Rui estava a ler as memórias da Jane Russell, em que ela fala com bastante desalento e amargura dos filmes em que entrou. Lamenta quase só ter feito filmes em que foi escolhida pelos seus atributos físicos, a sua voluptuosidade, pela “flesh”. Eis senão quando, em Fevereiro de 2011, soubemos da notícia da sua morte através dos jornais portugueses de Macau. O choque não podia ter sido maior. Ela, o filme “Macao” que sentíamos guiar-nos pelos labirintos das nossas memórias individuais e colectivas tinha desaparecido. E tudo fez sentido: as sereias que tínhamos imaginado dentro dos tanques de peixe do mercado eram não mais que reflexos de Jane Russell, ela própria meia humana, meia animal, uma mulher que perdeu os sapatos porque se metamorfoseou numa criatura mítica e brincalhona, para sempre encerrada num tanque de peixes macaense. Por isso, o filme inicia-se com o plano de um sapato de salto alto abandonado no meio da rua, primeiro prenúncio dessa metamorphose. Sapato imediatamente atropelado, ou não fosse essa metamorfose, a partida para uma outra vida.

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«You can murder me less brutally, but you cannot murder me “more humanely.”»

(John Sanbonmatsu)

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por Maria Carbonária* e Ricardo Andrade*

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Alvorada Vermelha, de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata documenta um sistema: testemunhamos cronologias de um processo que nos é alheio e estranho, que se nos apresenta como grotesco, sujo, contaminado, cadenciado por golpes no vivo, que incomodam, chegando mesmo a causar repulsa. Sentimo-nos aliviados por poder relegá-lo para tempos remotos ou lugares distantes, pois o nosso sistema industrializado é mais evoluído, mais limpo e, sobretudo, menos violento. À luz deste contraste, ficamos como que eticamente purgados e até demitidos de escavar o problema.

Contudo, do ponto de vista do animal, tanto o nosso sistema ocidental como aquele que o filme nos dá a (re)conhecer, prevalecente em tantas outras regiões asiáticas, são iguais − a condição de mercadoria/produto/unidade proteica e a anulação da individualidade e valor intrínsecos e invariavelmente reais de cada um, de cada animal, dá o mote e determina o paralelismo. Ambos os sistemas vedam a animalidade ao animal, o exercício dos seus atributos mais elementares, da sua personalidade, o vivenciar das relações sociais e afectivas, e impedem a possibilidade de fuga perante a ameaça permanente à sua integridade. Ambos os sistemas impõem ambientes sobrelotados, insalubridade, imobilidade, mutilações em vida, manuseamento violento, ansiedade, terror, antevisão da morte, testemunho de violência para com os seus semelhantes. Tudo é repetido na cronologia dos procedimentos, desde o acondicionamento do animal vivo até ao desmembrar do seu corpo.

Entre nós, o embalamento a vácuo, a assepticidade, dá-nos a ilusão de uma correcção exemplar no processo industrializado. Imaginamos um sistema eficiente na produção, porque o vemos eficiente na distribuição. Nesta linha de pensamento, o produto final é tão só isso mesmo: um produto. Catalogado, identificado, higienizado/asséptico, esvaziado de indícios do que foi antes e do que é agora, de facto, ainda que morto: um animal. Numa espécie de sub-processo de rectificação do que está errado, como se o que está errado é ter sido vivo e o que está certo é ser coisa − fresco, mas coisa −, corrige-se o que é imperfeito, remetendo qualquer noção do que foi vida para o infinitamente longe. Uma vez eliminado o cheiro, os resíduos/vestígios de vida, imaginamos todo um sistema menos violento, alicerçado em maquinaria de ponta e em legislação de suporte ao bem-estar e à atenuação do sofrimento. Resta, enfim, a funcionalidade que lhe foi destinada, antes mesmo de ser animal, de nascer.

Por chocante oposição – gráfica e sensorial −, observamos neste filme, naquele sistema, o animal waste, o cheiro e o estertor da morte no fim do processo, na banca de venda, e é isso que nos leva a apaziguar todo um sistema em detrimento de outro, exatamente igual para quem o vive. Esta ideia contribui para mantermos uma posição acrítica perante o nosso próprio sistema, anula ou diminui consideravelmente a nossa capacidade de reacção e acaba, também, por se transformar numa fragilidade explorada pela indústria da publicidade. Assim se reforça, engenhosa e perniciosamente, o ciclo e a alienação, o que ajuda a legitimar, banalizar e perpetuar uma prática hiper-sofisticada, no limite já reduzida ao estatuto de um mero processo de crueldade e matança gourmet.

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*João Pedro Rodrigues começou por estudar Biologia na Universidade de Lisboa para se tornar ornitólogo, mas cedo abandonou os estudos para se formar na Escola de Cinema de Lisboa. O seu trabalho explora o desejo humano em todas as suas formas – e disfarces – reflectindo a história multifacetada do cinema, dos géneros clássicos ao filme documentário e experimental. Realizou cinco longas-metragens: O Fantasma (2000), Odete (2005), Morrer Como Um Homem (2009), A Última Vez Que Vi Macau (2012) co-realizado com João Rui Guerra da Mata – e O Ornitólogo (2016). Também realizou curtas-metragens, algumas com Guerra da Mata, sendo Iec Long (2014), o seu mais recente filme em conjunto e pertencente a um corpo de trabalho que gostam de intitular de “filmes asiáticos”. Os seus filmes foram premiados nos principais festivais de cinema do mundo, incluindo Cannes, Veneza, Locarno e Berlim. Foi bolseiro do Centro de Estudos de Cinema de Radcliffe-Harvard e Carl Fellow, da Fundação Lily Pforzheimer na Universidade de Harvard, EUA (2014-2015) e “Artista Convidado” (pela segunda vez), em Le Fresnoy, Studio National des Arts Contemporains, França (2015/2016). Santo António, criado com Guerra da Mata para o Mimesis Art Museum na Coreia do Sul (2013-2014), foi a sua primeira exposição. Uma instalação vídeo de quatro canais, parte da exposição coreana, foi inaugurada em Outubro passado na Johnson-KuluKundis Family Gallery, no Radcliffe Institute da Universidade de Harvard e, Do Rio das Pérolas ao Ave (2016), na Solar, Galeria de Arte Cinematográfica, Vila do Conde. Uma retrospectiva do seu trabalho em conjunto com João Rui Guerra da Mata decorre no Centro Pompidou, em Paris, como parte do Festival d’Automne (2016/2017).

* João Rui Guerra da Mata estudou e formou-se em Design Gráfico e Tipografia e começou a trabalhar no cinema em 1995. Foi docente de Direcção de Arte / Design de Produção na Escola de Cinema de Lisboa (ESTC), de 2004 a 2011. Trabalhou em vários filmes como co-argumentista, assistente de realização, director de arte, designer de produção, figurinista e maquilhador, notadamente os dirigidos por João Pedro Rodrigues. Em 2012, realizou O Que Arde Cura, o seu primeiro filme. Co-realizou com João Pedro Rodrigues: China, China (curta-metragem, 2007), Alvorada Vermelha (documentário de curta-metragem, 2011), A Última Vez Que Vi Macau (curta-metragem, 2013), Iec Long (curta-metragem, 2014). Desenvolve design gráfico e design de interiores. Uma retrospectiva do seu trabalho em conjunto com João Pedro Rodrigues, decorre no Centro Pompidou, em Paris, como parte do Festival d’Automne (2016/2017). A sua obra está presente na colecção permanente do Museu de Arte Moderna (MOMA), em Nova York. Foi homenageado com várias retrospectivas internacionais em conjunto com João Pedro Rodrigues, nomeadamente no Harvard Film Archive e no BAMcinématek, Brooklyn, EUA (2010); TIFF Bell Lightbox, Toronto – Os Novos Autistas (2011) e, numa retrospectiva itinerante no Japão, em 2013. Em Junho de 2015, participou, juntamente com João Pedro Rodrigues, no painel “A Metamorfose do Cinema”, na Universidade Rikkyo, em Tóquio e em Outubro de 2016, apresentou uma palestra, juntamente com João Pedro Rodrigues, na mesma cidade, na Universidade Waseda.

*Maria Carbonária é licenciada em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Seguidora entusiasta dos cínicos e de todos os outros cães, dedica particular interesse à ética e bem-estar do humano e do não-humano.

*Ricardo Andrade é Mestrando em Cinema, com particular interesse pela articulação entre a Antrozoologia e o Cinema Documental. É também um músico intermitente, fascinado por animais: humanos e não-humanos.

* Ilda Teresa Castro é investigadora no AELab – Laboratório de Estética e Filosofia das Práticas Artísticas do IfilNova. Pós-doc com o projecto “Paisagem e Mudança − Movimentos”, apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Fundadora e Editora da plataforma e jornal online  AnimaliaVegetaliaMineralia, Publicou Eu Animal − argumentos para uma mudança de paradigma – cinema e ecologia (2015). Doutorada em Ciências da Comunicação/Cinema e Televisão, pela Universidade Nova de Lisboa. Prossegue investigação em Estudos Fílmicos, Ecocinema e Ecocriticismo. Inicialmente estudou Artes e Técnicas do Fogo para via de Belas-Artes, tendo optado por formação na Escola Superior de Cinema de Lisboa (ESTC) e em Peritos em Arte (CESE), na Escola Superior de Artes Decorativas (ESAD), da Fundação Ricardo Espírito Santo e Silva (FRESS) em Lisboa. Artista pluridisciplinar, o seu trabalho mais recente assume um cruzamento entre arte e ecologia com enfoque no domínio ecocritico, ambiental e animal. Conjuga práticas artísticas distintas: desenho, fotografia, webdesign, joalharia, escultura e filme. Realiza ecofilmes e instalações.

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Red Dawn

interview with João Pedro Rodrigues* and João Rui Guerra da Mata*

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by Ilda Teresa de Castro*

comment by Maria Carbonária* and Ricardo Andrade*

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Red Dawn was banned in China. The official fax they received from the China International Culture Association said: “This work is likely to cause an uncomfortable sensory experience and negative emotions to Chinese audiences”. How should we understand this prohibition in the light of the content of the film and of what it documents?

— It was a very hypocritical measure, given that the film shows images of daily life at the market “Mercado Vermelho” (Red Market) in Macau, which is very similar to most of the markets in Mainland China. This form of trading live animals for consumption was current practice in Europe until relatively recently and is justified by the simple reason of the conservation and the freshness of the food. In China, this practice continues to be part of the daily lives of most of the population looking for the freshest and best quality foodstuffs.

The film documents an interspecies meeting of humans and nonhumans, involving the confrontation with the “death in life” of nonhuman animals, which are dismembered alive to provide food for humans [note: concretely and for those who do not know the film, live fish to which the seller cuts the piece that the customer asks for and stay still alive on the benches, moving without a part of the body, until the arrival of a next customer who buys one bit of that body.] Was this confrontation part of your motivation to film this content? What motivated you to make this film?

— We wanted to record on film (or video, in this case, but we can still call it a film) the traditional way to market food, be it animals or not, in a typical Chinese market. These types of markets tend to disappear as new forms of marketing food, such as supermarkets, packaged products and vacuum, are on the increase… The Red Market belongs to João Rui’s past, and the common way to preserve it was to film it: the gestures and routines of a market day, from the opening to the closing. Of course, this concentration in a single day, which respects the unity of time and place of the classical forms of storytelling is created in editing because we filmed over many different days in that market to find the “right” moments, those which, for us, best illustrate everyday life in Macau.

The mermaid Jane Russell could fulfil a role between the human and the nonhuman, as a projection of another time and another relationship between the species.

— Jane Russell is the protagonist of the film “Macao” (1951) by Josef von Sternberg (finished by Nicholas Ray). In this film, she plays an adventurer who takes refuge in Macau, a territory that is presented to us as a kind of lawless land where everything is permitted, a refuge to criminals, opium addicts, and expatriates. It is one of the many representations of Hollywood’s myth of the Far East. “Red Dawn” was filmed while we were in Macau filming “The last time I saw Macau”, our “Asian” feature film. During filming, João Rui read the memoirs of Jane Russell, in which she speaks with a lot of disappointment and bitterness of the films she had made. She regrets having made only films for which she was chosen for her physical attributes, her voluptuousness, for the “flesh”. In February 2011, we learned the news of her death through Macau’s Portuguese newspapers. The shock could not have been greater. She and the film “Macau”, that we felt was guiding us through the labyrinths of our two individual and collective memories, had disappeared. And it all made sense: the mermaids we had imagined inside the fish tanks at the market were no more than reflections of Jane Russell, she herself being half human, half animal, a woman who lost her shoes because she metamorphosed into a mythical, playful creature, to be locked up forever in a Macanese fish tank. This is why the film begins with a high-heeled shoe left in the middle of the street, the first harbinger of this metamorphosis. A shoe immediately run over, or if it were not this metamorphosis, the departure to another life.

translated by Gabriela Carvalho

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«You can murder me less brutally, but you cannot murder me “more humanely.”»

(John Sanbonmatsu)

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comment by Maria Carbonária* and Ricardo Andrade*

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Alvorada Vermelha documents a system: we witness the chronologies of a process that is alien and strange to us, that presents itself to us as something grotesque, filthy, contaminated, cadenced by blows to the quick that disturb and even cause revulsion. We feel relieved that we may relegate it to remote times or distant places; after all, our industrial system is more evolved, cleaner and, most of all, less violent. In the light of this contrast, we feel ethically cleansed and even dispensed from looking into the problem.

However, from the animal’s point of view, both our Western system and the one the film (re)acquaints us with, predominant in various Asian territories, are the same – the condition of merchandise/product/proteid unit and the annulation of the intrinsic, invariably real individuality and value of every one, of every animal, set their tone and define them as parallel. Both systems deny the animality of animals, depriving them of their most basic attributes, their personality, their experiencing of social and affective relationships, and prevent them from evading the constant threat to their integrity. Both systems impose on them crowded living spaces, insalubrity, immobility, mutilations, violent handling, anxiety, terror, foresights of death and the witnessing of violent acts against others like them. All this is repeated in the chronology of procedures, from the accomodation of living animals to the butchering of their corpses.

Among us, vaccum-packaging and asepticism offer us the illusion of exemplary correctness in the industrialised process. We imagine a system that is effective in terms of production, because we see its effectiveness in terms of distribution. In this line of thought, the final product is just that: a product. Catalogued, identified, hygienic/aseptic, devoid of signs of what it was before and what it is now, in fact, though dead: an animal. In a sort of sub-process of righting what is wrong, as if being alive was wrong and being a thing – a fresh thing, but still a thing – was right, the imperfect is corrected, casting any idea that something was once alive into an infinite distance. Once the smell and all traces of life have been removed, we imagine a whole system that is less violent, based on cutting-edge machinery and laws that uphold animal well-being and the diminution of suffering. All that is left, in the end, is the functionality that was attributed to them, even before they were animals, even before they were born.

In shocking (graphic and sensorial) opposition, we are shown in this film, in that other system, the animal waste, the smells and the agony of death at the end of the process, at the market stalls, and this leads us to tolerate one system above the other, while both are exactly the same for those undergoing them. This notion helps us preserve an uncritical stance regarding our own system; it annuls or considerably impairs our capacity for indignation, eventually becoming a fragility that is exploited by the advertising industry. Thus the cycle of alienation is cleverly and perniciously strengthened, further legitimising, banalising and perpetuating a hyper-sophisticated practice, which has now been reduced to the condition of a mere gourmet process of cruelty and slaughter.

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*João Pedro Rodrigues began by studying Biology at Lisbon University to become an ornithologist but soon gave it up for Cinema Studies and graduated from Lisbon Film School. His work explores human desire in all its guises – and disguises – reflecting the multifarious history of film, from classic genres to documentary and experimental film. He directed five features: O Fantasma (2000), Odete (2005), Morrer Como Um Homem / To Die Like A Man, (2009), A Última Vez Que Vi Macau / The Last Time I Saw Macao (2012) – co-directed with João Rui Guerra da Mata – and O Ornitólogo / The Ornithologist (2016). He also directed several shorts, some together with Guerra da Mata, being IEC LONG (2014) their newest film together and belonging to a body of work they like to call their “Asian films”. His films premiered and won prizes at the world’s foremost film festivals, including Cannes, Venice, Locarno and Berlin. He was a Radcliffe-Harvard Film Study Center Fellow and Carl and Lily Pforzheimer Foundation Fellow at Harvard University, USA (2014-2015) and “Invited Artist” (for the second time already), at Le Fresnoy, Studio national des arts contemporains, in France (2015/2016). Santo António/ Saint Anthony, created with Guerra da Mata for the Mimesis Art Museum in South Korea (26/11/2013 to 9/02/2014) was his first exhibition. A four-channel video installation, part of the Korean exhibition, opened last October at the Johnson-KuluKundis Family Gallery at the Radcliffe Institute of Harvard University. Do Rio das Pérolas ao Ave / From The Pearl River To The River Ave (2016) at Solar, Cinematic Art Gallery, Vila do Conde. He has a complete retrospective and exhibition, together with João Rui Guerra da Mata at the Pompidou Center in Paris as part of the Festival d’Automne (2016/2017).

* João Rui Guerra da Mata studied and trained in Graphic Design and Typography and started working in cinema in 1995. He teached Art Direction / Production Design at the Lisbon Film School (ESTC) from 2004 to 2011. He worked in several features and shorts as co-director, co-writer, assistant director, art director, production designer, costume designer, and make-up artist, notably the ones directed by João Pedro Rodrigues. In 2012 he directed O Que Arde Cura / As The Flames Rose, his debut solo short. He co-directed with João Pedro Rodrigues: China, China (short, 2007), Alvorada Vermelha / Red Dawn (short documentary, 2011), A Última Vez Que Vi Macau / The Last Time I Saw Macao (feature, 2012), Mahjong (short, 2013), Iec Long (short, 2014). He also develop Graphic Work, Style and Interior Design and Exhibitions. He has a complete retrospective and exhibition, together with João Pedro Rodrigues at the Pompidou Center in Paris as part of the Festival d’Automne (2016/2017). His work is in the permanent collection of the Museum of Modern Art (MOMA), in New York City. He was honored with several international retrospectives together with João Pedro Rodrigues, namely at the Harvard Film Archive and at the BAMcinématek, Brooklyn, U.S. in 2010; TIFF Bell Lightbox, Toronto – The New Auteurs in 2011 and an itinerant retrospective in Japan in 2013. In June 2015, he took part, together with João Pedro Rodrigues, in the panel “The Metamorphosis of Cinema” at Rikkyo University in Tokyo. In October 2016 he gave a lecture, together with João Pedro Rodrigues, at Waseda University in Tokyo.

* Maria Carbonária holds a degree in Philosophy from the Faculty of Letters of the University of Lisbon. An enthusiastic follower of cynics and all other dogs, she pays particular attention to the ethics and well-being of the human and the nonhuman.

* Ricardo Andrade is a Master´s degree student in Cinema, particularly interested in the articulation between Anthrozoology and Documentary Film. He´s also an intermittent musician, relentlessly fascinated by animals: humans and nonhumans.

* Ilda Teresa Castro is a researcher in the AELab – Laboratory of Aesthetics and Philosophy of Artistic Practices at IfilNova Institute of Philosophy developing the Postdoctoral project “Landscape and Change – Movements”, with support by the FCT. Founder and editor of the online journal and homonym platform AnimaliaVegetaliaMineralia. Castro published the book Eu Animal − argumentos para uma mudança de paradigma – cinema e ecologia (2015). PhD in Communication Sciences, Faculty of Humanities and Social Sciences, Universidade NOVA de Lisboa. Castro continues making research in Film Studies, Ecocinema and Ecocriticism. Began by studying Arts and Techniques of Fire for Fine Arts, having opted to gave it up for Cinema Studies and graduated from Lisbon Film School (ESTC) and Art Experts (CESE), School of Decorative Arts (ESAD), at Fundação Ricardo Espírito Santo e Silva (FRESS) in Lisbon. A multidisciplinary artist, her most recent work assumes a cross between art and ecology — art and science, with a focus on the ecocritical, environmental and animal domain. It combines different artistic practices: drawing, photography, webdesign, jewelery, sculpture and film. Director of ecofilms and eco-instalations.

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Alvorada Vermelha / Red Dawn (documentário de curta-metragem / short documentary), 2011

Festival de Locarno

Fevereiro de 2011, Mercado Vermelho, o mais famoso e tradicional mercado de Macau. Dois realizadores, um olhar. Os gestos e as rotinas, entre a vida e a morte. In memoriam: Jane Russell (21 de Junho, 1921 – 28 de Fevereiro, 2011).

February 2011, Red Market, Macao’s most famous and traditional food market. Two directors, a common look. The gestures and the routines, between life and death.
In memoriam: Jane Russell (June 21, 1921 – February 28, 2011)

DCP, 27’, sem diálogos / no dialogue, escrito e realizado por / written and directed by João Rui Guerra da Mata e / and João Pedro Rodrigues imagem / cinematography João Pedro Rodrigues, João Rui Guerra da Mata som directo / direct sound Nuno Carvalho, Carlos Conceição montagem / editing Rui Mourão, João Pedro Rodrigues, João Rui Guerra da Mata montagem de som e misturas / sound editing and mix Nuno Carvalho primeira assistente de realização / first assistant director Leonor Noivo conselheira científica / scientific advisor Filomena Silvano produtor / producer João Figueiras produção / production Blackmaria.

imagens / images © Agência da Curta Metragem

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A Vossa Terra, de João Mário Grilo (2016)


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Unlocking the Cage, by Chris Hegedus and D A Pennebaker (2016)

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Heart of a Dog, by Laurie Anderson (2015)

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The Animal Communicator, by Swati Thiyagarajan, Craig Foster (2013)

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Cowspiracy : The Sustainability Secret, by Kip Andersen, Keegan Kuhn (2014)

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Thoughtful Birds in Action, Dr Deirdre Cobbin (University of Auckland)

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“I just learned about a wonderful video called “Thoughtful birds in action” directed by Dr. Deirdre Cobbin of the Faculty of Science at University of Technology in Sydney, Australia, that shows captive and wild birds performing amazing cognitive skills showing just how smart they are. Some of the scientists whose innovative and groundbreaking research is discussed include Giorgio Vallortigara, Gisela Kaplan, Lesley Rogers, Gavin Hunt, K-lynn Smith, Cinzia Chiandetti, and Culum Brown.” Marc Bekoff, Thoughtful Birds In Action: Bird Brains Are Highly Evolved

E Agora? Lembra-me, Joaquim Pinto e Nuno Leonel (2013)

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Lacrau, João Vladimiro (2013)

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The Ghosts in Your Machine, Liz Marshall (2013)

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Leviathan, Verena Paravel & Lucien Castaing-Taylor (2012)

Sensory Ethnography Lab Harvard University

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FixFood , Robert Kenner  (2012)

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A Vossa Casa, João Mário Grilo (2012)

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The Turim Horse, Béla Tarr (2011)

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A Arca do Éden, Marcelo Felix (2011)

A Arca do Eden

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Avatar, de James Cameron (2009)

Digital, cor, 162 min. Argumento James Cameron. Música James Horner. Fotografia Mauro Fiore. Montagem James Cameron, John Refoua, Stephen E. Rivkin. Intérpretes Sam Worthington, Zoe Saldanha, Sigourney Weaver, Stephen Lang, Michelle Rodriguez, Giovanni Ribisi, Joel Moore, CCH Pounder, Wes Studi, Laz Alonso. Produção James Cameron, Jon Landau, Colin Wilson.

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Home, de Arthus-Bertrand (2009)

Digital, cor, 95min. Argumento Isabelle Delannoy, Yann Arthus-Bertrand, Denis Carot, Yen Le Van. Música Armand Amar. Narrador Glen Close. Comentário Isabelle Delannoy, Tewfik Fares, Yan Arthus-Bertrand. Fotografia Michel Benjamim, Dominique Gentil. Montagem Yen Le Van. Produção Luc Besson, Denis Carot.

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Food Inc., Robert Kenner (2008)

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Meat the Truth, de Gertjan Zwanikken e Karen Soeters (2008)

Digital, cor, 78 min. Ideia base Nico Koffeman. Argumento Cluadine Everaert. Apoio realização. Karen Soeters. Fotografia Daniel Pfisterer. Montagem Steve Armor, Wouter Crucio, Dennis van Kouterik, Gertjan Zwanikken. Intérprete Marianne Thieme. Produção Monique van Dijk, Claudine Everaert, Alalena. Apoio. Nicolas G. Pierce Foundation.

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The 11th Hour, de Leila Conners Petersen e Nadia Conners (2007)

Digital, cor, 95min. Argumento Leila Conners Petersen, Nadia Conners e Leonardo Dicaprio. Música Jean-Pascal Beintus. Fotografia Peter Youngblood Hills. Montagem Luís Alvarez e Alvarez, Pietro Scalia. Produção Chuck Castleberry, Leila Conners.

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Encounters At the End of the World, Werner Herzog (2007)

Digital, cor, 99 min. Argumento Werener Herzog. Música Henry Kaiser, David Lindley Fotografia Peter Zeitlinger. Montagem Joe Bini. Narrador Werner Herzog. Intérpretes David Ainley, Samuel Bowser, Regina Eisert, Kevin Emery, Ryan Evans, Ashrita Furman, Peter Gorham, William Jirsa, Karen Joyce, Doug MacAyeal,William McIntosh, Olav Ofedal, Clive Oppenheimer, David Pacheco, Stefan Pashov, Jan Pawlowski, Scott Rowland, Ernest Shackleton, Libor Zicha. Produção Randal Boyd, Phil Fairclough, Dave Harding, Julian Hobbs, Henry Kaiser, Tree Leyburn, Andrea Medich, Erik Nelson.

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An Inconvenient Truth, Davis Guggenheim (2006)

Digital, cor, 100min. Música Michael Brook. Fotografia Davis Guggenheim, Robert Richman. Montagem Jay Cassidy, Dan Swietlik. Produção Lawrence Bender, Soctt Z. Burns.

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Earthlings, Shaun Monson (2005)

Digital, cor, p/b, 95 min. Música Moby. Narrador Joaquin Phoenix. Prod. Brett Harrelson, Nicole Visram, Babak Cyrus Razi, Maggie Q, Pérsia White, Libra Max, David&Sean Amato, Jeffrey David Sinclair.

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Spring, Summer, Fall, Winter… and Spring, de Kim ki-duk (2003)

35mm, cor, 103min. Música Ji-woong Park. Argumento Kim ki-duk. Fotografia Dong-hyeon Baek. Montagem Kim ki-duk. Intérpretes Oh Yeong-su, Kim ki-duk , Seo Jae-kyeong , Há Yeo-jin , Kim Jong-ho, Kim Jung-young , Ji Dae-han , Choi Min , Park Ji-a, Song Min-Young. Produção Karl Baumgartner, Dong-joo Kim, Seung-jae Lee.

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Baraka, Ron Fricke (1992)

Digital, cor, 92 min. Ideia original Genevieve Nicholas, Constantine Nicholas e Ron Fricke. Conceito e argumento Ron  Fricke, Mark Magidson e Bob Green. Montagem Ron Fricke, Mark Magidson, David E. Aubrey. Fotografia Ron Fricke. Direcção musical e música original Michael Stearns. Supervisão de produção Alton Walpole. Produção Mark Magidson. Filmado em Todd-AO 70mm.

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Mindwalk, de Bernt Capra (1990)

Digital, cor, 112 min. Obra original Fritjof Capra. Argumento Bernt Capra, Floyd Bars, Fritjof Capra. Música Philip Glass. Fotografia Karl Cases. Montagem Jean-Claude Piroué. Intérpretes Liv Ullman, Sam Waterston, John Heard, Ione Skye, Emmanuel Montes. Produção Adrianna Cohen, Robin Holding, Klaus Lintschinger, Stephanie Moore.

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Damnation, de Béla Tarr (1987)

35mm, p/b, 116 min. Obra original Lászlo Kranahorhai. Argumento Lászlo Kranahorhai, Bela Tarr. Música Mihály Víg. Fotografia  Gábor Medvigy.. Montagem Ágnes Hranitzky.. Intérpretes Miklós B Székely, Vali Kerekes, Hédi Temessy, Gyorgy Cserhalmi. Produção Josef Marx.

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O Raio Verde, de Eric Rohmer (1986)

35mm, cor, 98min. Argumento Eric Rohmer e Marie Rivière (colaboração). Música Jean-Louis Valéro. Fotografia Sophie Maintigneux. Montagem Maria Luísa Garcia. Intérpretes Marie Rivière, Maria Luísa Garcia, Amira Chemakhi, Sylvie Richez, Basile Gervaise, Virginie Gervaise, René Hernández, Dominique Rivière, Claude Julien, Alaric Julien, Laetitia Rivière, Isabelle Rivière, Béatrice Romand, Rosette, Marcelo Pezzutto, Irene Skobline, Eic Hamm, Gérard Quéré, Brigitte Poulain, Gérard Leleu, Lilianne Leleu, Vanessa Leleu, Huger Foote, Michel Labourre, Paulo, Maria Couto-Palos, Isa Bonnet, Yve Doyhamboure, Friedrich Gunter Christlein, Paulete Christlein, Carita, Marc Vivas, Joel Comarlot, Vincent Gauthier. Produção Margaret Ménégoz.

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O Movimento das Coisas, Manuela Serra (1985)

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Stalker, de Andrej Tarkovsky (1979)

35mm, cor, 163min. Obra original Arkadiy Strugatskiy e Boris Strugatskiy. Argumento Arkadiy Strugatskiy e Boris Strugatskiy. Fotografia Alexandr Knyazhinsky, Giorgi Rerberg, Leonid Kalashnikov. Montagem Lyudmila Feiginova. Direcção artística Shava Abdusalamov. Intérpretes Aleksandr Kaidanovsky, Alisa frejndlikh, Anatoli Solonitsyn, Nikolai Grinko, Natasha Abramova. Design de Produção Aleksandr Bojm, Andrei Tarkovsky. Produção Aleksandra Demidova, Willie Geller.

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Trás-os-Montes, António Reis (1976)

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Jaime, António Reis (1974)

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Festa, Trabalho e Pão em Grijó da Parada, Manuel Costa e Silva (1973)

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Solaris, de Andrej Tarkovsky (1972)

35mm, cor, 167 min. Obra original Stanislaw Lem. Argumento Andrej Tarkovsky, Friedrich Gorenstein. Música Eduard Artemiev. Fotografia Vadim Yusov. Montagem Lyudmila Feiginova, Nina Marcus. Intérpretes Natalya Bondarchuck, Donatas Banionis, júri Jarvet, Vladislav Dhorzhetsky, Nikolai Gringo, Anatoli Solonitsyn, Olga Barnet. Produção Michail Romadin, Viacheslav Tarasov.

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Au Hasard Balthazar, de Robert Bresson (1966)

35mm, p/b, 95 min. Argumento Robert Bresson. Música Jean Wiener. Fotografia Ghislain Cloquet. Montagem Raymond Lamy. Intérpretes Anne Wiazemsky, Walter Green, François Lafarge, Jean-Claude Guilbert, Philippe Asselin, Pierre Klossowski, Nathalie Joyaut, Marie-Claire Fremont, Jean-Joel Barbier, Jean Rémignard. Produção Mag Bodard.

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A Caça, Manoel de Oliveira (1964)

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The River (O Rio Sagrado), de Jean Renoir (1951)

35mm, cor, 99min. Música original M. A. Partha Sarathy. Obra original Rumer Godden. Argumento Rumer Godden e Jean Renoir. Fotografia Claude Renoir. Montagem George Gale. Direcção artística Bansi Chandragupta. Intérpretes Nora Swinburne, Esmond Knight, Arthur Shields, Suprova Mukerjee, Thomas E. Breen, Patricia Walters, Radha, Adrienne Corri, June Hillman (voz off). Produção Kenneth McEldowney e Jean Renoir.

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Francesco giullare di Dio, Roberto Rossellini (1950)

35mm, p/b, 75min. Argumento Roberto Rosselini, Federico Fellini, António Lisandrini, Félix Morlión, Brunello Rondi. Música Renzo Rosselini. Fotografia Otello Martelli. Montagem Jolanda Benvenuti. Intérpretes Nazario Gerardi, Aldo Fabrizi, Peparuolo, Severino Pisacane, Roberto Sorrentino, Arabella Lamaitre. Produção Giuseppe Amato, Ângelo Rizzoli.

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Le Sang des Bêtes, Georges Franju (1949)

Digital, cor, 162 min. Argumento Georges Franju Comentário Jean Painlevé. Música Joseph Korma. Fotografia Marcel Fradetal. Montagem André Joseph.Câmera Patrice Molinard. Narradores Georges Hubert, Nicole Ladmiral. Intérpretes Alfred Macquart, Maurice Griselle, André Brunier, Henri Fournel. Produção Paul Legros.

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La Régle du Jeu, Jean Renoir (1939)

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General Line, Serjei Eisenstein (1929)

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Nanook of the North, de Robert Flaherty (1922)

16mm, p/b, 62 min. Argumento Robert Flaherty. Música Timothy Brock (versão de 1998), Stanley Silverman (versão de 1976), Rudolf Schramm (versão de 1947). Fotografia Robert Flaherty. Montagem Herbert Edwards (versão de 1947), Robert Flaherty, Charle Gelb.. Intérpretes Nanook, Nila, Cunayou, Alle e Allegoo. Produção Robert Flaherty.

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Electrocuting an Elephant, Thomas Edison (1903)

p/b. 22´´, EUA.

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